Flavia Carvalho se inspirou na reação feliz de uma adolescente.| Foto: Daniel Castellano/Gazeta do Povo

Transformar a marca da violência em uma mensagem de empoderamento e superação – essa é a ideia por trás do projeto “A pele da flor”, iniciativa da curitibana Flavia Carvalho, que decidiu doar um pouquinho do seu tempo e talento para ajudar mulheres vítimas de violência. Pelas mãos de Flavia, a pele permanentemente marcada por episódios de abuso ganha outros contornos e cores com tatuagens.

CARREGANDO :)

A inspiração para criar o projeto foi uma adolescente que procurou Flavia para cobrir as marcas de uma agressão física. “Quando ela viu a tatuagem pronta, ficou muito emocionada, agradeceu, abraçou. Essa reação me comoveu. Acompanhar a transformação da relação que ela tinha com o próprio corpo depois de ter coberto a cicatriz foi impactante”, relembra. A tatuadora percebeu que poderia ajudar mais mulheres.

Publicidade

Empatia

A vontade de desenvolver um projeto social para ajudar mulheres vítimas de violência também tem a ver com a experiência pessoal de Flavia. Ela conta que viveu relacionamentos abusivos e foi também vítima de agressões físicas e violência psicológica. “Não fiquei com marcas, mas tive essa vivência do abuso, das ameaças, do tapa na cara. Sou empática às mulheres que sofreram violência e quero ajuda-las a superar”, explicou.

Desde que foi lançado, com o apoio da Secretaria Municipal da Mulher de Curitiba, “A pele da flor” alcançou projeção nacional e a tatuadora tem sido procurada por mulheres de vários estados. Até agora, cinco já saíram do estúdio com cicatrizes cobertas por orquídeas azuis aquareladas ou borboletas multicoloridas, e outras sete têm horários agendados – uma delas vem de Manaus para tatuar com Flavia.

A pele da flor

O projeto de Flavia acolhe dois tipos de mulheres: aquelas que sofreram violência doméstica ou urbana e aquelas que passaram por mastectomia (remoção total ou parcial da mama geralmente em decorrência do câncer). A tatuagem é gratuita – a mulher só precisa escolher qual desenho quer gravar na pele. Para cobrir as cicatrizes vale tudo: tatuagem colorida ou somente em preto. A cicatrização, garante a tatuadora, não exige nenhum cuidado especial. Contato: https://www.facebook.com/fla.tattoo

“Cobrir a cicatriz não faz desaparecer a lembrança da violência, mas melhora muito a relação que a mulher tem com o próprio corpo. Elas têm vergonha das marcas, querem esconder, não querem contar como ficaram com aquelas cicatrizes. A tatuagem faz isso, além de esconder a marca, melhora a autoestima, empodera, transforma”, explica.

Aprendizado e redenção em forma de arte

Leia a matéria completa
Publicidade

Empoderamento

É assim, poderosa, que Aline Garcia, 30 anos, se sente ao olhar para o desenho em aquarela gravado na perna: no lugar das marcas do abuso, o rosto de uma mulher acompanhada de um lobo – símbolos de força e superação.

Um ano atrás, ela chegava ao trabalho quando o ex-parceiro a interpelou. O relacionamento havia acabado dias antes e o homem não aceitava o rompimento. Aline disse que não queria conversar e pediu que ele não a procurasse mais. O homem com quem havia compartilhado o último ano e meio a esfaqueou oito vezes – nas mãos, nos braços, nas pernas e no peito. Depois disso, fugiu e se suicidou.

O socorro veio rápido e Aline sobreviveu à cirurgia no coração. Depois disso, viveu um dia após o outro. Em alguns momentos, recorda, quis desistir. Hoje, fortalecida, ainda aprende a lidar com cicatrizes emocionais profundas e com as marcas no corpo – e para a superação dessas últimas, a ajuda de Flavia foi essencial.

“A tatuagem encerrou um ciclo do qual eu saí vitoriosa. Um ciclo de violência e de superação. A gente não esquece o que aconteceu, a dor que sentiu e até o preconceito que sofreu, mesmo sendo vítima; mas queria dizer para todas as mulheres que sofreram algum abuso que a gente pode seguir em frente.”

Flavia Carvalho usa seu conhecimento em tatuagens para ajudar mulheres vítimas da violência.
Seu ateliê virou espaço também para ouvir histórias de mulheres.
Os relatos de violência que Flavia ouve são assombrosos.
Pássaros e flores maquiam cicatrizes deixadas pela violência contra a mulher.
A tatuagem não apaga a violência, mas “empodera”, como diz a tatuadora, para que a vítima siga adiante.