• Carregando...

Até o fim deste mês, os pais de cerca de 113 mil crianças curitibanas vão passar pelo ritual da rematrícula em escolas públicas municipais. O processo é simples. Alunos que fazem parte das listas de chamada têm preferência na disputa das vagas. É jogo ganho. Já para rubricar a papelada é preciso suar a camisa. Cada vez mais se exige dos familiares envolvimento na rotina das instituições de ensino. E um envolvimento que não se resuma a lixar carteiras em dia de mutirão ou comparecer a cada dois meses para pegar o boletim. Quer-se a família como parceira pedagógica – uma expressão que soa tão bonita quanto perigosa.

Foi assim com o mestre-de-obras Sebastião de Souza Guerra, 32 anos. Ao matricular seu primeiro filho na Escola Municipal Vinhedos, em Santa Felicidade, adotou o partido da maioria: deixou o guri na porta, virou as costas e foi cuidar da vida. Com Diego, o filho mais novo, hoje na 4.ª série, a tática não funcionou. Ambos deram de participar das aulas de caratê oferecidas pelo programa de educação continuada da Vinhedos. Como sempre estraga uma torneira, as mil e uma habilidades do moço acabaram descobertas entre um golpe na madeira e outro. Não teve mais sossego.

Hoje, Tião preside a Associação de Pais, Mestres e Funcionários (APMF) e tem uma longa folha corrida de serviços prestados. Até aí, nenhuma novidade. As APMFs, ou APPs (Associação de Pais e Professores), desde seu surgimento, nos anos 20 do século passado, foram pouco a pouco se transformando em promotoras de festas juninas e pronto-socorro de vidros estilhaçados. Parceria pedagógica, só se fosse piada. Mas ao ver o mestre-de-obras sentado na mesma mesa que a diretora Nayara Baena de Souza, 54 anos, e mais quatro mães – todos falando pelos cotovelos sobre a Vinhedos –, essa função saneadora fica parecendo coisa do passado.

A Vinhedos tem 765 alunos, 48 professores e alcançou o segundo melhor desempenho na Prova Brasil. Sua fama não se relaciona apenas à legião de pais-educadores sempre a postos. "Acho que a participação dos pais têm a ver com Santa Felicidade, sim. Muitos de nós moram aqui desde crianças, são de famílias tradicionais e têm o jeitão italiano de ser. Somos família", arrisca Rosângela Toaldo Stela, 33 anos, hoje, estudante de Pedagogia, segundo ela, provavelmente uma escolha motivada pelos bons ventos da Vinhedos.

Mas seria injusto negar os méritos da escola de Santa, só porque é bem-nascida. Educadores ouvidos pela Gazeta do Povo concordam que as condições socioeconômicas até ajudam, mas não determinam o grau de envolvimento de uma comunidade com a educação dos filhos. Conta, e muito, ter uma política para atrair os pais e convencer os professores de que precisam adotar essa idéia – seja num bairro classe média ou num arrabalde.

Com 1,5 mil alunos – o Colégio Estadual São Paulo Apóstolo, no Uberaba, conhece de longa data os benefícios da família sempre à mão. A escola completou 50 anos e faz parte da tradicionalíssima Vila São Paulo. Reina ali a sensação de que todo mundo se conhece, o que basta para ninguém fazer cerimônia: se o pai chamado não vai à São Paulo, a direção bate na porta da casa dele. "Já aconteceu várias vezes", atesta a diretora Simone Herrera Natal, 40 anos, filha de uma ex-diretora. Ela calcula que, nas devidas escalas de uma instituição que atende do 1.º ano do fundamental ao 3.º do segundo grau, 80% dos pais sejam participantes, com decréscimo a partir do momento em que os estudantes chegam a 6.ª ou 7.ª série.

Na São Paulo, Hélcio Müller, 46 anos, técnico de segurança do trabalho, é da turma que não passa um dia sem cruzar o portãozinho. Não precisa ser anunciado – até porque estudou ali e se sente em casa. Seu discurso é típico do pai participante: considera o colégio um segundo lar e se diz preocupado com a violência e drogas – assim como nove entre dez pais de adolescentes. A dona de casa Vera Brüning, 40 anos, está entre as que abraçaram a causa de Hélcio e botaram a cabeça de fora. Tem três filhos, um de 14 e outro de 12 ainda no colégio. "Depois que me envolvi no ensino minha relação com eles melhorou", testemunha.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]