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Descendente de alemães, Alfredo Muhlstedt Neto divide a rotina entre os afazeres domésticos e o cuidado com a Capela Nossa Senhora dos Milagres | Felipe Rosa/Gazeta do Povo
Descendente de alemães, Alfredo Muhlstedt Neto divide a rotina entre os afazeres domésticos e o cuidado com a Capela Nossa Senhora dos Milagres| Foto: Felipe Rosa/Gazeta do Povo

Museu Improvisado

Santuário construído em morro tem até peças indígenas

Olhando de longe, ela se parece mais com um foguete prestes a levantar voo do que com uma capelinha. Além do formato curioso e da cor azulada que recebeu nos últimos dias, a Capela Nossa Senhora das Graças tem outras histórias curiosas de se contar. Ela foi construída em 1947 em agradecimento ao Brasil, pelo acolhimento dado aos imigrantes italianos.

Ainda durante o início das obras, no local mais alto de São José dos Pinhais, o Alto do Boa Vista, foi necessário achatar a ponta do morro para que fosse possível erguer a capela em uma base estável. Nas escavações, o italiano Giusepp Moro (que virou José Moro no Brasil) encontrou um sambaqui, com peças indígenas.

Conta Ari Moro, filho do italiano, que ali habitaram índios da tribo tingui e que, provavelmente, a machadinha e o bastão encontrados, entre outras peças, eram desses índios. A machadinha acabou virando peça de museu da capelinha e ganhou lugar de destaque perto da santa.

Por estar no ponto mais alto da Colônia Contenda, a capelinha de poucos metros quadrados (cabem espremidas umas dez pessoas) provou que veio para ficar. Em uma daquelas tempestades de "levantar" a colônia inteira, ela foi atingida por um raio que desceu pela cruz, entrou na capela e atingiu a santa no peito. "Nossa Senhora das Graças ficou só com um buraquinho. É incrível", conta Ari.

A igrejinha foi considerada patrimônio histórico pela prefeitura. Hoje é propriedade particular, mas está com as portas abertas para quem quer conhecê-la. (PM)

Origem

Assombrações e causos pitorescos envolvem igrejas

Quando a capela do Senhor do Bom Jesus foi construída, em 1895, em São José dos Pinhais, não existia nada ao redor. Aliás, no local onde ela está havia apenas uma árvore que, dizem, seria mal assombrada porque um vulto escuro aparecia ao lado e assustava os animais, principalmente os cavalos que eram o meio de transporte da época.

Um casal de italianos que vivia em uma fazenda próxima resolveu, então, dar fim à assombração: colocaram um pequeno quadro do Senhor Bom Jesus entre os galhos. Depois desse dia, o vulto nunca mais teria aparecido. Foi assim que surgiu a ideia de construir uma capelinha no local dedicada ao Bom Jesus.

Hoje, quem passa pela capela é capaz de nem percebê-la, pois foi engolida pela urbanização avançada – as casas estão praticamente coladas na capelinha. Apesar do pequeno tamanho, ainda recebe, todo dia 6, o movimento da Legião de Maria que reza o terço, às 9 horas. (PM)

  • Igrejinhas como a de Nossa Senhora do Rosário resistem ao tempo e ainda atraem fiéis
  • Igreja Nossa Senhora das Graças, em São José dos Pinhais

Todos os moradores sabem com quem fica a chave da igrejinha: é só se dirigir à casa do habitante mais velho para conseguir a benção e entrar em uma das centenas de capelinhas que ficam nas colônias da Região Metropolitana de Curitiba (RMC). É que o padre aparece ali uma vez ao mês e olha lá. Não há secretaria ou um funcionário da igreja, só o coveiro que fica responsável pelos cemitérios existentes ao lado ou aos fundos. As rezas ficam por conta da comunidade, que ora puxa o terço, ora a novena.

