Da sentença de morte à esperança
Rosana Camargo, presidente da Sociedade Paranaense de Infectologia e diretora técnica do Hospital Oswaldo Cruz.
No início da epidemia, ser portador do vírus era quase uma sentença de morte. Como era o tratamento aquela época?
Na década de 80, nós acompanhávamos o paciente, tratando das infecções oportunistas que apresentavam, até que chegava uma hora em que não era possível reverter o quadro, porque eram múltiplas as infecções. Também não sabíamos manipular essas drogas no início, coisa que fomos aprendendo. Usávamos o AZT [um dos primeiros retrovirais para tratamento] em doses muito altas, que causavam problemas de anemia.
O que mudou?
O paciente portador de HIV hoje pode ter qualidade de vida. Há um número grande de drogas disponíveis, que possibilita muitas opções de terapia. A gente aprendeu a manejar o efeito colateral, tanto que personaliza o tratamento. Temos as diretrizes do Ministério da Saúde, mas estudamos o perfil do paciente para saber a que remédio ele vai se adaptar melhor.
E o tratamento profilático?
Graças aos avanços científicos, que trouxeram novas drogas e permitiram ter um controle efetivo, hoje a aids é uma doença crônica e não uma doença letal. Ainda é difícil, pois os pacientes têm de tomar muitos medicamentos. É mais fácil se prevenir da infecção. Inúmeros trabalhos mostram que o tratamento profilático é efetivo, que o risco de infecção diminui significativamente. Só que as pessoas não podem banalizar isso, porque as drogas têm seus efeitos colaterais.
Estamos próximos da cura?
Há casos descritos de cura, mas o transplante de medula [como aconteceu com o norte-americano Timothy Ray Brown, que conseguiu arrancar qualquer traço detectável de HIV em seu organismo] exporia o paciente a um risco muito grande, mas é possível e tem drogas sendo desenvolvidas nesse sentido. Ainda esperamos uma medicação que aja nos santuários e realmente acabe com o vírus, que não tenha como se replicar e não fique em forma de latência. (FT)
Situação de risco
Saiba quando o tratamento profiláxico é indicado:
Indicado
- Em casos de relação sexual com penetração sem proteção com pessoas infectadas pelo HIV.
- Quando o preservativo romper ou sair durante o sexo com alguém que você não sabe se tem HIV ou não.
- Se for vítima de violência sexual.
- Profissional da saúde que sofreu algum acidente com agulhas ou outro objeto cortante contaminado pelo vírus.
Não indicado
- Se o paciente já tem um resultado de teste positivo para o HIV.
- Se o possível contato com o vírus HIV ocorreu há mais de 72 horas.
- Se a relação sexual não teve penetração.
Fonte: Centro de Referência e Treinamento DST/Aids de São Paulo.
Avaliação rigorosa
A profilaxia só deve ser adotada em casos específicos e após uma avaliação médica rigorosa, segundo o Ministério da Saúde, por causa dos fortes efeitos colaterais e do risco de o organismo criar resistência aos medicamentos.
Muitas pessoas não sabem, mas o Sistema Único de Saúde (SUS) oferece um tratamento preventivo contra aids para quem sofreu exposição involuntária ao vírus HIV. O procedimento se chama Profilaxia Pós-Exposição ou Quimioprofilaxia e combina uma série de remédios para evitar a multiplicação do vírus no organismo, podendo até anulá-lo. De acordo com o Ministério da Saúde, o tratamento dura 28 dias e deve ser iniciado em até 72 horas após o contato com o HIV, preferencialmente nas primeiras quatro horas. Porém, é adotado somente em casos específicos e após avaliação médica rigorosa em virtude dos efeitos colaterais e do risco de o organismo desenvolver resistência aos remédios.
Segundo o Departamento de Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST), Aids e Hepatites Virais do ministério, 13,7 mil procedimentos de quimioprofilaxia foram realizados no país no ano passado. Desse total, a maioria (9,1 mil) atendeu casos de infecção ocupacional entre profissionais de saúde, ou seja, acidentes de trabalho envolvendo material biológico (sangue) de soropositivos.
Reação forte
A coordenadora do Centro de Testagem e Aconselhamento de DST e Aids de Maringá, Eliane Biazon, explica que o rigor na liberação dos medicamentos se deve a uma série de fatores, entre eles a agressividade do tratamento. "É uma quimioterapia que utiliza medicamentos extremamente fortes para combater o vírus, podendo causar efeitos colaterais como alterações hepáticas e reações no fígado e vesícula biliar. É algo que precisa ser feito com muito critério."
Outro problema é a possibilidade de o organismo criar defesas contra o coquetel, tornando inócuo o tratamento. "O procedimento pode criar resistência, condenando o paciente se este contrair o vírus futuramente, já que os medicamentos não teriam mais efeito", explica Eliane.
Além dos profissionais de saúde que tiveram contato com o sangue de soropositivos, a profilaxia também é indicada para vítimas de violência sexual e casais sorodiscordantes (quando um dos dois é soropositivo, mas não avisa o parceiro) em situações excepcionais.
No Paraná, a profilaxia para casos não-ocupacionais se aproximou bastante do número daqueles que tiveram algum acidente de trabalho em 2011. Foram 528 tratamentos ocupacionais contra 448 do outro tipo, tendência inversa à observada no Brasil, em que a diferença entre as duas categorias é quase o dobro.
Para a médica Rosana Camargo, presidente da Sociedade Paranaense de Infectologia, o aumento dos tratamentos entre pessoas que não trabalham na área de saúde se deve à divulgação da profilaxia. "Muita gente correu para fazer o tratamento porque fazia sexo sem camisinha", diz Rosana, que também é diretora técnica do Hospital Oswaldo Cruz, em Curitiba.
Uma enfermeira de Paranavaí (Noroeste do estado), que pediu para ter o nome preservado, realizou o tratamento profilático. Ela lembra que trabalhava em um hospital no litoral de São Paulo quando acidentalmente teve o dedo perfurado por um bisturi utilizado em um paciente. "Não sabia se o contato tinha sido real, mas preferi fazer o tratamento até que fosse provado o contrário. O procedimento me deixou mais tranquila", explica ela, que abandonou o tratamento após ter a comprovação de que não tinha sido infectada pelo vírus.
Tratamento não é 100% eficaz, alerta especialista
A coordenadora do Centro de Testagem e Aconselhamento de DST e Aids de Maringá, Eliane Biazon, explica que o tratamento não é 100% eficaz. "Se a pessoa não contraiu o HIV, não podemos dizer que foi somente em função da profilaxia. Isso depende da imunidade de cada paciente, da carga viral, do tipo de vírus", explica.
Para maior eficácia, o paciente deve iniciar o tratamento em no máximo três dias após o contato com o HIV. A medida que as horas passam, o efeito da medicação pode diminuir. "Neste tipo de situação, o tempo é crucial. A pessoa deve passar pela avaliação médica que definirá se a quimioterapia deve ser iniciada ou não."
Presidente da Sociedade de Infectologia, Rosana Camargo alerta que o coquetel não pode ser tratado como uma nova pílula do dia seguinte. "A profilaxia não garante totalmente a não infecção do vírus, o que só é conseguido com prevenção e uso de preservativo."
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