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O juiz de direito Max Paskin Neto
O juiz de direito Max Paskin Neto| Foto: Divulgação/TJPR

Autor do livro "O direito de ser rude" (Editora Bonijuris, 2015, 192 páginas), o juiz de direito Max Paskin Neto é um defensor veemente da liberdade de expressão e de imprensa, tema da obra. Para ele, várias das recentes decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) no âmbito dos inquéritos das fake news, dos atos antidemocráticos e contra a "organização criminosa digital" representam atos de censura e rebaixam a Corte.

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"A partir do momento em que a pessoa privada decide se tornar politicamente exposta, as pessoas têm direito de investigar, divulgar, fuçar, se indignar e replicar", diz Paskin Neto, em referência aos ministros.

Isso não significa, na opinião dele, que ameaças reais à integridade física dos magistrados e também incitações à invasão do STF, não devam ser coibidas, como ocorreu em alguns casos. "Existem remédios legais e legítimos para se indignar contra uma decisão judicial: recursos, apelações, reformas políticas. Quando se decide uma questão, independentemente do mérito, e a resposta de determinadas pessoas é: 'vamos agredir fisicamente os juízes, ministros, deputados e senadores', aí já se perdeu a razão."

O juiz critica, porém, decisões que, se não retiram conteúdos da internet, impedem que seus produtores recebam renda das redes sociais pelo número de visualizações. Foi o que decidiu recentemente o corregedor-geral da Justiça Eleitoral, Luís Felipe Salomão, ao desmonetizar canais no YouTube de apoiadores de Jair Bolsonaro que defendiam o voto impresso e criticavam o sistema puramente eletrônico de votação e apuração dos resultados nas eleições.

"Além de interferir indevidamente na atividade econômica privada, é uma forma velada e máxima de censura indireta. Isso para não dizer um golpe covarde contra a transparência e o escrutínio público a que devem se sujeitar todas as pessoas e instituições politicamente expostas", diz o juiz.

Max Paskin Neto, de 39 anos, é natural do Rio de Janeiro e há 10 anos exerce a magistratura no Paraná. Além da entrevista, que ele concedeu por escrito à Gazeta do Povo, o juiz também bateu um papo por vídeo. Assista aqui:

Gazeta do Povo - Em alguma medida, recentes decisões dos ministros contra críticos do STF (determinando, por exemplo, prisão, busca e apreensão, bloqueio de redes sociais e retirada de conteúdo da internet) contrariam a jurisprudência da Corte em favor da liberdade de expressão? Há um retrocesso ou inflexão na proteção desse direito para cidadãos comuns?

Max Paskin Neto - A intenção da Corte em atuar em defesa do Estado Democrático de Direito instituído a partir da Constituição de 1988 é positiva. Mas a linha que deveria ter sido adotada está errada. A atuação da Corte em proteção ao sistema Democrático deveria ter sido mais discreta, tênue e minimalista... apenas no sentido de coibir os atropelos dos caminhos constitucionalmente desenhados para efetivar as mudanças pelas quais anseia a sociedade.

Assim como todos os direitos, a liberdade de expressão também não é absoluta. No entanto, ela deveria ser a mais ampla possível, sempre recebendo, à luz de qualquer ambiguidade, o benefício da dúvida de permanecer em palco.

A Corte Suprema deveria ter um pouco mais de parcimônia em seu atual afã de ativismo judicial em “defesa da Pátria” e da própria imagem, em face de opiniões ácidas e críticas de vários setores da sociedade em relação à postura adotada em suas recentes cruzadas inquisitivas.

Críticas e oposição sempre haverá e grupos financeiramente fomentados e organizados para materializar essa oposição, indignação e motriz de mudanças, não deveriam ser enquadrados como organização criminosa. Esses fomentadores de escrutínio público e ácido em redes sociais não são uma facção armada que busca um “coup d'État” – e sim apenas pessoas indignadas com o cenário que consideram desfavorável, desesperados por mudanças reais.

O sr. considera que o Supremo convive mal com as críticas que são dirigidas aos ministros?

Os discursos diametralmente opostos são naturais em uma sociedade de tamanha diversidade cultural quanto a brasileira.  Essa é, em alguma medida, a beleza da confusão democrática. Agora, nesse cenário já naturalmente polarizado, quem se sujeita a exercer qualquer tipo de cargo público tem que estar ciente de que trabalhará sob uma estrutura de vidro frágil e transparente e receberá ataques de pedra por algum, senão múltiplos lados. Isso faz parte da função. O que não dá é para ingressar nessa batalha.

Fica feio para uma Corte da estatura do Supremo Tribunal Federal, que deveria estar estoica em relação à crítica pública, se nivelar por baixo a ponto de abrir inquérito dando interpretação extensiva à lei penal, na forma de seu regimento interno, para “bater boca” com a população e críticos fomentadores de redes sociais.

