• Carregando...
 | Mauricio Lima/ AFP
| Foto: Mauricio Lima/ AFP

Segurança

Mauri König

A cidade de São Paulo reduziu em 70% os homicídios dolosos num intervalo de dez anos. A taxa de assassinatos, que era de 35 casos a cada grupo de 100 mil habitantes, caiu para 11 entre 1999 e 2008. A maioria absoluta dessas mortes se dá por arma de fogo. Já em Curitiba houve aumento no índice dessas mortes no mesmo período, conforme estudo da Confedera­ção Nacional dos Municípios (CNM). O total saltou de 18,3 assassinatos a cada 100 mil habitantes para 47,3.

A Gazeta do Povo solicitou às secretarias de Segurança Pública (Sesp) dos dois estados a descrição das ações realizadas para combater os homicídios. Na capital paulista, a Sesp concentrou o trabalho em três frentes: tirar armas ilegais de circulação; tolerância zero para a criminalidade (o que entre 1995 e 2010 elevou a população carcerária de 55 mil para 165 mil pessoas); e gestão policial, tirando do setor administrativo e pondo na rua a maior parte dos 94 mil policiais militares e 36 policiais civis e científicos.

Em Curitiba, a Sesp investiu na Operação Cidade Segura, com equipes da Delegacia de Homicídios fazendo rondas preventivas, abordagens em bairros com mais ocorrências, policiamento intensivo nas ruas e a presença de um delegado na cena do crime.

Para fazer a comparação é preciso considerar as diferenças entre os estados, pondera a promotora de Justiça Luciana Linero. Enquanto São Paulo convive há anos com ações do crime organizado, o Paraná tinha até há pouco uma criminalidade menos letal. Até duas décadas atrás, por exemplo, o Paraná não tinha comando do crime organizado, São Paulo tinha.

O perfil do crime em cada cidade ajudaria a explicar a taxa de homicídios. O tráfico de drogas é responsável por grande parte dos homicídios, e enquanto em São Paulo o monopólio é de uma única facção criminosa – o que contribui para a redução dos confrontos armados e, consequentemente, para uma redução de mortes –, em Curi­­tiba várias facções pequenas disputam nas periferias o controle de pontos de venda de en­­­tor­­­pecentes, o que resulta em mais confrontos e mortes. Isso explicaria parte do problema.

O coordenador de Análise e Planejamento da Sesp de São Paulo, Túlio Khan, atribui a retração dos homicídios em parte à mudança na gestão da segurança e à diminuição de armas de fogo. Em 1999, o estado adotou um sistema de mapeamento criminal (o Infocrim), o que teria permitido maior controle dos locais mais vulneráveis. Para Khan, o controle mais rigoroso sobre armas de fogo também foi fundamental.

Moradia

Déficit habitacional e ocupação irregular. Dois problemas próprios de qualquer cidade com mais de 1 milhão de habitantes, segundo urbanistas. No Brasil são cerca de 30 cidades des­­se porte. Ao olhar para o caos de São Paulo – são 1.565 favelas, 1.152 loteamentos irregulares e 1.885 cortiços –, a problemática cu­­ritibana pode parecer pequena, mas não é. Somam, hoje, na capital paranaense 207.754 pessoas vi­­vendo em 254 ocupações irregulares, em um total de 9,8 quilômetros quadrados – em São Paulo só as favelas ocupam 24 quilômetros quadrados. Além das famílias em situação irregular, são 65 mil pessoas inscritas nos programas da Cohab Curitiba, à espera de moradia.

Leia a matéria completa

  • Trecho urbano da BR-476: Para motoristas e pedestres, trânsito não apresentou grandes mudanças

Com 11 milhões de habitantes, São Paulo é a maior cidade do país e vive problemas urbanos em escalas gigantescas. Curitiba, por sua vez, tem 1,8 milhão de moradores e um desafio, aparentemente, maior que o da metrópole paulista: será que a capital paranaense consegue manter seu elogiado modelo de planejamento ao mesmo tempo em que caminha para se tornar uma megacidade? A concentração da população nos espaços urbanos é uma tendência mundial e, mais cedo ou mais tarde, Curitiba chegará perto do modelo de São Paulo. A partir da análise de aspectos como mobilidade, habitação, segurança, vida cultural e meio ambiente, uma comparação da capital paranaense com a paulista permite avaliar se Curitiba está ou não no caminho certo

* * * * * * *Berço do biarticulado ou bus rapid transit (BRT) – ônibus de alta capacidade, com vias separadas e pagamento antecipado –, Curitiba é também a capital mais motorizada do país, com uma frota de 1,2 milhão de carros para 1,8 mi­­lhão de habitantes. A cidade-modelo em transporte coletivo curva-se diante do crescimento populacional e de veículos e, embora o volume ainda fique abaixo do de São Paulo (6,8 milhões de veículos, de acordo com dados de junho deste ano, do Detran-SP), a imagem caótica do trânsito paulista não parece mais tão distante.

O professor do mestrado em Gestão Urbana da Pon­­tifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), Fábio Duarte, aponta três erros de São Paulo que Curitiba vem repetindo: a criação de áreas com forte presença de transporte público, porém elitizadas; a "dilatação" dos horários de pico; e a insegurança nos ônibus.

