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Era início de noite quando uma aluna de Serviço Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) foi abordada por um homem que mandou que ela se dirigisse a uma sala vazia dentro do prédio do curso, no campus da Praia Vermelha. A jovem conseguiu se desvencilhar do assédio e foi procurar por ajuda. Sem vigilantes na unidade, acabou sendo amparada pela vice-diretora do curso, Sheila Backx — que, nas últimas semanas, divide a função da portaria junto com a de diretora.

A segurança não é o único setor com problema na universidade. Os serviços de portaria e limpeza, prestados por firmas terceirizadas, também estão a descoberto por falta de pagamento dos funcionários. Ontem, a interrupção culminou na suspensão das aulas em algumas unidades, como a Escola de Comunicação (ECo), a Faculdade Nacional de Direito (FND) e a Escola de Educação Infantil. O Colégio de Aplicação (CAp) anunciou que vai interromper as atividades amanhã. Somente os alunos do 3º ano do ensino médio permanecerão tendo aulas.

No caso da limpeza, a falta de funcionários revela situações inusitadas. O próprio diretor da ECo, Amaury Fernandes, já limpou o banheiro enquanto a vice-diretora desentupia um dos vasos sanitários. E o acúmulo de funções não se limita aos dois. Técnicos e professores passaram a agir além das suas obrigações, na portaria e na administração de equipamentos que são emprestados aos alunos.

A ausência de cuidados já gerou duas vítimas. Dois funcionários de um mesmo setor contraíram dengue recentemente, e a administração do campus já entrou em contato com prefeitura para registrar a presença de focos do mosquito transmissor da doença.

“A crise agora é aguda, mas a situação é crônica. Meu sentimento de impotência não cabe dentro desta sala”, afirmou Fernandes, durante a congregação da unidade, em que foram revelados dois furtos envolvendo equipamentos da escola. “A população marginal está percebendo a fragilidade da escola. Tomamos essa decisão para não expor a vida de servidores e alunos a risco. Houve um desmantelamento nos últimos anos, com o qual é extremamente complicado conviver”, disse.

A crise começou no início deste ano, com o corte de verbas promovido pelo governo federal. Antes da aprovação do orçamento para 2015, as instituições só podiam utilizar 1/18 da verba de custeio, usada majoritariamente para pagar os serviços de terceirizados. Com a vigência do novo orçamento, a reitoria da UFRJ afirma que o Ministério da Educação (MEC) ainda faz repasses mensais inferiores ao acordado.

“A Reitoria está, desde sexta-feira, em contato com o MEC para obter recursos imediatos a fim de assegurar a realização das atividades acadêmicas”, afirmou Carlos Levi, reitor da instituição, em nota.

As verbas devem chegar até quarta-feira, porém, segundo Roberto Leher, professor que foi eleito reitor na última semana e que tomará posse em julho, é necessário renegociar com o governo o projeto de expansão da universidade. “Nós pactuamos com o MEC, em 2007, a expansão das universidades. Na UFRJ, aumentamos 55% das matrículas, mas o número de técnicos só cresceu 10%. Além disso, nossas verbas de custeio são inferiores aos valores de 2011. É necessário repactuar o processo de expansão. Precisamos de recursos compatíveis com essa nova realidade”, afirmou.

Futuro reitor critica terceirização

Crítico da terceirização dos serviços nas universidades, Leher sabe que a negociação com o MEC não será fácil, mas acredita que a discussão pode gerar um debate sobre a posição da educação em tempo de cortes.

“A educação não pode pagar o preço do desajuste das contas públicas. São cortes que comprometem o futuro da nação. Ampliamos as vagas, agora temos que consolidar a permanência. O aluno precisa ter ambientes e condições que lhe permitam frequentar as aulas, como salas de leitura e restaurante universitário. Nessa lógica, o vigilante, por exemplo, tem que ser alguém que conheça o local e que possa criar uma relação com a instituição. Não pode ser alguém que será trocado rapidamente”, afirmou o futuro reitor.

É esse ambiente em boas condições que Tamires Andrade, caloura de 17 anos, pretendia encontrar ao entrar na faculdade. “Eu moro em São Gonçalo, perdi a viagem e a passagem até aqui para saber que não teremos aula. É triste ver como o governo está tratando as universidades. Eles priorizam tudo, menos a educação”, criticou.

Apesar da frustração com a paralisação das aulas, os alunos apoiaram a medida tomada pela diretoria da escola. De acordo com eles, a situação era insustentável e interromper as atividades pode fazer com que o caso seja resolvido. “Claro que queremos ter aula e que é muito ruim que isso esteja acontecendo, mas o que está ocorrendo com os terceirizados é insustentável. Não pode continuar. Estou no primeiro período, então, é um pouco frustrante. Mas a medida de parar as aulas foi necessária”, comentou Gabriela Bourdette, aluna da ECo.

A volta às atividades depende da retomada dos serviços, o que pode ocorrer amanhã. Porém, cada unidade vai marcar sua reunião para definir a data da volta. Outros centros, como o Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, também farão reunião para decidir se vão interromper suas atividades.

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