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A aposentada Maria Bueno, de 73 anos, com a cachorrinha Peka. A idosa construiu sozinha o barraco, com lona e portas descartadas | Marcelo Andrade/Gazeta do Povo
A aposentada Maria Bueno, de 73 anos, com a cachorrinha Peka. A idosa construiu sozinha o barraco, com lona e portas descartadas| Foto: Marcelo Andrade/Gazeta do Povo

Carência

Maioria dos invasores pagava entre R$ 500 e R$ 800 de aluguel

O perfil dos ocupantes do Jardim Maravilha é diverso. Vai de jovens casais, ávidos por começar a vida, a pessoas de mais idade, que vivem da aposentadoria. Têm, no entanto, o desejo comum de fugir do aluguel. A maioria paga entre R$ 500 a R$ 800 para morar em casas alugtadas. Um dinheiro que tem feito falta no fim do mês. "Se eu for pagar aluguel, eu vou tirar da boca dos meus filhos", resume o aposentado João Maria de Souza, de 67 anos, pai de três filhos e cuja companheira está grávida. "Se não der certo aqui, vou ter que ir pra debaixo de uma ponte."

Quem não paga aluguel mora de favor e alega não ter condições de conseguir um lugar digno para viver. É o caso de Rosimar Zacarias Ferreira, 26 anos, mãe de quatro filhos. Antes de migrar para a ocupação, estava na casa da ex-sogra. "Além dos adultos, eram 11 crianças em uma casa só. Um aperto. Ter um lugarzinho pra morar é um sonho", diz.

Até obter a posse, Rosimar permanece no barraco sem assoalho. Nos dias de tempestade, dormiu no colchão encharcado. "Na hora do chuvão, deu medo. Mas o esforço vale a pena. Vamos lutar por isso aqui."

  • O terreno, ocupado desde 12 de setembro, pertence ao governo do estado
  • Guilherme Henrique Mello Pereira e Graziela Alves Prestes com os filhos Kamille e Kauan
  • Construção de casebres avançam, ao lado de prédios luxuosos do Ecoville
  • Ocupação reúne muitos casais jovens, a maioria dos quais tem filhos
  • Primos que vieram do sertão de Minas Gerais lidam na construção do barraco onde vão morar
  • O aposentado João Maria de Souza, de 67 anos, migrou para a ocupação porque não pode pagar aluguel
  • Cão perambula pelo terreno, enquanto morador prossegue erguendo mais uma moradia improvisada
  • Noel Machado de Souza, 32 anos, e a companheira, Ariane dos Santos, 15 anos. A menina está grávida do primeiro filho do casal
  • Rosimar Zacarias Ferreira, 26 anos, tem quatro filhos. Sonha trazê-los para a ocupação
  • Lona usada em campanha política servirá de material para construir barraco. Ao fundo, a Universidade Positivo
  • Aos 16 anos, Thaís Camila ocupa um dos lotes, com o marido de 21, anos
  • O Jardim Maravilha já soma sete dezenas de casebres improvisados
  • A casa de Prynces Sandder tem até uma pequena varanda, onde o rapaz gosta de ficar nos fins de tarde
  • João Maria de Souza, em frente ao seu barraco

Os 76 barracos se espalham pelo terreno de 12 mil metros quadrados, que pertence ao governo do estado. Em pleno Ecoville, uma das áreas mais nobres de Curitiba, as habitações improvisadas destoam dos imponentes arranha-céus e das duas universidades vizinhas. Os casebres de madeira e lona foram erguidos às pressas pelas 76 famílias que, desde o dia 12 de setembro, ocupam o imóvel. Elas querem se fixar ali por um motivo em comum: alegam não ter condições de pagar aluguel das casas onde viviam.

SLIDESHOW: Confira as fotos da ocupação no Ecoville

Em menos de um mês, a mais recente das cerca de 250 ocupações irregulares de Curitiba já se organiza como uma pequena vila. Cordas de varal amarradas a estacas demarcam os lotes de cada família. O nome escolhido para batizar a comunidade – Jardim Maravilha – traduz a esperança de seus moradores de conquistar um pedaço de chão.

"O terreno estava vazio e tanta gente precisando morar. Ninguém ‘tá aqui por interesse. Tá porque precisa’", sintetiza Ednéia Gomes da Paz, de 38 anos, uma das líderes da ocupação. "Nos primeiros dias foi muito sofrido. Enfrentamos chuva, vento. Mas tem que sofrer pra dar valor", completa.