Segundo ele, a grande oferta de transporte público no bairro Juvevê ocorreu de modo natural, pois não se podia prever o número de carros por família há 20 anos. "Mas o mesmo vem ocorrendo no Ecoville (que abrange par­­tes dos bairros Campina do Siqueira, Campo Comprido e Mossunguê), região criada pelo planejamento da prefeitura, junto a uma (via) estrutural, onde fica claro que a prefeitura deixa que se adense com edifícios de alto padrão uma área onde deveria morar quem usa o transporte público."

Para ele, o pior não é ver em quais aspectos Curitiba está degringolando, mas que São Paulo está avançando em áreas em que a capital paranaense era imbatível, como o transporte público. Ele cita alguns pontos que "por alguma razão esotérica" não vão para frente por aqui: integração das linhas por tempo; integração intermodal (ônibus, metrô e trens); e cooperação entre o uso da bicicleta e de outros transportes (há dezenas de estações com bicicletários). "Em São Paulo, um bilhete vale por duas horas. Pode-se mudar de ônibus quantas vezes forem necessárias nesse tempo. Já em Curitiba é preciso ir até um terminal e há casos em que uma linha para ao lado da outra, mas é preciso pagar passagem, como a Praça Rui Barbosa, que não é um terminal, mas uma coincidência geográfica de paradas de ônibus."

Para a arquiteta curitibana e recente moradora de São Paulo Hellen Miranda comparar as duas capitais é um exercício diário. "Minhas caminhadas ao trabalho me levam a refletir sobre o que teria levado São Paulo a tornar-se esse monstro tão amargo com seus cidadãos. Mas penso muito também em como Curitiba pode manter-se longe desse modelo. Curitiba é a cidade mais motorizada do Brasil e os curitibanos deveriam se envergonhar disso." Ela está finalizando um mestrado na Universidade São Paulo (USP) sobre mobilidade. Para o estudo, ela usa um método de cálculo desenvolvido por outra aluna do seu professor orientador, chamado IMUS (Índice de Mobilidade Sustentável). Como o trabalho ainda não foi publicado, ela não revela como é feito o cálculo. Adianta, porém, alguns resultados. O pior desempenho de Curitiba, segundo Hellen, é em relação aos mo­­­dos não motorizados de transporte. "A cidade carece de um sistema eficiente de ciclovias e também precisa melhorar e ampliar suas calçadas."

Hellen explica que há muitas propostas para desestimular as pessoas a usarem o carro, mas que é difícil obter resultados em um país que vive a cultura do automóvel. Uma das ideias é limitar a circulação de veículos particulares nas áreas centrais, investindo em estacionamentos periféricos e no transporte público em tais áreas. "A verdade é que qualquer investimento do município para levar as pessoas a trocarem o carro pelo ônibus perde sua validade se o usuário não fizer a sua parte, pois ele é quem toma a decisão final."

Meio Ambiente

Com mais área verde por habitante do que São Paulo – 49 metros quadrados contra 5 ou 6 da capital paulista –, Curitiba mantém o status de Cidade Eco­­lógica. O conceito está ligado ao planejamento urbano e à campanha Lixo que não é Lixo, que fará 21 anos em outubro. A visão de concreto dos bairros centrais de São Paulo está longe da paisagem curitibana. As duas cidades, porém, possuem um grande passivo com seus rios.

Os constantes alagamentos de São Paulo, segundo os especialistas, são consequência da canalização dos rios. A construção de imensos piscinões não está vencendo a vazão de dias de chuva forte e só agora a prefeitura da capital paulista volta-se para um caminho mais natural, de recuperação.

Ainda na década de 1970, ao perceber que tinha a maior parte de suas bacias preservadas, Curitiba lançou o Plano de Pre­­ser­­vação de Fundos de Vale, criando parques, como o Barigui, com essa função e também a de contenção de enchentes. Ao mesmo tempo, desde 2006 não se canalizam mais rios por aqui. Ainda assim, boa parte deles sofre com falhas na ligação do esgoto e a ocupação irregular de suas margens. A Sanepar tem concentrado seus esforços de saneamento nas bacias dos rios Passaúna, Belém, Atuba e Iguaçu, e a Cohab Curitiba faz algo semelhante desde 2007, trabalhando na relocação de famílias de 12 mil domicílios instalados nas margens de rios da cidade (30% do trabalho teria sido feito).

Para o professor de Enge­­nharia Ambiental e do mestrado em Gestão Urbana da Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Carlos Mello Garcias, Curitiba deve ir além e descanalizar os rios. "Não é um trabalho rápido ou simples, mas adoraria ver a elaboração de um plano, mesmo que levasse dez anos."

O engenheiro civil e professor do doutorado em Engenharia Ambiental da UFPR, Cristovão Vi­­cente Fernandes, acredita que a Curitiba tem projetos promissores, como o Viva Barigui, de revitalização do rio, e bons instrumentos de gestão hídrica, mas precisa de uma atuação mais prática. Exemplo? Convencer o morador a ligar seu esgoto na rede coletora e oferecer benefício fiscal aquele que acumula água da chuva em casa para uso não potável.

* * * * *

Interatividade

Em que outros aspectos Curitiba está similar a São Paulo?

Escreva para leitor@gazetadopovo.com.br

As cartas selecionadas serão publicadas na Coluna do Leitor.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]