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Josiane Bibas e Ângela Duarte com o porta-malas cheio de livros doados, prontos para novos destinos | Marcelo Andrade/Gazeta do Povo
Josiane Bibas e Ângela Duarte com o porta-malas cheio de livros doados, prontos para novos destinos| Foto: Marcelo Andrade/Gazeta do Povo

Três projetos paranaenses são finalistas do Prêmio Vivaleitura, que será entregue amanhã, em Brasília. São eles: "Freguesia do Livro", "Palavra de Mulher" e "Ação Integrada para o Letramento". Ao todo, 20 trabalhos concorrem em quatro categorias, sendo que o vencedor de cada uma delas recebe R$ 25 mil. Nenhum grupo do Paraná compete na mesma categoria.

Apesar da premiação em dinheiro, a palavra "competir" deve soar estranha aos selecionados. Quase regra, os projetos que se candidatam ao Vivaleitura – instituído em 2005 numa parceria dos ministérios da Educação e da Cultura com a Organização dos Estados Ibero-Americanos para Educação, Ciência e Cultura (OEI) – primam pela despretensão e pela economia de recursos.

Dos candidatos locais, o "Freguesia do Livro" é o mais antigo. Começou há três anos, por iniciativa das fonoaudiólogas Josiane Mayr Bibas e Ângela Marques Duarte. As duas distribuem livros em caixas personalizadas, tudo muito ajeitado, fazendo do livro um presente. O doador liga, elas recolhem os títulos, guardam numa garagem e separam o que interessaria para essa ou aquela biblioteca. A seleção evita o mero repasse de material – algo como mandar obras de Medicina para uma sala de leitura de uma escola básica. Pois isso acontece.

A "trabalheira" de Jô e Ângela é fazer a caixa chegar ao destino, com custo mínimo. No começo, receberam pedidos até de Xapuri, no Acre. Chegaram a formar uma rede de caminhoneiros e viajantes em geral, mas logo entenderam que deveriam limitar o território. Mesmo assim, o "Freguesia" atende o Paraná inteiro, um pouco de Santa Catarina, atingiu mais de 200 espaços e iniciou uma tarefa que enche os olhos – colabora para que outros agentes façam suas próprias redes. "Chamam de replicabilidade", diz Josiane.

O "Palavra de Mulher" nasceu em 2013, por iniciativa do ator Alisson Freyer, 26 anos, coordenador da Casa de Leitura Dario Vellozo, na Praça Garibaldi. O projeto tem menos segredos do que fazer um bolo. Escolhe-se um texto, arruma-se alguém para lê-lo em voz alta, numa roda, todo mundo com xerox na mão. Depois é conversa livre, de modo a deixar correrem as impressões, sem nenhuma obrigação acadêmica. "Estamos aqui para desmistificar", resume o idealizador. A novidade do ciclo é a determinação de ler obras de autoras brasileiras, inicialmente as da primeira metade do século 20, muitas delas deixadas no banco de reserva da história.

Em um ano de rodas, a lista ganhou fermento – passa por Adélia Prado, Clarice Lispector, Hilda Hilst e Luci Collin. E os pedidos na linha "venham aqui ler para a gente" ultrapassaram os limites da Casa da Leitura. Hoje o "Palavra" acontece em abrigos da Fundação de Ação Social e em residências terapêuticas, para surpresa do próprio Alisson e sua trupe.

A leitura em voz alta também está na raiz do projeto "Ação Integrada para o Letramento", desenvolvido no Colégio Estadual João Gueno. O nome é meio rígido, a prática, líquida. A escola fica no bairro São Dimas, em Colombo, vizinha do Monte Castelo, conhecido dos noticiários policiais. O clichê está ali – região modesta, informalidade alta, estigma social e alunos vindos de famílias de baixa escolaridade. A professora de Português Érica Rodrigues, 34 anos, ao constatar que os adolescentes liam pouco porque entendiam mal ou entendiam mal porque liam pouco – pediu ajuda à UFPR, em 2012.

Em 2013, recebeu como resposta, na porta da escola, duas pesquisadoras cujos Lattes "são um brinco" – Lúcia Cherem e Elisa Dalla-Bona. Por lá permanecem. Toda essa reviravolta ajudou a disparar o gatilho do projeto que impressionou o Vivaleitura. Érica começou a ler para a turma do 6.º ano A maldição da moleira, da nada convencional escritora Índigo. Fazia-o naqueles 5 minutos infernais do final da aula, quando o teto quase desaba. Não usou de performance nem de recursos de contação de histórias. Só leu. Ansiosos pelo próximo capítulo, os alunos sugeriram inverter a ordem – primeiro a leitura depois a matéria. Quando o livro acabou, pediram-no emprestado, em massa, mas só havia ali um mísero exemplar. "Não esperava tanto interesse."

A professora tentou passar o chapéu entre as autoridades, para comprar os livros, mas nada, até que a própria Índigo – ao saber de tudo por uma jurássica carta postada por Érica no Correio – mandou uma caixa de presente. Melhor, numa manhã de setembro, apareceu para uma visita. Nada mais natural para alguém que vinha trocando e-mails com aqueles leitores. Índigo, pode-se dizer, "é parte do processo". O episódio lembra o emocionante filme Escritores da Liberdade, estrelado por Hilary Swank. "Ocorreu de forma inocente. A gente adoraria repetir a experiência, mas esse tipo de coisa não tem método, acontece", comenta Érica. Os alunos agora também leem para idosos, entre outras atividades. Mas essa parte da história vai ficar para o Vivaleitura do ano que vem.

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