Parece, ao menos a mim, uma postura comezinha que deveria ter sido evitada em prol de uma preservação de uma imagem institucional mais séria e amadurecida.

Uma coisa é coibir em ato de “legítima defesa” institucional e física incitações de violência física e iminente. Nesse ponto, correto o cerceamento de postagens e manifestações que veicularam esse conteúdo explicitamente. Outra coisa é atravessar essa linha para inaugurar perseguição contra jornalistas, empresários e ativistas de pontos de vista diversos.

Determinar que veículos de mídia social deletem posts que fizeram e façam alusão a eventuais atos criminosos ou ilegítimos de uma figura política é uma forma agressiva de censura.

Algumas dessas decisões apontam risco à independência do Judiciário. Como juiz, o sr. considera que certas manifestações, algumas com ameaças, comprometem a autonomia dos ministros em suas decisões?

Sim, nesse ponto os ministros do Supremo Tribunal Federal têm razão. A função do Judiciário é decidir. Isso, em regra, traz consigo um natural desagrado a parcela não beneficiada pelo conteúdo da decisão judicial. Existem remédios legais e legítimos para se indignar contra uma decisão judicial: recursos, apelações, reformas políticas.

Quando se decide uma questão, independentemente do mérito, e a resposta de determinadas pessoas é: “vamos agredir fisicamente os juízes, ministros, deputados e senadores”, aí já se perdeu a razão. Manifestações dessa natureza precisam sim serem coibidas, ainda que agrida levemente o direito à liberdade de expressão e imprensa.

Isso ocorreu em situações recentes?

O ex-deputado Roberto Jefferson, o cantor Sérgio Reis e o caminhoneiro “Zé Trovão”, deveriam ter tido, por parte da Suprema Corte, um zelo de proteção em relação a 90% do que disseram em postagens e entrevistas concedidas. Eles expressaram boa parte da indignação de parte da população brasileira que, dentro de um sistema democrático, deveria contar com o princípio da representatividade.

No entanto, em relação aos outros 10%, certamente extrapolaram o limite de suas liberdades e não deveriam mesmo contar com o manto da proteção jurídica ao tentarem provocar diretamente as pessoas indignadas com o atual cenário político a invadir as casas do Congresso Nacional para retirar os representantes “a pescoção” e “cano de fuzil” [expressões de Roberto Jefferson], ou seja, violência física.

Isso é concitar atos de violência iminente e não meramente traduzir uma insatisfação abstrata sobre um cenário e buscar um meio legítimo de mudança mais sereno e perene. A justificativa de que a convocação de uma nova Constituinte demoraria demais, e por isso deveria haver uma imediata intervenção militar nos Poderes, como disse Roberto Jefferson, é realmente como um todo inadmissível.

Agora, importante pontuar que o retorno a um regime militar por meio da tomada do poder à força é um devaneio shakespeariano moderno. Não tem como os que sustentam esse ideal –porque só existe na forma projetada na fantasia – não enlouquecerem, na linha do que sofreu o personagem Macbeth, com sua gradativa descendência à paranoia, mania de perseguição e loucura total.

O STF tem falhado em caracterizar com mais concretude conteúdos tachados como “fake news”, “atentados ao Estado Democrático de Direito”, “ataques à democracia”, para justificar decisões contra os alvos das investigações? Em que medida tal precedente ameaça a circulação de ideias e o debate público?

O que direi é que “fake news” (notícias de fatos falsos) veiculados por outlets midiáticos formais é realmente algo preocupante que não deve ser objeto de proteção sob o manto da liberdade de imprensa.

A imprensa tem um dever de verificar os fatos que está divulgando antes de fazê-lo, para minimizar o risco de mal formar e informar a população e causar danos indevidos. No entanto, “fake news” se combate com informação, contraprova, esclarecimentos fundamentados, não apenas tachando de “fake news”.

Caberia aos ministros emitirem notas de esclarecimento contando ou desmistificando. O que não cabe é abrirem inquéritos de oficio, de natureza criminal, a serem processados e julgados por eles mesmos; desconsiderando o Ministério Público e restringindo a mídia de divulgar qualquer notícia negativa a respeito de um ministro da Corte, só porque o conteúdo é negativo.

Isso apenas aumenta a suspeita de algo de errado não está certo, à luz das lentes populares.

Os ministros, atualmente, tornaram-se pessoas muito conhecidas, em razão de decisões com grande impacto político, social ou econômico. É natural que sofram críticas...

Ministro, mesmo em exercício dentro do ramo Judiciário do Poder, já não é mais juiz de direito (se é que um dia foi) e assim que aceitou o encargo, abriu sim mão de boa parte de sua vida privada para se tornar político, figura pública, que deve sempre sofrer forte escrutínio, seja de pessoas que queiram expressar suas opiniões ou da mídia.

