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STF decide que ‘cotas de tela’ para exibição de filmes brasileiros são constitucionais
Para proteger indústria nacional, medida obriga que empresas de cinema exibam uma quantidade mínima de filmes produzidos no país| Foto: Arquivo/Agência Brasil

Nesta quinta-feira (17), o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que são constitucionais as chamadas “cotas de tela” – obrigatoriedade de exibição de filmes nacionais em todos os cinemas do país, estabelecida em 2001 a partir de uma Medida Provisória (MP). Ao todo, dez ministros foram favoráveis à constitucionalidade do tema. O ministro Marco Aurélio Mello abriu divergência apontando que a medida não poderia ser estabelecida por decreto, mas sim por lei federal.

De acordo com o relator da ação, ministro Dias Toffoli, as cotas de tela são uma medida razoável e contribuem para fomentar a cultura nacional. “A medida provisória promoveu intervenção voltada a viabilizar a efetivação do direito à cultura, sem, por outro lado, atingir o núcleo dos direitos à livre iniciativa, à livre concorrência e à propriedade privada, apenas adequando as liberdades econômicas à sua função social”, disse o ministro.

O tema tem repercussão geral, ou seja, a decisão prevalecerá sobre todos os questionamentos que correm atualmente no Judiciário. Na mesma sessão, a Suprema Corte também declarou a constitucionalidade da regra que determina um percentual mínimo de programas de conteúdo local em emissoras de rádio.

O que são as “cotas de tela”

De acordo com o Anuário Estatístico do Cinema Brasileiro 2019, publicado pela Agência Nacional do Cinema (Ancine) no final do ano passado, entre os 20 filmes com maior público no Brasil entre 2009 e 2019, as produções norte-americanas somam 16 títulos, enquanto as brasileiras reúnem quatro filmes no ranking: "Nada a perder" (4º lugar); "Os dez mandamentos” (5º); "Tropa de Elite 2" (6º); e "Minha Mãe é uma Peça 2" (15º).

O cenário de 2019 é similar: entre os 20 filmes de maior bilheteria há 16 títulos produzidos nos Estados Unidos e quatro no Brasil: “Nada a Perder 2”; “Minha Vida em Marte”; “Minha Mãe é Uma Peça 3”; e “Turma da Mônica – Laços”.

Com o objetivo de fomentar mais produções nacionais e proteger a indústria cultural brasileira, a Medida Provisória 2.228, de 2001, determinou a obrigatoriedade da exibição de filmes nacionais em todos os cinemas do país. Anualmente o governo federal deve publicar quais serão os parâmetros das cotas de tela para o ano seguinte, isto é, por quantos dias uma sala deverá exibir filmes nacionais ao longo do ano.

Na MP foi estipulado que a medida teria vigência de vinte anos: “Por um prazo de vinte anos, contados a partir de 5 de setembro de 2001, as empresas proprietárias, locatárias ou arrendatárias de salas, espaços ou locais de exibição pública comercial exibirão obras cinematográficas brasileiras de longa metragem, por um número de dias fixado, anualmente, por decreto, ouvidas as entidades representativas dos produtores, distribuidores e exibidores”, cita o artigo 55 da MP 2.228.

Desde então, empresas que descumpram a medida estão sujeitas a multas correspondentes a 5% da receita bruta média diária de bilheteria apurada no ano da infração, multiplicada pelo número de dias do descumprimento.

Em decreto assinado em 2019, com as regras válidas para o ano de 2020, o governo de Jair Bolsonaro determinou que empresas que dispuserem de apenas uma sala deveriam exibir filmes brasileiros por 25 dias no ano. Já para empresas maiores, a obrigatoriedade chega a 57 dias da programação anual. Além disso, há o critério de variação de títulos exibidos. Enquanto organizações que possuem apenas uma sala precisaram exibir no mínimo três filmes diferentes, empresas maiores foram obrigadas a exibir uma variação muito maior de títulos.

Em 2004, no entanto, de acordo com decreto presidencial, o número mínimo chegou a ser de 63 dias por cada sala.

Apelo ao STF para revogar as cotas

Em julho de 2010, o Sindicato das Empresas Exibidoras Cinematográficas do Estado do Rio Grande do Sul recorreu ao STF, após obter decisão judicial desfavorável no Tribunal Regional Federal da 4ª Região, questionando a imposição das cotas.

No recurso Extraordinário (RE) 627.432, o sindicato argumentou que a medida fere a livre iniciativa e citou a desproporcionalidade da imposição de cota de veiculação e a repercussão no equilíbrio financeiro dos empreendimentos de veiculação cinematográfica. A petição pedia a plena liberdade de escolha dos filmes a serem veiculados, livrando os veiculadores dos encargos e multas pelo descumprimento da medida determinada pela MP 2.228.

Em fevereiro de 2020, o sindicato desistiu da apelação; o fato, entretanto, não impediu o julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 627.432, que em 2014 havia sido definido como de repercussão geral.

Medidas protecionistas tendem a aumentar o custo para os consumidores, diz economista

Alexandre Chaia, economista e professor do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper), explica que a proteção de indústrias de cinema locais é uma realidade comum em diversos países, uma vez que não se restringe à questão econômica, mas também à exportação de cultura. Porém, explica o economista, medidas protecionistas tendem a aumentar o custo para os consumidores.

“Se há obrigatoriedade de oferecer um produto que vai gerar menor margem, vai dar mais prejuízo. As empresas, então, tendem a compensar esse prejuízo com o aumento dos preços, e com isso toda a sociedade paga mais. Isso vale para todos os segmentos”, diz.

Chaia explica que, apesar do aumento de preços para o consumidor, é possível que no agregado para a sociedade a medida tenha efeitos positivos, já que se trata de um mercado que contrata, produz e gera empregos, além de fomentar a cultura do país. Quanto à decisão, entretanto, ele aponta que não deveria ter sido tratada na esfera judicial, uma vez que a decisão de incentivar a indústria local ao pagar mais por ingressos no cinema ou de deixar de fomentar o setor abrindo mão de pagar por ingressos mais caros cabe à sociedade.

“O judiciário entrar numa seara de escolha da sociedade é ruim. Quando se trata de qualquer tipo de cotas, não existe um ‘certo’ ou ‘errado’, existem escolhas. E essas escolhas cabem à sociedade. Como esse benefício em questão tem uma origem financeira, essa discussão cabe ao Congresso Nacional, que é o representante da vontade do povo”, afirma.

No Congresso Nacional há projetos de lei sobre o assunto. O PL 5497/19, do deputado federal Marcelo Calero (CIDADANIA-RJ), propõe prorrogar a cota de tela por mais dez anos, vigorando até 2031. Apensado a este está o 5757/19, do deputado Eduardo Bismarck (PDT/CE), que mantém a obrigatoriedade de exibição de obras audiovisuais cinematográficas brasileiras e cria uma tabela com o número mínimo de dias que cada complexo deve dedicar, em suas salas de cinema, para as produções nacionais. A proposição é semelhante ao PL 5597/19, do Marcelo Brum (PSL/RS), cujo projeto também foi apensado à proposta de Marcelo Calero.

O PL 5092/20, que prorroga até 2030 o prazo de obrigatoriedade de exibição comercial de filmes brasileiros nos cinemas, é outra proposta a tratar do assunto. Esse PL, entretanto, também obriga as empresas a ampliarem a exibição de filmes brasileiros que tenham recebido premiações nacionais ou internacionais.

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