Segundo os próprios moradores, o início da migração ocorreu sem organização, de forma quase espontânea. Moradores do Jardim Gabineto, na CIC, e de uma ocupação vizinha estavam de olho na área. Bastou que a primeira família fincasse estacas no imóvel para que as outras fossem atrás. As tendas de lona dos primeiros dias já deram lugar a barracos de madeira, mais resistentes. Durante o dia, famílias ainda lidam com ferramentas em mãos, melhorando as instalações.

"Apesar da chuvarada, aqui não entrou um pingo de água", orgulha-se a aposentada Maria Bueno, de 73 anos, que, sozinha construiu um barraco de lona azul. Ali, ela vive com o marido de 79 anos – que suspeita estar com câncer – e com a cachorrinha vira-lata Peka.

Por enquanto, não há água encanada ou luz elétrica no Jardim Maravilha. Quando precisam usar o banheiro, os moradores recorrem a vizinhos da ocupação próxima ou vão para a casa de familiares. No fim de semana, planejam um mutirão para improvisar um banheiro comunitário. Por causa da falta de estrutura, as crianças até podem ficar na ocupação durante o dia, mas estão proibidas de passar a noite nos barracos.

Sem as crianças, a comunidade conta com cerca de 140 adultos. Quando os filhos vierem, os líderes estimam que o Jardim Maravilha vá somar mais de 400 moradores. Por enquanto, o único cadastro consta de um caderno, no qual as lideranças anotaram o nome, RG e o número de filhos do responsável por cada lote. Apesar de ter visitado a ocupação, a Companhia de Habitação do Paraná (Cohapar) não fez o cadastramento dos moradores.

Cohapar

Permanência pode gerar reintegração de posse

Uma equipe da Cohapar esteve na ocupação Jardim Maravilha em 15 de setembro, três dias após as famílias se fixarem no lugar. Segundo nota da companhia, a visita ocorreu com o objetivo de conscientizar as pessoas "acerca da irregularidade da invasão e a negociação para uma remoção amigável das famílias". Segundo a Cohapar, a permanência dos ocupantes pode implicar em um pedido de reintegração de posse. O terreno pertence ao governo do estado. O imóvel chegou a ficar cedido por alguns anos ao Instituto dos Cegos, que o devolveu ao estado.

A companhia informou que planejava pedir a área ao governo e à Assembleia Legislativa para iniciar um estudo de viabilidade técnica para a regularização fundiária e reassentamento de famílias que hoje vivem em áreas de risco. A Cohapar não cadastrou os moradores da ocupação porque ainda não tem a posse do imóvel. E ressalta que a ocupação pode "prejudicar o processo de regularização dos terrenos, que seria feito justamente para o atendimento das famílias invasoras e de outras famílias da região".

Migração

Retirantes do Nordeste também integram a ocupação em Curitiba

O Jardim Maravilha também já acolheu retirantes de outros estados. Pessoas que, há alguns anos, migraram para Curitiba em busca de uma vida melhor. Os últimos lotes da ocupação abrigam os operários José Nildomar Nicolau de Souza, de 29 anos, e Gleisson Ferreira da Silva, de 25 anos. O primeiro veio de Ceará, enquanto o outro é piauiense. Mantêm a mesma fala com sotaque arrastado. "Para nós, eles são os ‘paraíbas’. É difícil saber de onde são", brinca Ednéia da Paz.

O cearense Souza tem um filho e a mulher está grávida do segundo rebento. Planeja trazê-los para morar no local e investir em um barraco melhor. Também casado, o piauiense Silva construiu o casebre em dois dias. Caprichoso, orgulha-se da habitação, erguida com o esmero de um profissional. Sente falta do sertão, mas não pensa em voltar para lá. "Apesar de tudo, minha vida é melhor aqui. Queria ter condições de ficar", diz.

Perto dali, dois primos – Aélcio Ribeiro Souza, de 36 anos, e Gilberto Ribeiro Lopes, de 21 anos – dão duro para levantar dois sólidos barracos. Provêm da pequena cidade de Divisa Alegre, no sertão de Minas Gerais. Também viram o orçamento familiar estrangulado pelo aluguel e conseguiram um lugar na ocupação. "A gente não quer nada de graça. Só quer que o governo faça a parte dele e garanta moradia que a gente possa pagar", pontua Aélcio Souza.

Ocupação avança no Ecoville

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