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Até a década de 50 a região de Guarapuava possuía uma agricultura rudimentar. Sua principal atividade econômica era formada por indústrias madeireiras que buscavam as fartas florestas de pinos e araucárias do planalto. No campo, estepes com gramíneas duras e resistentes denunciavam um solo fraco, motivo do fracasso dos primeiros imigrantes no cultivo das terras até então. Entretanto, os "campos limpos" eram adequados à mecanização e estavam localizados numa altitude superior a mil metros, fornecendo um clima ameno e de estações bem definidas, que foi decisivo para a instalação planejada dos imigrantes suábios no distrito de Entre Rios.

Localizado a 25 quilômetros ao sul de Guarapuava, próximo aos rios Jordão e Pinhão, Entre Rios é praticamente uma viagem pelo interior da Europa. Seus habitantes mantêm a tradição germânica cultivando hábitos e costumes de origem, encontrados na gastronomia e arquitetura do distrito. Os suábios do Danúbio constituem um grupo de etnia alemã, provenientes da margem esquerda do Médio Danúbio, que abrange as regiões da antiga Iugoslávia, Romênia e Hungria. São fugitivos da Segunda Guerra Mundial, onde muitos marcharam rumo ao Ocidente, se refugiando na Alemanha e na Áustria. Com o auxílio da Ajuda Suíça para a Europa (Swissaid) e dos governos do Brasil e do Paraná, foram adquiridos 22 mil hectares de terra em Entre Rios para abrigar 500 famílias vindas da Áustria, no ano de 1951. Pouco antes da chegada dos primeiros colonos ao Brasil, havia sido fundada a Cooperativa Agrária, para dar suporte ao assentamento.

Em Entre Rios, tudo gira em torno da cooperativa. Sob orientação da Agrária, os colonos foram assentados em cinco colônias dentro do distrito: Samambaia, Jordãozinho, Vitória, Cachoeira e Socorro. Além de oferecer a infra-estrutura técnica como máquinas, silos, comercialização de produtos e aquisição de insumos para os associados, a Agrária ainda construiu as primeiras casas, escolas, hospital e estradas da região. Durante todo esse tempo, a preservação das tradições e da cultura dos ancestrais foi essencial para o cultivo do espírito empreendedor dos suábios. Até hoje, muitos aspectos da vida comunitária das famílias dos associados permanecem ligados à Cooperativa Agrária. "Cerca de 95% dos cooperados são suábios", conta Manoel Godoy, assessor de comunicação da empresa. No campo, os imigrantes se destacam na produção de cevada e na administração da Agromalte, subsidiária da Agrária. "O complexo industrial é uma das mais importantes maltarias do continente. Vendemos o malte para mais de 80 cervejarias, entre elas, as maiores do país", explica Godoy.

Diante da qualidade do malte e da tradição alemã consumidora de cerveja, Entre Rios não poderia deixar de ser sede de uma cervejaria artesanal. Na Colônia Cachoeira, o biólogo Harry Reinerth, de 32 anos, já pensa em construir um bar anexo à linha de produção da sua choperia Donau Bier. "O bar será dentro da fábrica mesmo, na parte superior, isolado através de vidros, onde o consumidor poderá acompanhar todo o processo da feitura da cerveja". A cervejaria existe apenas há um ano e meio, quando Harry resolveu fugir do trabalho na agricultura e chamou um experiente mestre cervejeiro para criar a fórmula ideal. Fermentado com ingredientes de qualidade, Donau Bier é um chope delicioso, de sabor encorpado e incrivelmente leve. "Importo o lúpulo da Alemanha e o fermento da Croácia. O malte é da Cooperativa Agrária mesmo", conta o biólogo. Descendente de suábios, Harry tem o apoio de seu pai, Yohann, e a provação do avô Johann, de 84 anos. A história da família Reinerth representa bem a saga dos suábios após a Segunda Guerra. Johann nasceu na Iugoslávia, lutou no front armado com metralhadora e foi alvo de três tiros de raspão. Quando a Alemanha perdeu a guerra, ficou preso por dois anos num campo de concentração russo. Nesse tempo nasceu Yohann, registrado sem o nome do pai, considerado morto e desaparecido. Mais tarde Johann conseguiu fugir da Rússia, dando sinal de vida para a família e partindo para Brasil. "Aqui construímos a cooperativa, pois precisávamos nos unir para sobreviver", lembra o velho Reinerth.

Curucaca

A região de Entre Rios não guarda apenas histórias de uma colonização difícil. Isolado longe das colônias, no meio de extensas plantações de milho e soja, o Salto Curucaca é uma atração praticamente inacessível. Por estar dentro de uma área particular, é necessário pedir uma complicada autorização na indústria de papel e madeira Santa Maria, proprietária do local. A sede fica a 30 quilômetros de distância, por estrada de chão, fazendo muito visitante desistir da idéia. "Antigamente recebíamos muitos grupos de escolas e faculdades. Agora com o processo de ampliação da capacidade hidrelétrica da represa, a Santa Maria não está autorizando mais ninguém a entrar", conta Renato Tozzeto Machado, técnico de segurança da empresa.

No local, o Rio Jordão foi represado para a construção de uma pequena usina hidrelétrica que fornece energia para a fábrica. Isso modificou a paisagem original do lugar, além da cachoeira estar encravada no meio da intensiva lavoura, carregada de agrotóxicos. Mesmo assim, o deslumbrante salto possui uma configuração única. No meio dos campos, surge uma queda de 62 metros de altura e quase 100 de largura. Um espetáculo da natureza, que deveria ser acessível a todos, sem passar por tantas burocracias. O Curucaca, patrimônio público dos paranaenses, está privatizado e ameaçado. Para os sábios suábios "a terra foi conquistada não com a espada, mas sim com o arado; por filhos da paz e do trabalho".

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