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O Brasil se orgulha de ser o quarto país do mundo na reutilização do plástico e o líder no ranking da reciclagem de latas de alumínio, bem à frente de países como Estados Unidos, Dinamarca, Noruega e Suíça. O reaproveitamento de latas, por exemplo, chegou a 96,2% no ano passado, índice de dar inveja a qualquer país desenvolvido. Mas esses números escondem uma realidade vergonhosa que coloca o Brasil na ponta de outro ranking, este nada elogiável. Parte dos seus 130 mil sucateiros é composta de crianças. No Paraná, 13.º no quadro nacional do trabalho infantil, uma parcela do total de 175.727 trabalhadores mirins atua como catadores de lixo. Há cinco anos eles eram 3.370 no estado. Hoje ninguém sabe ao certo quantos são.

Relatório de 2001 da Procuradoria Regional do Trabalho, com sede em Curitiba, trazia Londrina em primeiro lugar com 145 crianças atuando de forma irregular nas ruas como carrinheiros, seguida de Campo Mourão, com 109 catadores infantis, e da capital, com 108. Ao todo, eram 3.370 meninos e meninas abaixo de 14 anos em 177 municípios. O estudo foi feito pela procuradora do Ministério Público do Trabalho e do Núcleo de Combate a Exploração do Trabalho Infantil no Paraná, Margareth Matos de Carvalho, cruzando dados do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti), do Unicef e dos conselhos tutelares.

Ponta do iceberg

Apesar do esforço, o documento ainda não conseguiu retratar a questão em toda sua dimensão. Os carrinheiros infantis são a ponta de um iceberg de problemas que tem crescido no Brasil. Após 14 anos de queda, a taxa de ocupação de crianças e jovens de 5 a 15 anos aumentou de 2004 para 2005, conforme dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Há que se ponderar que o aumento se deveu, em partes, à inclusão de crianças que trabalham na área rural da região Norte do país e que não apareciam nas pesquisas anteriores.

No ano passado havia 2,9 milhões de pessoas nesta faixa etária trabalhando no país, acréscimo de 120 mil de um ano para o outro. Neste cômputo entra todo tipo de trabalho infantil, do malabares nos faróis à atividade no meio rural. De todos os paranaenses de 5 a 15 anos, 8,56% trabalham. O Piauí lidera o ranking com 17,11%, mas em números absolutos fica atrás do Paraná, com 116.649 crianças trabalhando. Minas Gerais tem o maior número absoluto (301.411), mas proporcionalmente fica em 17º lugar, com 8,01% do total de crianças trabalhando.

No Brasil, 7,8% de toda a população entre 5 e 15 anos trabalham, o que corresponde a um número absoluto de 2.934.724 de meninos e meninas. O trabalho é permitido no país a partir dos 16 anos, ainda assim na condição de aprendiz para os maiores de 14 anos. No caso de crianças que catam lixo nas ruas, essa atividade é considerada trabalho infantil na sua pior forma, porque a criança está sujeita a uma série de riscos. Desde 2000, o Brasil é signatário da Convenção 182 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que trata das piores formas de trabalho infantil, se comprometendo a eliminá-la.

No contrafluxo dos números, um estudo do Ministério do Desenvolvimento Social diz que a prática tem diminuído. Uma das causas seria o Peti, criado em 1996, que hoje distribui 1,1 milhão de benefícios às famílias que mantêm os filhos de 7 a 15 anos na escola. O valor é de R$ 40 para crianças da área urbana e R$ 20 para as da zona rural. A meta é retirá-los de trabalhos perigosos, penosos, insalubres e degradantes, oferecendo atividades artísticas, esportivas e educacionais no contraturno escolar. O Paraná tem 47.820 crianças incluídas no Peti, mas não há limite para novas inclusões, diz o secretário de estado do Trabalho e Ação Social, Émerson Nerone.

Para Nerone, se há incidência de crianças na coleta de lixo reciclável é porque os pais desconhecem o Peti. A inclusão é feita pelos municípios. Em Curitiba, há 3.874 crianças incluídas no programa, 1.953 em Londrina e 340 em Campo Mourão, as três que despontavam no relatório da Procuradoria Regional do Trabalho. Aqueles números, porém, já mudaram. De acordo com a secretária municipal de Assistência Social de Londrina, Maria Luiza Amaral Rizotti, hoje não há mais crianças nos lixões e raramente se vê alguma acompanhando os pais carrinheiros. Na cidade, 25 mil famílias estão incluídas em algum programa social, entre eles o Peti e o Bolsa-Família.

"Formiguinha"

Não é pouca coisa o trabalho dos carrinheiros. O Brasil recicla 127,6 mil toneladas do material por ano, de acordo com a Associação Brasileira de Alumínio (ABA) e a Associação Brasileira dos Fabricantes de Latas de Alta Reciclabilidade (Abralatas). Só no caso das latinhas, a reciclagem ajuda o setor a poupar cerca de R$ 30 milhões por ano.

Sem dúvidas a reciclagem é importante para o meio ambiente, mas o trabalho dos catadores, adultos e crianças, está mais ligado à exclusão social do que à consciência ambiental, diz a socióloga Isa Maria de Oliveira, do Fórum Nacional de Erradicação do Trabalho Infantil. Neste contexto, a mão-de-obra infantil realimenta um ciclo vicioso em que a maior vítima é a própria criança. O trabalho põe em risco sua escolaridade e amanhã ela será um adulto sem perspectiva de inclusão social. Nas ruas, aponta Isa, há ainda os riscos de aliciamento pelo tráfico de drogas ou pelas redes de exploração sexual para fins comerciais.

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