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Brasília – Pela primeira vez, em 70 anos, o Conselho Nacional de Saúde (CNS) escolheu seu presidente por eleição direta. Até ontem, o cargo era ocupado pelo ministro da Saúde. O farmacêutico Francisco Batista Júnior foi o escolhido. Ligado a movimentos sociais, é um crítico feroz das emendas individuais de parlamentares para a saúde. Segundo Batista Júnior, falta transparência e fiscalização na aplicação dessas verbas, que a seu ver não são destinadas às necessidades reais da população.

"O valor de R$ 3 bilhões de emendas individuais para a saúde é um acinte. O CNS aprovou o orçamento da saúde, mas foi tudo violentamente deturpado, sem que fôssemos ouvidos", protesta Batista Júnior, que defende mais rigor na destinação desses recursos.

Batista vai mais longe e diz que "os recursos da saúde são mal aplicados". "Temos um modelo hoje que privilegia a doença. É ruim um sistema que privilegia pagamento de procedimentos médicos. O gestor se preocupa em apresentar uma fatura com esses serviços. Defendemos que existam metas.", afirma.

Potiguar, nascido em Pau-dos-Ferros, Batista Júnior é farmacêutico há 29 anos. Membro da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Seguridade Social, ligada à Central Única dos Trabalhadores, ele representa os trabalhadores de saúde nos conselhos estadual do Rio Grande do Norteda cidade de Natal e, desde 2004, integra o CNS.

Qual o significado da primeira eleição para presidente do CNS, cargo que sempre foi ocupado pelo ministro da Saúde?

Há anos debatemos essa questão. O Conselho Nacional de Saúde tem, entre suas atribuições, fiscalizar as ações e os recursos aplicados na saúde. No momento em que o presidente é o próprio ministro, cria-se certa dificuldade. Como ele vai fiscalizar a si próprio? A relação é muito próxima. O conselho precisa ter liberdade para adotar medidas que possam desagradar ao gestor. Teremos mais força e independência para tomarmos nossas decisões. Faltava autonomia do CNS em relação ao Ministério da Saúde.

Que mudanças podem ocorrer a partir de agora?

Fui eleito em 8 de novembro e estou percebendo uma demanda muito grande por parte da sociedade civil e dos movimentos sociais. Com a distância que havia entre o ministro e essas entidades, havia uma demanda reprimida. Os movimentos sociais, agora, ficam mais à vontade. Diminui a distância entre eles e o CNS. A pressão vai continuar e, naturalmente, as pendências vão aparecer.

Quais os principais desafios na área da saúde no país?

Há três grandes demandas a curto prazo. O primeiro é organizar uma mobilização para regulamentar a Emenda 29, que assegura recursos mínimos para a saúde. Será preciso uma mobilização muito forte, junto a governadores, secretários de Saúde e deputados, para que o Congresso vote imediatamente. O segundo ponto é fortalecer os conselhos municipais e estaduais de Saúde, que se enfraqueceram, principalmente entre 1999 a 2002. O terceiro aspecto é lutar pela implantação do pacto pela vida, um pacto pelo Sistema Único de Saúde (SUS), lutar para melhorá-lo.

O senhor acha possível que se vote essa emenda com tantas pressões contrárias de alguns setores?

Há uns três meses conversamos com o Aldo Rebelo (presidente da Câmara dos Deputados). Ele havia assumido incluir o assunto na pauta. Sei que não é fácil votar esse tema. Estamos tentando um encontro com a ministra Dilma Rousseff (Casa Civil). Vamos à luta.

Como seria esse pacto pelo SUS?

Os recursos da saúde são mal aplicados. Temos um modelo hoje que privilegia a doença. É ruim um sistema que privilegia pagamento de procedimentos médicos. O gestor se preocupa em apresentar uma fatura com esses serviços. Defendemos que existam metas. Por exemplo: a partir de um levantamento, detecta-se que um município tem problema de tuberculose. Então, a meta do município será acabar com a tuberculose. E o gestor será fiscalizado pelo Ministério Público, pelo conselho municipal e pelo Ministério da Saúde. É preciso mudar essa lógica para melhorar o quadro epidemiológico. Temos que priorizar a prevenção e a promoção da saúde.

O país está vendo o escândalo dos sanguessugas e dinheiro público para a saúde desviado pela corrupção. Como o senhor analisa esse episódio?

Antes, é preciso deixar claro que o CNS, por um equívoco da legislação, não tem qualquer ingerência sobre emendas parlamentares destinadas à saúde. O conselho sequer é consultado. O valor de R$ 3 bilhões de emendas individuais para a saúde é um acinte. O CNS aprovou o orçamento da saúde, mas foi tudo violentamente deturpado, sem que fôssemos ouvidos. Não deveria existir emenda parlamentar para a saúde. Mas, já que a regra é essa, deveria haver mais rigor. Se um deputado destina emenda para uma cidade, o conselho municipal precisa acompanhar todo o processo. É o mínimo que deve ser feito.

O senhor considera muito alto esse valor de emenda?

Esse percentual, de 30% de emendas parlamentares, é elevadíssimo. É uma coisa esdrúxula. Basearam-se em quê? É uma distorção gravíssima. Falta transparência, falta fiscalização das emendas, que não são destinadas às reais necessidades de saúde da população. Se tivesse sintonizada com a realidade da situação epidemiológica de cada município... Nós nos preocupamos com cada centavo para a saúde. É preciso de controle social severo sobre esse dinheiro.

Na montagem do segundo governo Lula, o cargo de ministro da Saúde entrou na barganha política com aliados. Qual a sua avaliação?

Afirmo de forma clara e contundente que em nenhum governo, seja de que partido for, se deveria utilizar os ministérios fortes na adoção de políticas públicas, como o da Saúde e o da Educação, como moeda política e instrumento de barganha. É um equívoco profundo. É o primeiro passo para a coisa não funcionar corretamente. A regra geral é essa: quando a política pública vira instrumento político, a chance de dar errado é muito grande.

O conselho pode participar da escolha do novo ministro?

Não. O conselho não tem papel nem atribuição para participar de decisões da esfera política. Essa é tarefa do presidente Lula e de sua equipe. Nosso papel é bem claro. É não interferir na política.

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