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Fachada da sede do Supremo Tribunal Federal (STF), em Brasília.
Fachada da sede do Supremo Tribunal Federal (STF), em Brasília.| Foto: Nelson Jr./SCO/STF

Dentre tantas formações, a graduação em medicina é a mais concorrida em diversas instituições de ensino superior do Brasil. Com tamanha disputa para entrar em uma universidade, a oferta de cursos de medicina tem aumentado. Há quem considere que deveria haver ainda mais vagas, mas também existe uma crescente preocupação com a qualidade da formação dos futuros médicos. Duas ações recentes levadas ao Supremo Tribunal Federal (STF) opõem essas duas vertentes.

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Uma Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) protocolada no STF em 8 de junho deste ano quer tornar mais rigorosas as condições necessárias para abertura de cursos de medicina. A Associação Nacional das Universidades Particulares (ANUP) ajuizou no STF a ADC n° 81 solicitando a exigência de chamamento público para o funcionamento de novos cursos de medicina. A ação tem como relator o ministro Gilmar Mendes e foi enviada para a Procuradoria-Geral da República (PGR).

O processo tem como base a Lei nº 12.871/2013, que instituiu o Programa Mais Médicos e regulamenta a oferta de vagas de medicina no Brasil. O art.3° determina o funcionamento da graduação de medicina mediante chamamento público, conduzido pelo Ministério da Educação (MEC). Apesar da determinação da lei, tribunais têm relativizado o dispositivo.

Na petição, a ANUP alega que há algumas decisões judiciais que estão obrigando o MEC a receber, processar e avaliar autorização de novos cursos de medicina mesmo sem chamamento público. A ação pede que o STF corrobore a constitucionalidade do art. 3º da Lei nº 12.871/2013. Dentre os principais motivos apresentados estão o zelo pela qualidade da formação médica e pela melhor distribuição dos médicos no território brasileiro.

“Criam-se cursos e abrem-se vagas sem a observância dos critérios técnicos atuais, estabelecidos pelo legislador como política pública a partir da positivação dos dispositivos cuja constitucionalidade se pretende ratificar, que foram pensados e planejados para garantir uma educação eficiente e de qualidade”, diz a ANUP na petição.

Dentre algumas condições destacadas pela entidade como importantes para a autorização de novos cursos de medicina estão a infraestrutura adequada (laboratorial e hospitalar), o corpo docente qualificado, a necessidade social do curso para a região e a parceria com unidades de saúde do SUS.

Além de mirar a qualidade da oferta, a ANUP quer evitar uma criação desordenada e desequilibrada de cursos de medicina. Na petição, a entidade destaca que o Brasil é o segundo país no mundo com mais faculdades de medicina, estando atrás apenas da Índia. Em 2020, existiam 305 cursos para uma população de 212,6 milhões. A China, por exemplo tem 150 cursos de medicina para 1,4 bilhões de habitantes.

“Essas informações representam justificativa suficiente para acender um alerta em relação à abertura indiscriminada de cursos de Medicina no Brasil, porquanto, mesmo com uma quantidade estrondosa de cursos, o problema do acesso isonômico a médicos não é solucionado”, alega a ANUP.

Conselho de reitores quer afrouxar exigência para abertura de cursos

Após menos de 15 dias, outro processo, a ADI 7187, foi protocolado no STF. Ajuizada pelo Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras (CRUB), a ação é contra o art.3° da Lei n.° 12.871/2013 – mesmo dispositivo que a ANUP quer que o STF corrobore. “A regra legal é inconstitucional, pois viola os princípios constitucionais da legalidade estrita, da isonomia e do direito de petição; afronta também a autonomia universitária constitucionalmente garantida; por fim, descumpre as garantias da livre iniciativa e da livre concorrência”, diz o Conselho na petição. O relator também é o ministro Gilmar Mendes, e o processo ainda não recebeu despacho para a PGR.

A ação diz que a constitucionalidade dessa norma tem auxiliado grandes grupos educacionais no país. Além disso, critica a ADC n°81, ajuizada pela ANUP, afirmando que essa entidade representa grandes instituições de educação como Kroton e Afya. O Conselho de Reitores critica o art. 3° da Lei n.° 12.871/2013 que favoreceu os big players do setor da educação superior e “acabou por criar, artificialmente, posições de dominância de mercado, como se fosse o MEC um órgão planificador e organizador da economia”.

A ADI n° 7187 ressalta que o MEC tem auxiliado na consolidação desses grupos educacionais. A ação busca a garantia da livre iniciativa e livre concorrência – que, segundo o CRUB, foram desrespeitadas pela norma. “Os instrumentos escolhidos tornaram extremamente deficitária uma ampla concorrência isonômica e com foco na qualidade acadêmica”. Ainda, questionam a disputa de oferta do curso e o elevado retorno econômico.

A ação reitera que o dispositivo não busca a proteção da política de interiorização de médicos, mas a proteção de grandes instituições educacionais em relação à concorrência. Dessa forma, a ação busca a inconstitucionalidade do art. 3° da Lei n.° 12.871/2013 ou que o Ministério da Educação não utilize esse dispositivo para a criação de chamamento público. Também, busca que não favoreça os big players, em relação Às demais Instituições de Ensino Superior (IES), pequenas e médias, sejam essas fundações, empresas ou associações.

ANUP e CRUB 

À Gazeta do Povo, a Associação Nacional de Universidades Privadas (ANUP) assegura que busca a abertura de cursos visando a qualidade de ensino e da prestação do serviço público de saúde. “A entidade avalia que o descumprimento da legislação fragiliza a formação dos novos profissionais, pois não garante a existência de infraestrutura adequada para a prática das atividades de internato e da residência médica, obrigatória para a preparação das especialidades médicas”, diz em nota. A ANUP também alega que parte da formação médica depende da infraestrutura do SUS. Atualmente, há excesso de estudantes por leitos existentes em algumas cidades.

“Desta forma, sem o chamamento público do Ministério da Educação, os municípios onde há populações mais vulneráveis ficam prejudicados, sem o repasse de recursos às prefeituras, bem como são abandonados os objetivos precípuos da lei, relativos à interiorização e regionalização de médicos - atualmente concentrados nos grandes centros urbanos e capitais”, afirma a entidade.

Já o assessor jurídico do Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras (CRUB), Dyogo Patriota, alega que o relator do caso vem processando com rapidez a ação da ANUP, enquanto o CRUB aguarda despacho da demanda. “Ambas foram distribuídas ao Ministro Gilmar Mendes, embora se suponha que, por lógica, quem é competente para julgar tais demandas seja o Ministro Alexandre de Moraes, que inclusive relatou as ações anteriores relativas a essa mesma lei, notadamente as ADI n.° 5.035 e n.° 5.037”, critica.

“A ADC da ANUP segue com tramitação acelerada e aguarda apenas o último ato de instrução, o Parecer da Procuradoria Geral da República. Em relação a ADI, não se sabe por qual motivo, mesmo tendo sido ajuizada apenas doze após a primeira ação, segue estacionada, sem qualquer despacho ou decisão”, complementa o assessor. Ele destaca haver uma concentração de abertura de cursos de medicina por empresas educacionais grandes, o que prejudica as menores.

A Gazeta do Povo procurou o Ministério da Educação para falar sobre as ações no STF, mas, até o momento, não obteve resposta.

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