São também esses mesmos moradores os únicos que guardam na memória a história das capelas. Justamente porque foram eles mesmos que ergueram o imóvel santo no meio do nada. "Elas significam a união desse povo que foi viver em lugares tão isolados para a época, mas que trouxe do país de origem todo um simbolismo de fé", resume o arcebispo emérito da Arquidiocese de Curitiba, Dom Pedro Antônio Marchetti Fedalto.

Ainda não existe uma lista oficial de quantas são as capelinhas edificadas em morros de Campo Largo, Colombo, São José dos Pinhais, Piraquara e assim por diante. Há esforços da Cúria Metropolitana de Curitiba e da Diocese de São José dos Pinhais para isso. Já se falou, inclusive, em criar um caminho de turismo religioso nessas cidades.

Também pudera. Passar por ali é como voltar no tempo, lá no final do século 19 e início do 20, para entender que aquelas pequenas edificações foram responsáveis por organizar a vida de poloneses, ucranianos, italianos e alemães que ali se estabeleceram. "Elas são patrimônio não só pelo culto ou missa, mas pelo que elas congregam no seu entorno", diz o historiador Otavio Zucon, que trabalha com patrimônio histórico.

No pátio da igreja normalmente havia um galpãozinho de festas. Se o espaço não existisse, a festança ia parar até próximo do altar. "Os religiosos conseguiam uma ativa participação na vida política e administrativa local. Analisar cada uma das igrejinhas é observar como a vida se desenvolveu por ali", afirma a historiadora Maria Angélica Marochi, autora do livro De freguesia a diocese, a trajetória da igreja católica em São José dos Pinhais 1690-2007.

O valor arrecadado nas festas servia para ajudar a própria população em um momento de doença, na necessidade de um sepultamento, de um batismo ou casamento. Além da verba para garantir as repinturas e conservação da capelinha. "É um período em que a igreja intervinha em tudo, até na questão da educação dos filhos dos colonos. E os documentos de batizados, de casamento e de óbito valiam como registro civil, porque não tinha cartório ali perto", explica Maria Angélica.

Princípio

Uma das primeiras igrejinhas da RMC é centenária: a que existe na Colônia Rebouças, em Campo Largo, foi construída em 1878 depois que ali chegaram cerca de 150 imigrantes italianos. Poucos dias depois da chegada do grupo, uma epidemia matou 13 pessoas.

O médico de Curitiba Trajano Reis, que hoje é nome de rua na capital, foi deslocado para o local para ver no que podia ajudar. Não adiantou. Para os moradores, faltava mesmo construir a casa de Deus para salvá-los daquela maldição. Foi então que, em 25 de abril, dia de São Marcos, foi erigida a igrejinha no local, pelas próprias mãos dos imigrantes. Dias depois, todos os moradores estavam curados.

Repouso Final

Construções também serviam como cemitérios da colônia

É inacreditável que a apenas 30 quilômetros do Centro de Curitiba exista uma colônia como a Cachoeira, em São José dos Pinhais, onde mora o descendente de alemães Alfredo Muhlstedt Neto. A vida parece desacelerar com o canto dos pássaros e as estradas de chão. Ele nasceu ali e hoje vive em uma casa no terreno onde antes era a residência do pai. Logo à frente fica a Capela Nossa Senhora dos Milagres. "Fui ministro da igreja por muitos anos. Perdi as contas de quantas vezes abri aquela porta para os fiéis entrarem", conta Alfredo.

As missas já não são mais celebradas no ambiente. A construção restou para os mortos (velórios são feitos ali) e para aqueles que, vez ou outra, aparecem para conhecer a pequena igreja.

Aliás, muitas capelinhas das colônias têm uma íntima ligação com a morte, por receberem o cemitério da vila dentro, ao lado ou atrás da igreja. "É uma tradição portuguesa [dos anos 1700] de enterrar os mortos dentro da igreja ou bem ao lado dela porque, assim, seria mais fácil chegar aos céus", diz a historiadora Maria Angélica Marochi.

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