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O engenheiro florestal Edson Struminski, 43 anos, tem um currículo a peso de ouro. Mestre em Conservação da Natureza e doutor em Meio Ambiente e Desenvolvimento pela UFPR, é pesquisador requisitado por governos e prefeituras dos quatro cantos do estado. Com uma folha de serviços bem-fornida, poderia prestar assessorias e trancar-se num gabinete. Mas não. O incansável Du Bois (diz-se "Diboá", "de madeira", em francês), seu nome de guerra entre os montanhistas e pelo qual se tornou conhecido, botou a cabeça de fora e não vai sossegar enquanto não assistir à implantação do Parque Estadual da Serra da Baitaca – nos municípios de Quatro Barras e Piraquara – a 30 quilômetros de Curitiba.

Para tanto, o cientista já calçou a bota de escalada, uma camiseta puída e não esquece o chapéu-de-catar-ovo, traje de gala para percorrer as trilhas que levam aos morros do Anhangava e Pão-de-Ló, para citar dois dos pelo menos dez atrativos que o parque poderia oferecer com segurança aos cerca de mil visitantes que recebe a cada mês. Poderia. O parque de pouco mais de 3 mil hectares foi criado há quatro anos pelo ex-governador Jaime Lerner, mas ficou no ponto-morto. Não tem regulamentação, plano de manejo e as famílias com propriedades na área não foram indenizadas, acenando para uma longa briga judicial. "Foi uma atitude sensível. Mas virou um marketing ecológico", diz o pesquisador. Com tantos senões e o tempo que não pára, o projeto está apresentando a conta.

A situação é grave. No local, a floresta de araucária se encontra com a Mata Atlântica. Ali também nascem rios que abastecem a Represa do Capivari e as barragens do Iraí, Piraquara I e a anunciada Piraquara II. Mas esse santuário está à mercê do avanço das periferias, de incêndios, violência contra montanhistas e de acidentes ecológicos no Contorno Leste, desvio da BR-116 que hoje faz parte da paisagem. Com perigo à vista, acabou virando assunto da hora não só nas duas cidades com interesse direto na sua criação, mas também entre ONGs ligadas ao meio ambiente e os montanhistas – herdeiros de uma tradição que remonta 60 anos no Paraná: escalar os 1.420 metros do Anhangava.

Num feito inédito, três organizações criaram o movimento SOS Baitaca, cujo poder de mobilização não pode ser entendido como mais um rompante romântico dos ecologistas. Botar o bloco na rua é comum nesses casos. Formar uma cooperativa de interessados – incluindo dez empresas de médio e pequeno porte da iniciativa privada – não. Liderados pela Associação de Pesquisas Caiguava, cabeça do projeto, há pouco mais de um mês os pró-parque foram ainda mais longe: contrataram Du Bois para mapear a área. O resultado será apresentado à sociedade civil e ao poder público até janeiro de 2007, num grande seminário. Os custos são modestos, R$ 2 mil por mês, mas o resultado da iniciativa deve provocar abalos sísmicos na Serra do Mar.

A contar pela habilidade comprovada do pesquisador, seu estudo terá o sabor de um bilhete premiado. Além do detalhamento de flora, fauna, recursos hídricos e culturais – como o Caminho do Itupava –, é provável que se tenha em tempo recorde um diagnóstico sobre o que levou a implantação do parque a ser um dos assuntos mais enrolados da paróquia. Os recursos para a criação do Baitaca deveriam ter vindo do governo federal, como uma forma de compensação ecológica pela construção do Contorno Leste, no final da década de 90. Parecia simples, mas há meia dúzia de versões para a demora de quatro anos e o perigo de que o decreto vença antes do repasse acontecer. "É biodegradável. Depois de cinco anos essa lei vence", alerta o cientista. (leia matéria página 6)

Não é a única pergunta sem resposta. A outra é o que fazer com o sem-número de pedreiras abandonadas no entorno do que seria o parque. A área – incluindo a que deve ser preservada – é rica em granito e tem estimadas 20 e tantas minas. Trata-se de uma economia tradicional, arriscada quando deixa de ser monitorada, já que usa explosivos e pode causar rachaduras e infiltração no lençol freático. Afinada com políticas ambientais é bem-vinda. Já abrir e fechar lavras sem um projeto de reposição de solo é um crime, pois gera erosão e afeta a água.

Como água virou palavra-chave, o SOS Baitaca não deve ficar na calmaria mesmo que queira. Nem que chova três dias sem parar a população não vai esquecer tão cedo a torneira seca e a imagem desoladora da Barragem do Iraí, ao pé da serra, parecendo uma poça de água. A experiência traumática – digna de sair cavando açude por aí – pelo menos serviu para firmar a urgência das reservas ecológicas no entorno de Curitiba, protegendo os mananciais nem que seja na marra. O Parque da Baitaca é uma dessas áreas de sobrevivência na selva. Montanhistas, ecologistas e cientistas como Du Bois sabem disso de longa data. Eles vêem tudo lá de cima. E agora nos mandam sinais de fumaça.

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