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caso aeroporto roma moraes
Investigação no caso do aeroporto de Roma teve vazamento de conversa entre advogado e cliente.| Foto: Reprodução

Juristas afirmam que a exposição ilegal de conversas entre advogado e cliente tem efeitos graves, pois coloca em risco a proteção efetiva dos cidadãos na relação com o Estado. Na segunda-feira (19), a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) acionou a Procuradoria Geral da República (PGR) para investigar a conduta supostamente criminosa de Hiroshi de Araújo Sakaki, delegado da Polícia Federal, que expôs trocas de informações entre o advogado Ralph Tórtima e o cliente, o empresário Roberto Mantovani Filho. A OAB também recorreu ao Supremo Tribunal Federal (STF), que acatou o pedido e tarjou os trechos de conversas entre o advogado e o cliente do processo que está em andamento.

Na peça elaborada pelo delegado Sakaki, um dos tópicos foi intitulado como “Das tratativas de Roberto com seu advogado Ralph Tórtima”. Nele, é possível encontrar transcrições de diálogos, prints de imagens e de documentos relativos às comunicações entre advogado e cliente. Mantovani está sendo investigado depois de se envolver em uma confusão com o ministro do STF Alexandre de Moraes no aeroporto de Roma, na Itália.

Para Beto Simonetti, presidente nacional da OAB, “as prerrogativas da advocacia existem para proteger os direitos e garantias dos cidadãos representados pelos advogados”. A OAB solicitou à PGR que a conduta do delegado fosse apurada por suposto crime de violação de direito ou prerrogativa de advogados. A entidade se apoiou no art. 7º-B da Lei do Estatuto da Advocacia, que considera crime a quebra de sigilo dos profissionais e prevê pena de até quatro anos de detenção.

Quebra de prerrogativa facilitaria abusos

“É impossível se proteger efetivamente do braço punitivo do estado se um cidadão não consegue ter uma relação de confiança e trocar informações confidenciais com o advogado que o defende”, afirma Igor Costa, advogado criminalista. Costa acrescenta que “o sigilo profissional do advogado é algo inerente sem o qual o exercício da profissão fica impossibilitado”.

“Se quem exercita o poder punitivo quiser fazê-lo de forma abusiva, como costuma ocorrer em ditaduras, sem ser ‘atrapalhado’ pelo exercício de defesa técnica, ter acesso à conversa privada entre o advogado e seu cliente facilitaria o abuso”, diz Rodrigo Chemim, professor de Processo Penal da Universidade Positivo e doutor em Direito do Estado.

“Numa democracia efetiva, de outra sorte, o controle do poder punitivo é regra e exige algumas limitações para que a liberdade prevaleça sobre possíveis abusos. Do contrário, nossa liberdade ficaria à mercê da boa vontade do ditador de plantão”, acrescenta.

Em outro caso, STJ anulou processo por advogado ter exposto confidências de clientes

Chemim reforça a importância de o cliente ter assegurada a liberdade de dizer tudo o que sabe ou pensa sobre o caso, sem qualquer reserva ou cautela. O especialista compara com a relação entre médico e pacientes. “Guardadas as proporções, para um diagnóstico preciso de como agir, o médico – e o advogado – precisam ter conhecimento pleno de tudo o que se passa com seus clientes. Do contrário a doença é tratada de forma errada”, diz.

Igor Costa relembra uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) em 2022 durante a operação “máfia das falências” no estado de Goiás. Na ocasião, a 5ª Turma do STJ anulou a investigação, devido a delação premiada do advogado Aluísio Flávio Veloso Grande, na qual o profissional expôs clientes, inclusive ao apresentar gravações ilegais de conversas entre eles.

O ministro João Otávio de Noronha, que foi relator do caso, afirmou que “a conduta do advogado que, sem justa causa e em má-fé, delata seu cliente ocasiona desconfiança sistêmica na advocacia”. O Tribunal de Ética de Disciplina da OAB de Goiás chegou a impedir Grande de exercer a profissão temporariamente.

“O caso da ‘máfia das falências’, que envolveu fraudes a diversas empresas, teve proporções muito maiores quando comparado com o ocorrido no aeroporto de Roma. A anulação integral da operação se deu justamente pela quebra do sigilo profissional”, diz Costa, que reforça a importância da prerrogativa.

Juristas divergem se, de fato, houve intenção criminosa do delegado

“É evidente que a conversa do investigado e seu advogado não deveria ter sido registrada pela Polícia em seu relatório. Isso viola prerrogativa da advocacia. Não há dúvida quanto a isso”, reafirma Rodrigo Chemim. Mas, para o especialista, “pela leitura do ofício da OAB ainda é muito cedo para afirmar qualquer coisa em termos de possível delito”. Segundo ele, seria necessário investigar se de fato houve dolo, ou seja, a consciência e a intenção de praticar o ato criminoso.

“Não há dúvidas que a conduta do delegado configura crime de violação de prerrogativa dos advogados, apoiada no artigo 7-B da Lei de Estatuto do Advogado. Esse é um tipo penal relativamente novo que foi inserido pela Lei de Abuso de Autoridade, sancionada em 2019”, contrapõe Costa.

O advogado explica que essa prerrogativa só pode ser violada em situações de suspeitas de envolvimento do profissional em práticas ilícitas. "O que não ocorreu neste caso", completa.

O Procurador-Geral da República, Paulo Gonet, ainda não se manifestou sobre o pedido feito pela OAB. Além disso, não há previsão de resposta do órgão, visto que não há a definição de um prazo formal para o retorno.

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