Após dois reajustes tarifários em seis meses, a conta de água e esgoto pode subir de novo para os consumidores da capital paulista. A Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) quer repassar para a fatura dos clientes paulistanos o encargo de 7,5% da receita bruta obtida na cidade que é obrigada a depositar no Fundo Municipal de Saneamento Ambiental e Infraestrutura para execução de obras.

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“A situação da água só piorou”, diz moradora da zona norte de São Paulo

Moradores da capital paulista que há mais de um ano sofrem com o racionamento de água feito pela Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) por meio da redução da pressão e do fechamento manual da rede dizem que um novo aumento na conta seria um “absurdo”.

“A água em casa acaba às 14 horas e só volta às 6 horas. Antes, ainda tinha fim de semana que liberavam a água o dia inteiro, mas nem lembro mais a última vez que isso aconteceu. A situação só piorou, enquanto eles vão aumentando a conta”, diz a assistente de produção Raquel de Morais Amendoeira, de 32 anos, que mora no bairro do Limão, na zona norte, abastecida pelo Sistema Cantareira.

Ela conta que, como mora sozinha e sempre pagou a tarifa mínima - porque consume pouca água -, nem percebe o efeito do desconto dado pela Sabesp para quem economiza em meio à sucessão de reajustes tarifários. “O prejuízo é deles, foi provocado por eles, e estão passando para a gente”, reclama.

Para o mecânico Jhonatan Wengler de Oliveira, de 24 anos, que mora em São Mateus, zona leste paulistana, e fica sem água das 17 horas às 9 horas todos os dias, aumentar ainda mais a tarifa seria “um abuso”.

“Isso é uma vergonha. Se represas se recuperarem e a situação voltar ao normal, eles não vão baixar a tarifa. Onde isso vai parar? Daqui a pouco não teremos dinheiro para pagar a água da rua”, critica. O local onde ele mora e trabalha é abastecido pelo Sistema Alto Tietê, que também está com nível crítico.

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O repasse para os consumidores foi autorizado em março de 2013 pela Agência Reguladora de Saneamento e Energia de São Paulo (Arsesp), que fiscaliza os serviços da Sabesp, mas foi suspenso no mês seguinte a pedido do governo Geraldo Alckmin (PSDB), com o argumento de que estudaria “métodos de redução nos impactos aos consumidores”.

Em abril do ano passado, quando a Arsesp autorizou um reajuste de 5,4% na tarifa cobrada pela Sabesp em todo o estado, o governo Alckmin e a gestão Fernando Haddad (PT) pediram que o órgão mantivesse a suspensão da medida até a conclusão da revisão do contrato entre a prefeitura e a companhia, que deve ocorrer em dois meses, segundo a administração municipal.

À época, parte dos 11 milhões de moradores da capital já enfrentava racionamento de água feito pela Sabesp por meio da redução da pressão e do fechamento manual da rede em razão da crise do Sistema Cantareira. A companhia decidiu, então, aplicar o aumento “em data oportuna”. O reajuste entrou em vigor no fim de dezembro do ano passado, dois meses após a reeleição de Alckmin.

Disputa

A revisão do contrato da Sabesp com a prefeitura, assinado em junho de 2010 e que prevê a concessão dos serviços de saneamento na capital à companhia por 30 anos, deveria ter ocorrido em junho do ano passado, mas foi adiada por causa da crise hídrica, segundo o diretor econômico-financeiro da Sabesp, Rui Affonso. “No meio da ‘tempestade’ do ano passado, município e Sabesp julgaram oportuno não começar naquele momento a discussão do contrato”, disse.

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De acordo com o dirigente da estatal, o repasse dos 7,5% do encargo para os consumidores está previsto no contrato, versão contestada pela gestão Haddad. Segundo um integrante da administração municipal que acompanha a revisão, o valor é uma espécie de outorga paga pela concessão dos serviços e não pode ser repassado para os clientes da companhia. Em 2014, a capital respondeu por 49,4% da receita total da Sabesp, que foi de R$ 11,8 bilhões.

A reportagem questionou a Sabesp durante dois dias sobre como seria feito o repasse de 7,5% do encargo para o consumidores da capital e qual cláusula contratual prevê essa medida, mas não obteve resposta. Na quarta-feira à noite, a assessoria de imprensa da companhia informou que “não tem nada a dizer sobre o assunto”.

Os questionamentos também foram encaminhados à Arsesp, que autorizou o repasse. Em nota, a agência informou que, por causa da “posse dos novos diretores”, não conseguiria responder à demanda ontem. Segundo um secretário municipal, que não quis gravar entrevista, a Prefeitura é contra a medida e vai tentar vetá-la.

A gestão Haddad é a responsável pelo Fundo Municipal de Saneamento, que foi criado em 2009 e é financiado com o repasse obrigatório da Sabesp. A prefeitura aplica os recursos em obras de urbanização de favelas, principalmente em áreas de mananciais, como ao redor das Represas Billings e do Guarapiranga, de onde a Sabesp capta parte da água que abastece a capital e a Grande São Paulo.

Terceiro
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O possível aumento de até 7,5% na tarifa de água da capital seria o terceiro reajuste desde dezembro de 2014, quando a conta de água aumentou 6,5%. Em junho, a pedido da Sabesp, a Arsesp autorizou um aumento extraordinário, de 15,2%, por causa das perdas financeiras registradas pela estatal em razão da crise hídrica. A Sabesp, contudo, queria um aumento de 22,7%. Com o reajuste menor, a companhia anunciou corte superior a 50% nos investimentos em esgoto no Estado. Em 2014, o lucro da companhia caiu R$ 1 bilhão em relação a 2013.

O reajuste na conta é questionado na Justiça pela Associação de Consumidores Proteste. “Tivemos um reajuste extraordinário altíssimo em junho. Um novo aumento é um absurdo, inaceitável, inimaginável para quem já está ficando sem água. Penaliza duas vezes o consumidor”, disse Maria Inês Dolci, coordenadora da Proteste.