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Em 1958, a noviça Teresa Cristina mal tinha concluído o curso Normal e recebeu uma tarefa da madre superiora das irmãs de São José de Chambery: caprichar na alfabetização de 30 meninas, "a nata da sociedade de São José dos Pinhais", conforme ficou lavrado. Seria seu primeiro trabalho em sala de aula. A recomendação foi levada tão à risca que aquele ano se tornou o primeiro do resto de sua vida e da vida das garotas. O tira-teima veio há poucos meses quando a professorinha conseguiu reunir parte das pupilas para ajudá-la a editar um livro.

A idéia virou uma febre, como se pelo menos uma dezena de mulheres tivessem voltado ao tempo. Elas viraram parceiras da mestra e há poucos meses fizeram a festa para lançar Na Ciranda da vida – obra que é um misto de homenagem e documento. Mestra e alunas deviam figurar no Livro de Recordes pela proeza. Companheiras de ginásio, colegial e faculdade costumam se encontrar, mas as do antigo primário, só se por um bom motivo. Como elas tinham vários, foram rápidas e tiraram de letra as longas cinco décadas que as separava.

A princípio, o reencontro era mera curiosidade: todas queriam rever a noviça, que nos dizeres da administradora Rita de Cássia Trevizan Meyer, atual primeira-dama de São José dos Pinhais, foi a mais bonita de que se teve notícia naquelas bandas. Pois Teresa saiu do convento. Voltou a ser Odete Ozzen (nome de batismo), teve filhos e netos e fez carreira como professora de Português – em especial no Colégio Estadual do Paraná, onde ingressou em 1962. Quanto ao tempo, ainda lhe cai bem. O segundo motivo tem a ver com Justiça. Teresa/Odete era uma figura que todas queriam ter no álbum de retratos, apresentar à família e chamar para almoçar domingo. Umas poucas tinham conseguido. A hora tinha enfim chegado.

Os primeiros contatos com a turminha de 58 começaram há uma década. A professora de Geografia Neusa Koërbel, membro do grupo e bastante conhecida na cidade, puxou a força-tarefa que identificou colegas de infância. Foi na base do boca a boca. Até que junto com a surpresa do reencontro tardio veio a certeza de que a primeira professora tinha sido uma das melhores lembranças dos tempos de lancheira. "Ela me influenciou na escolha da carreira", diz Neusa. Não é difícil entender por quê.

Nem os rigores da vida religiosa nem os limites de uma pequena cidade impediram Odete de idealizar um projeto de alfabetização fora dos padrões. Ela usava flanelógrafo – tataravó do power point – cartazes, slides, encenações, música, jogos e brincadeiras. Muitas brincadeiras, tanto que considera a ludicidade seu segredo de sucesso. Embora tenha mantido a firmeza necessária aos educadores, deu espaço para a doçura. Caiu muito bem. Eram os anos em que os filósofos Jean-Paul Sartre e Simone de Beauvoir encantavam o mundo; Fidel Castro e Che Guevara se preparavam para descer de Serra Maestra; o Brasil vivia a vitória da primeira Copa; João XXIII chegava ao papado e a criançada brincava de bambolê. "Elas eram muito pequenas. Eu as sentava no meu colo para passar a lição", lembra.

Na década de 60, já fora de São José dos Pinhais, Odete manteve e fama de professora anticonvencional. "Professor tem de ser artista", repete. Quando conta, entre um verso e outro de Fernando Pessoa e Gonçalves Dias, o impulso é sempre o mesmo. Quer-se saber se ela não vai escrever um livro sobre o assunto. Sim, ela gostaria, mas antes precisa responder uma pergunta que a atazana. Por que os métodos de alfabetização evoluíram tão pouco em meio século? Mesmo fora das primeiras letras, a professora colecionou cartilhas e fez comparações. "Não muda quase nada. Eu sempre achei que os avanços tecnológicos ia revolucionar a maneira de as crianças aprenderem a ler. Não foi o que aconteceu", comenta.

Ela aproveita a deixa para lançar um desafio. Está disposta a trocar figurinhas com educadores – pelo menos com os dispostos a ouvir uma veterana reverenciada por suas alunas durante tanto tempo. E tem mais: há cinco anos longe da sala de aula, Odete Ozzen anda com saudade da emoção da primeira vez: "Sempre sentia um frio na barriga ao entrar numa sala nova." Coisa de artista.

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