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“O pessoal quer fazer calçamento, quer melhorar, mas às vezes isso prejudica. Na última enxurrada, a rua virou um rio, e forte.”
João Batista, 85 anos, cuja casa foi invadida pela água durante a última inundação, em abril deste ano. Ele perdeu geladeira, cama e fogão, entre outros móveis e eletrônicos | Marcelo Elias/Gazeta do Povo
“O pessoal quer fazer calçamento, quer melhorar, mas às vezes isso prejudica. Na última enxurrada, a rua virou um rio, e forte.” João Batista, 85 anos, cuja casa foi invadida pela água durante a última inundação, em abril deste ano. Ele perdeu geladeira, cama e fogão, entre outros móveis e eletrônicos| Foto: Marcelo Elias/Gazeta do Povo

INICIATIVA

Capital terá plano de drenagem

Recentemente, a prefeitura de Curitiba lançou um edital para contratar a empresa que vai elaborar o Plano Diretor de Drenagem (PDD) do município. O estudo, orçado em quase R$ 3 milhões, deve ser concluído em 18 meses e vai fixar diretrizes urbanas e ambientais para tentar conter as cheias na cidade, incluindo projetos e ações para conter as inundações.

Atualmente, a base de dados em relação à drenagem urbana no município está defasada, como admite o arquiteto e supervisor de planejamento do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba (IPPUC), Ricardo Bindo.

"A tendência geral das cidades, conforme cresce a ocupação, é ir impermeabilizando mais. Por mais que você mantenha as áreas de preservação permanente, parte dos sistemas de drenagem fica comprometida. Em princípio, o sistema de Curitiba tem funcionado bem. Não que não tenha problemas", explica.

Para tentar atenuar o impacto do excesso de água na macrodrenagem urbana (canaletas, bueiros, galerias, sarjetas), a cidade obriga os novos lotes a manterem 25% da área permeável. Porém, após a liberação do alvará, muitos proprietários não respeitam a regra e a fiscalização, salvo em casos de denúncia, não ocorre, segundo Bindo. O arquiteto revela que a prefeitura tem estudos para a construção de tanques de captação de água da chuva, porém o custo é muito elevado. "Vale mais a pena melhorar a calha natural do rio que fazer esse investimento", observa.

  • Entenda como é feito o cálculo relacionado a impermeabilização do solo

Inundações rápidas e com potencial cada vez maior de destruição. Essa é principal consequência de um problema pouco discutido, porém comum na rotina de grandes cidades: a impermeabilização excessiva das áreas urbanas, que diminui a capacidade de absorção da água da chuva pelo solo.De acordo com a Pesquisa Nacional de Saneamento Básico (2008), do IBGE, 40,86% dos municípios brasileiros sofreram inundações ou enchentes nos últimos cinco anos. No Paraná, 34,33% das cidades tiveram problemas em decorrência de fortes chuvas. Entre os 26 municípios da região metropolitana de Curitiba, 20 (76,92%) relataram ocorrências no período. Um relatório de 2002 do Instituto das Águas do Paraná mostra o impacto direto do crescimento urbano e da alta densidade populacional na impermeabilização das bacias hidrográficas da capital paranaense.

Fora isso, o Paraná também faz parte de outra péssima estatística: concentra 11,2% dos desastres ambientais do país (inundações, deslizamentos de terra e tempestades, entre outros), conforme números do banco de dados de acidentes significativos do Centro de Apoio Científico (Cenacid) da Universidade Federal do Paraná (UFPR) revelados ontem em reportagem da Gazeta do Povo.

Consequências

Segundo o engenheiro civil Carlos Tucci, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, a impermeabilização gera várias consequências. "Na medida em que se impermeabiliza o solo, o volume do escoamento superficial aumenta em 6 vezes. Telhados, passeios, ruas e calçadas mandam mais rapidamente a água para os bueiros e condutos. A macrodrenagem não suporta a carga, o que gera inundações. É como se você mandasse todos os habitantes de Curitiba saírem à rua na mesma hora. Ficaria tudo congestionado", compara. Outro problema, de acordo com o especialista, é que esse processo diminui a recarga dos aquíferos, que não sustentam a vazão dos rios na estiagem. Também há aumento da erosão e assoreamento dos rios, sem falar do comprometimento da qualidade da água e aquecimento das cidades.

Em 1820, Curitiba tinha apenas 0,12% de seu território impermeabilizado. Em 2000, o índice passou a 18,24% e a previsão para 2020 é de chegar a 26,53%. Os números são de um estudo do engenheiro civil e professor da UFPR Roberto Fendrich. Na bacia do Rio Belém, onde vive metade da população de Curitiba, a situação será pior: 90% da área estará impermeabilizada em 2020, segundo o especialista.

Fendrich critica a falta de políticas públicas e de sistemas de drenagem eficientes. "Muita gente acha que um rio aberto ou um lago são permeáveis. As lâminas d’água são as superfícies mais impermeáveis que existem", avalia o engenheiro, que é contra a adoção apenas de parques para o amortecimento das chuvas, como ocorre hoje em Curitiba. Para ele, a solução ideal para acabar com as inundações seria adotar sistemas de absorção ou de retenção da água da chuva em todas as quadras e edificações – e não apenas nas novas construções, conforme exige a lei curitibana. Além disso, é importante acabar com o lixo nas ruas e as ocupações nas beiras de rios.

Bairro vive estado de alerta permanente

Os moradores do Bairro Alto, em Curitiba, já estão acostumados a contar os prejuízos devido aos alagamentos causados pelo crescimento urbano e pela impermeabilização de áreas às margens do Rio Atuba, na divisa com Pinhais. José Susla, presidente da Associação Amigos do Bairro Alto, lembra também que muitas áreas na região estão aterradas, sem falar do estrangulamento do canal sob a ponte da Avenida Victor Ferreira do Amaral, onde os rios Bacacheri e Atuba se encontram. Isso tudo estaria causando o represamento das águas.

Durante as fortes chuvas de abril, a Rua Visconde de Abaeté foi uma das que ficou debaixo d’água. O logradouro fica a 300 metros do Rio Atuba, em uma área onde predominam o comércio e moradias. "Faltaram dez centímetros para a água entrar na minha casa", relata Susla. "Carregamos idosos e acamados nas costas. A Defesa Civil só tinha dois barcos. Além disso, não havia um comitê de crise que gerenciasse tudo", reclama Adilson Tremura, presidente do Conselho de Saúde do Bairro Alto.

Pior foi para o aposentado João Batista, 85 anos. "Perdi geladeira, cama, colchão, fogão, armário, tudo", conta. Os vizinhos tiveram até de ajudá-lo a sair de casa. As marcas da inundação ainda estão na parede. Isso que no quintal de Seu João há terra, mato e cascalho – que absorvem bem a água da chuva. Porém muitos de seus colegas de muro pavimentaram o entorno de suas residências. "O pessoal quer fazer calçamento, quer melhorar, mas às vezes isso prejudica", pondera o idoso, que lembra bem da última enxurrada: "A rua virou um rio, e forte."

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