A professora Isabella Isolani estabeleceu uma rotina que permite que a filha Ana Clara, de 4 anos, brinque livremente: “ela decide o que vai fazer”, diz| Foto: Jonathan Campos/Gazeta do Povo

Correria

Agenda excessiva dos filhos é reflexo da jornada extensa dos pais

Autora de livros na área da educação, a professora e psicanalista Márcia Neder pondera que o agendamento excessivo dos filhos, algumas vezes, é decorrente da jornada de trabalho extensa dos pais. Sem ter com quem deixar as crianças durante o dia, a solução acaba passando por escolas em período integral ou atividades extracurriculares. "Mas tem o lado da competição, dos pais que matriculam os filhos em atividades esportivas, por exemplo, por vaidade, pelo ego. É comum ver pais revoltados em jogos, xingando o árbitro ou brigando porque o filho não está jogando bem."

Márcia recorda que algumas habilidades, como saber nadar ou ter inglês fluente, são importantes para o futuro, mas pouco exploradas na escola regular. Daí a necessidade de alguns cursos no contraturno. "O limite nesse caso é prático: quanto os pais podem despender nisso? Quem vai levar, quem vai buscar? Lembrando que tem os momentos de treino em casa, não adianta ir lá na aula aprender tocar guitarra e não estudar depois. Tudo isso exige muito tempo, não só das crianças."

Para a psicanalista, no entanto, a necessidade de algumas atividades agendadas não pode se sobrepor ao direito ao ócio. "É um momento em que a criança precisa decidir o que vai fazer da vida, se vai chamar um amigo, se vai brincar. Ela própria tem que ter iniciativa para preencher esse tempo livre, isso é importante", argumenta.

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Balé, natação, inglês, aulas de reforço, violão, escola. O excesso de compromissos na agenda de muitas crianças, como se fossem miniexecutivas, deixa raras ocasiões dedicadas ao ócio. Os partidários do "tempo é dinheiro" podem até condenar, mas momentos para fazer nada, dizem especialistas, são fundamentais no desenvolvimento dos pequenos. Pensando nessa necessidade, tem ganhado força no Brasil um movimento que prega a "desaceleração" da rotina das crianças.

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No início do mês passado, o "Slowkids", evento dedicado a desacelerar pais e filhos, lotou o Parque Água Branca, em São Paulo. A regra era simples, mas um tanto difícil nos nossos dias: deixar tablets e celulares de lado e se concentrar em brincadeiras criativas. "A intenção é propor interação. Muitos pais levam os filhos aos parques, mas ficam no celular e o filho brinca sozinho", reforça a idealizadora Tatiana Weberman, da produtora Respire Cultura.

Laís Fontenelle, psicóloga do Instituto Alana, parceiro do evento, explica que criar uma rotina para a criança é importante, mas isso não significa dar-lhes atividades o tempo todo. "É preciso ter tempo livre para brincar, para o ócio criativo, ter mais horas de sono, fazer atividades mais curtas." Segundo ela, um bom termômetro para os pais é a reação do filho. "A criança denuncia. Ela chora, começa a ficar cansada, não quer ir à atividade", enumera.

Ponderação

O cansaço é justificado, garante a professora do setor de Educação da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Catarina Moro. "Geralmente, essa atividade passa a ser um compromisso, com uma meta, com foco em performance. E, às vezes, isso parte de uma exigência exterior e não de uma motivação da criança." A educadora ressalta que, embora na infância seja mais fácil aprender uma segunda língua, por exemplo, o número de anos que a criança passa envolvida com as aulas até usar efetivamente os conhecimentos é muito maior. "Se o tempo que ela gasta nisso impede de ter atividades de lazer ou momentos livres para brincadeiras, talvez não esteja sendo tão beneficiada."

De acordo com Catarina, compromissos com horário para início e término costumam quebrar as possibilidades de fruição. Ela defende que a infância é a época de experimentações sem preocupação excessiva com resultado. "Antes uma criança construía uma pipa com a ajuda de um adulto. Não só o brincar era interessante, mas as habilidades envolvidas em cortar o papel, medir. Hoje, quando você compra uma pipa pronta, as possibilidades se perdem. Não só o aprendizado intelectual é importante, mas o fazer com o outro, as decisões da cor do papel", exemplifica.

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Espaço de sobra para brincar e ser feliz

A vida da professora de dança e musicalização Isabella Isolani, 30 anos, nunca foi acelerada. E foi nessa rotina calma que ela decidiu criar a filha Ana Clara, 4 anos. "Vi a oportunidade de trabalhar junto com ela, não colocá-la na escola. Em alguns momentos, pensei em pôr na natação, teatro, balé, mas tive medo disso deixá-la rígida. Ela sempre foi tão espontânea", conta.

Enquanto a mãe dá aulas, Ana Clara brinca livremente no local. "Aqui tem aulas, atividades, mas ela opta pelo que quer fazer. Criança precisa brincar, ter contato com outras crianças, alimentar a criatividade. Na escola há muitas regras de como brincar, em que horário, acho que a criança deveria poder escolher a ordem das coisas", opina.

Isabella afirma não dar espaço para críticas à maneira como resolveu criar a filha. Apesar da liberdade, garante, a rotina inclui horários e limites. "Ela tem a hora certa para acordar, almoçar, dormir." No próximo ano, Ana Clara deve começar a frequentar uma escola. "Ela precisa ter ritmo, horários."

Dia de família

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Adepta da desaceleração da rotina, Isabella recorda que o domingo é sempre dedicado à família. É neste dia que ela e o marido dão atenção à filha, passeiam em parques e visitam familiares. "Costumamos não marcar nada que tire a atenção dela no domingo."