A partir do momento em que a pessoa privada decide se tornar politicamente exposta, as pessoas têm direito de investigar, divulgar, fuçar, se indignar e replicar. Isso tem que estar, em uma sociedade livre como alguns de nós, meros mortais achávamos que a Constituição de 1988 intentou, compreendido pela proteção que deveria ser dada à liberdade de expressão.

Ao que parece, o STF está, por maioria, reformando a Constituição no que se refere a essa plataforma de liberdades, sem o selo de aprovação de um consenso popular. Esse apartheid é que gera a atual tensão vivenciada entre a instituição pública e uma boa parte de seu público.

O Supremo Tribunal Federal teria que manter-se acima disso. Teria que ser o pináculo da razoabilidade e do intervencionismo mínimo na vida privada.

A desmonetização de canais de vídeos em redes sociais é forma de censura? Na recente decisão em que retirou o financiamento de youtubers favoráveis ao voto impresso, o corregedor-geral do TSE afirmou que a medida preserva a liberdade de expressão por não retirar do ar os vídeos. Mas sugeriu que as críticas às urnas eletrônicas, além de já terem sido refutadas pelo TSE, eram, em alguma medida, motivadas pela tentativa de obter lucro. São fundamentos que fazem sentido?

Retirar o incentivo financeiro por visualização obtida a esses fomentadores de pontos de vista diferentes e de críticas ácidas, às vezes extremamente ácidas, é, além de interferir indevidamente na atividade econômica privada, uma forma velada e máxima de censura indireta. Isso para não dizer um golpe covarde contra a transparência e o escrutínio público a que devem se sujeitar todas as pessoas e instituições politicamente expostas.

Para mim, a desmonetização de canais e vídeos em rede sociais é uma forma de censura tanto repressiva quanto prévia. Isso porque, retira um dos maiores incentivos de criação de conteúdo que se propaga e alastra, que é justamente o retorno financeiro por visualização obtida. Retirado o estímulo principal dos criadores de conteúdo, é só uma questão de tempo até que resfriem sua atuação nessa área e foquem em áreas que lhes traga maior ganho marginal, nesse caso, de capital.

Essa forma de censura velada, podemos denominar de censura da ex-mulher vingativa, que se utiliza de sutis mas agressivas e mortíferas táticas de agressividade passiva para destruir a vida do ex-marido que a traiu.

Quanto às críticas ao sistema eleitoral eletrônico e voto impresso e que isso colocaria em risco a estabilidade do sistema, acho pura banalidade. Ambos os sistemas, eletrônico e/ou impresso e/ou biométrico e/ou outro a ser ainda criado, são meios para um mesmo fim. Só muda a forma. Ser a favor de um, de outro, ou de ambos cumulativamente não me parece, mesmo na qualidade atual de juiz eleitoral, influenciar e/ou ameaçar em absolutamente nada a lisura do processo eleitoral.

Várias decisões, inclusive a do TSE, têm sido motivadas por pareceres e análises feitas pela Polícia Federal acerca do conteúdo, sem participação efetiva do Ministério Público. Essa situação enfraquece os fundamentos jurídicos para tais medidas?

Os fundamentos jurídicos são objetivos. Ou seja, são o que são, independentemente de quem os produziu. O fato de serem produzidos pela polícia não é qualquer demérito ao seu conteúdo.

Afronta é os ministros do STF, alvos principais das críticas bombando nas redes sociais, abrirem inquérito ex officio, distribuírem os processos para si mesmos, sem livre distribuição, minimizarem a importância do Ministério Público como único e exclusivo titular da ação penal e eles mesmos participarem dos respectivos julgamentos.

A maioria das decisões volta-se preponderantemente contra produtores de conteúdo conservadores, embora, no passado, cidadãos de outras correntes políticas e ideológicas tenham expressado críticas duras ao STF sem maiores consequências. O STF tem atuado politicamente contra um grupo específico, particularmente de apoiadores do presidente Jair Bolsonaro? A postura do presidente, de afronta à Corte, colabora para isso?

Evidente que sim. Quem ataca “o amigo” [Lula]? O atual chefe do Poder Executivo [Bolsonaro] é claramente inimigo político do chefe do Poder Executivo que apontou a maioria dos atuais ministros que ocupam cargos no STF. Isso gera um entrave na governabilidade do país.

Por isso, é que por uma questão de hegemonia governamental, sugiro uma reforma no Judiciário para limitar o cargo de ministro de Tribunal Superior – função política, econômica e diplomática tanto quanto ou até mais do que propriamente jurídica –, a no máximo 10 anos.

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