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Arqueóloga acompanha obras da Linha Verde em busca de vestígios indígenas: relatório da primeira etapa está pronto, falta agora analisar o trecho até o Atuba | Fotos: Divulgação Cepa-UFPR
Arqueóloga acompanha obras da Linha Verde em busca de vestígios indígenas: relatório da primeira etapa está pronto, falta agora analisar o trecho até o Atuba| Foto: Fotos: Divulgação Cepa-UFPR

Escavações

Mateus Leme teve descobertas

Nos anos de 2003 e 2005 obras na Rua Mateus Leme, no bairro Centro Cívico, em Curitiba, permitiram aos arqueólogos do Centro de Estudos e Pesquisas Arqueológicas da UFPR chegar a outras conclusões também interessantes sobre os costumes da capital.

Foram encontradas louças faiança fina, porcelana, biscuit, principalmente de origem estrangeira, que demonstraram o alto poder aquisitivo da população. Dentre as louças, apareceu também muito lixo, o que permitiu aos arqueólogos concluir que até a segunda metade do século 19 Curitiba não tinha coleta de lixo e que a população, por isso, usava o pátio das casas (diga-se de passagem, bem grandes) para depositar o lixo produzido.

Acreditava-se, até então, que a técnica construtiva de taipa de pilão (socagem da terra dentro de uma forma para fazer as paredes) não havia chegado a Curitiba. Esta técnica é da península ibérica e existiu no interior do estado, mas, até 2003, não havia sido encontrada na capital paranaense. "Nós encontramos a taipa de pilão na Mateus Leme, possivelmente de uma construção demolida no século 18", explica o arqueólogo responsável pelas pesquisas, Igor Chmyz. Para se ter uma ideia de como era Curitiba no século 19, ele sugere um olhar apurado sobre Guaraqueçaba e Antonina. "Ainda existem, nestas cidades, algumas casas que de tão baixas o morador, antes de entrar, deixa o chapéu no telhado. Imagine como era a altura destas residências de Curitiba", afirma.

  • Ruínas da Igreja de Sant’Anna (século 19) encontradas no bairro Campo do Santana: moradores dizem que ali existiu um cemitério de índios

Em paralelo ao trabalho feito pelas retroescavadeiras das obras da Linha Verde, em Curitiba, arqueólogos do Centro de Estudos e Pesquisas Arqueo­lógicas (Cepa) da Universidade Federal do Paraná (UFPR) trabalharam como formiguinhas em busca de indícios de uma civilização que habitou a capital paranaense há pelo menos 10 mil anos. Pode parecer loucura, mas o trabalho minucioso, iniciado em 2004, já rendeu pano para a manga.Na área pesquisada (região do Pinheirinho e Fazenda Rio Grande) já foram encontrados 52 sítios e/ou indícios arqueológicos: 28 deles pertencem a grupos indígenas, 14 são de assentamentos de mestiços e 10 de ocupações mais recentes. Nas escavações, apareceram 12.155 peças (27% de origem indígena) entre louças, cerâmicas e pontas de flechas. Há ainda, em ruínas, uma igreja mais recente, do século 19, que pertencia à fazenda da família Sant’Anna, que seria derrubada com a duplicação da BR-116 até Fazenda Rio Grande, mas que graças ao trabalho do Cepa, será preservada.

A igreja, segundo moradores antigos da região, era um cemitério de índios, mas os antropólogos não encontraram ali indícios de covas com corpos. "A obra de duplicação iria atingir a igreja e um sítio arqueológico da tradição neobrasileira. Se não tivéssemos descoberto, tudo iria abaixo", conta o arqueólogo coordenador das pesquisas, Igor Chmyz.

A quantidade de sítios arqueológicos e peças encontradas reforçam uma teoria que ainda não estava totalmente confirmada: os índios habitaram densamente toda a região de Curitiba. Cada tradição ocupara o município em um período, mas, às vezes, acabaram dividindo a mesma região. "A única maneira de descobrir que ambas as tradições habitaram o mesmo espaço é pela pesquisa por camadas, onde em cada uma delas são encontrados os vestígios de um povo. E, com o olhar do arqueólogo, foi possível descrever e distinguir as peças de uma tradição para a outra", diz Chmyz.

Pesquisa

Investigação por camada revela etnias

Os primeiros habitantes de Curitiba teriam sido os índios caçadores e coletores ligados à tradição Umbu. Os vestígios se referem à "indústria" lítica (relativo à pedra): eles moraram há 10 mil anos e faziam abrigos sob a rocha ou a céu aberto. É nas proximidades da várzea do Rio Iguaçu que foram encontrados mais sítios ou indícios arqueológicos relacionados a eles: foram 12 até o momento, principalmente entre os bairros Umbará e Ganchinho.

Depois dos caçadores e coletores, surgiram os grupos indígenas chamados de ceramistas que, além de produzirem a cerâmica para cozinhar ou guardar alimentos, eram horticultores. Um deles é o de tradição Itararé, do tronco linguístico Jê. Muito mais recente, esta tradição habitou Curitiba há 3 mil anos e originou os Kaigáng (presente no estado) e Xokleng (em Santa Catarina). Como vestígios arqueológicos, deixaram cerâmicas, ritos de cremação e habitações subterrâneas com três metros de profundidade.

Neobrasileiros

Dezesseis sítios encontrados eram de índios horticultores ou ceramistas. Além dos Itararés, praticamente coexistiram (há 2 mil anos) os Tupiguaranis. A cerâmica deles era mais oval e esta tradição esteve mais presente nas regiões de Araucária e Campo Largo. Chmyz calcula que os ceramistas permaneciam cerca de cinco anos na mesma área e, depois, se mudavam em busca de novas terras férteis, por isso estiveram por todo o território curitibano. "Quando chegou a notícia do achado do ouro do aluvião, os portugueses vieram e começaram a habitar o litoral e depois subiram ao planalto curitibano. Com isso, os Jês se afastaram, mas os tupiguaranis ficaram. Surge, desta relação, os mestiços chamados de Neobrasileiros", diz. Eles tiveram de aprender com os índios as técnicas de sobrevivência e acabaram aperfeiçoando as cerâmicas, que passaram a ter alças e bicos.

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