• Carregando...
Márcia teve o carro roubado há dois meses, em Londrina: assalto à mão armada | Gilberto Abelha/Jornal de Londrina
Márcia teve o carro roubado há dois meses, em Londrina: assalto à mão armada| Foto: Gilberto Abelha/Jornal de Londrina

Casos

Vítimas relatam trauma e sensação de impotência

Antoniele Luciano, correspondente

Ter o carro levado em um assalto na porta de casa e à luz do dia é algo que a professora Márcia (nome fictício) dificilmente vai esquecer. O roubo do Peugeot 206 da vítima ocorreu há pouco mais de dois meses, em Londrina, quando ela chegava para almoçar com a família. "Era meio-dia e eu estava entrando em casa quando um rapaz bem vestido, de óculos de grau e aparentando ter uns 35 anos se aproximou e mostrou que tinha uma arma na jaqueta", recorda.

O ladrão, relata Márcia, deu voz de assalto e repetiu ao menos cinco vezes que levaria o veículo, mas que o deixaria abandonado depois que saísse do bairro. Não foi isso o que aconteceu. "Quarenta e oito horas depois, a polícia informou que encontraram minha bolsa boiando no Lago Igapó, com todos os meus documentos, menos uma câmera digital e o celular. O carro mesmo desapareceu", diz.

Ousadia

O aposentado José, que também prefere preservar seu nome verdadeiro, não teve o veículo tomado de assalto, mas furtado. Recém-tirada da concessionária, a Chevrolet Montana dele estava estacionada em frente a uma delegacia de Londrina, na Avenida Santos Dumont, quando foi levada. "Eu me senti totalmente impotente com essa situação. Atravessei a rua e fiz o boletim de ocorrência. Como ninguém viu o furto, o alarme disparando? Os ladrões estão muito ousados", desabafa. O veículo não foi recuperado.

O número de veículos furtados ou roubados no interior do Paraná cresceu 32% no primeiro semestre deste ano. O movimento foi contrário ao registrado em Curitiba, que teve queda de 5,4% no mesmo período. Em todo o estado, o número de ocorrências aumentou 14,8% entre janeiro e julho de 2013. Em números absolutos, 11.492 veículos foram levados por bandidos, o equivalente a um carro a cada 22 minutos.

INFOGRÁFICO: Veja o número de roubos de veículos no Paraná

Divulgado pela Secretaria de Estado da Segurança Pú­blica (Sesp), o levantamento indica que a atenção das quadrilhas tem se voltado às pequenas e médias cidades. Os dados trazem, pela primeira vez, índices de cada uma das 21 microrregiões – chamadas de áreas integradas de segurança pública (Aisp). Como não há números regionalizados do mesmo período do ano passado, não é possível aferir a evolução dos índices em cada área. Ainda assim, os dados brutos dão um panorama geral do estado.

Curitiba – onde um carro foi tomado a cada hora – e região metropolitana respondem por metade dos casos. Outras regiões que têm frotas numerosas também apresentam números expressivos. Na Aisp de Londrina, em média, seis carros foram levados por dia no primeiro semestre deste ano. Na Aisp de Maringá foram 3,5 veículos por dia.

Atrativo

Para especialistas, o inte­rior atrai os ladrões por causa da falta de segurança. "Quan­do há muita repressão na capital, os bandidos tendem a se deslocar para o interior, onde as cidades são mais pacatas e com menos policiamento", explica o especialista em segurança pública e ex-comandante da Polícia Militar de São Paulo, coronel Rui César Melo.

O delegado da Polícia Fe­deral e coordenador do Núcleo de Estudos de Segurança da Universidade Tuiuti do Pa­raná, Algacir Mikalovski, afirma que o baixo efetivo policial dei­xa as pequenas e médias cidades mais vulneráveis. Atualmente, o Paraná tem 15,8 mil policiais militares. Um PM para cada 669 paranaenses, a segunda pior média do país. Em cidades com menos de 20 mil habitantes, apenas dois policiais trabalham por turno.

"O efetivo do Paraná está no patamar em que estava nos anos 1980. Seria preciso dobrar o número de policiais porque, com o efetivo atual, é impossível fazer um trabalho preventivo eficiente", diz o delegado.

Para Mikalovski, as estatísticas ressaltam a necessidade de se traçar, a partir dos dados levantados, um plano de segurança pública que integre todas as áreas, de acordo com suas especificidades. "O crime se fortalece onde a prevenção é fraca. Sem este plano, corre-se o risco de simplesmente transferir o problema para a cidade vizinha", avalia.

Comércio de peças alimenta esquema ilegal

Os furtos e roubos de veículos raramente ocorrem de forma pontual. Estão atrelados a uma estrutura criminosa organizada, que também se expande em direção ao interior do estado. O comércio ilegal de peças automotivas alimenta uma cadeia bem entrosada de furtos, desmanches e receptadores.

A articulação é semelhante à denunciada na Operação Vortex, que revelou a participação de policiais civis. Segundo a investigação, eles cobravam propina de lojistas para fazer vistas grossas à venda de peças roubadas.

"Via de regra, há um esquema pronto. O ladrão ganha R$ 1 mil ou R$ 2 mil por carro roubado. O veículo é destinado ao desmanche, que reparte as peças entre as lojas do esquema, que pagam os policiais para não coibirem a prática. É como uma máfia", explica o coronel Rui César Melo, especialista em segurança pública.

Para o delegado Algacir Mikalovski, as forças de segurança só vão conseguir reduzir os índices se houver combate à receptação e uma fiscalização intensa e isenta do mercado paralelo de peças automotivas. "É uma criminalidade sistêmica. Se não houver o destinatário final, não vai haver o delito. O sistema é sustentado pelo comércio de pessoas", diz.

Melo revela que o trabalho não deve se restringir à polícia, mas envolver prefeituras e Receita Estadual. O especialista defende "tolerância zero" ao comércio ilegal. "Deveria se proibir de uma vez esse comércio de peças em ferros-velhos. É preciso um trabalho forte para fechar os desmanches e uma atuação severa das corregedorias das polícias, porque os maus policiais é que mantêm o sistema operando."

Planejamento

Pouco mais de um mês à frente da Divisão Policial do Interior (DPI), o delegado Rogério Antônio Lopes aposta em uma maior integração com as forças policiais e na aproximação com a comunidade para reduzir os índices de furtos e roubo de veículos. "No interior, temos uma parceria muito boa com a PM e com as guardas municipais. Além disso, precisamos continuar próximos da população, porque nas pequenas cidades existe uma facilidade, já que os locais são menores e as pessoas têm uma consciência comunicativa maior", disse.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]