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O curitibano Henrique Paulo Schmidlin calcula que tinha 15 anos de idade quando cruzou o Caminho do Itupava pela primeira vez. Era a década de 40 e, sem saber, o garoto estava fazendo uma viagem sem volta. Pode-se afirmar que ele nunca mais retornou para casa. Bem que tentou. Cursou faculdade de Direito, defendeu causas criminais, deu pareceres aqui e ali, atuou em secretarias de estado, mas nada que o transformasse no doutor Henrique, de terno e gravata (a sua é borboleta, uma marca registrada).

Para todos os que o conhecem ele é o Vitamina – nome de guerra dado pelos montanhistas, ao qual faz justiça subindo e descendo o Itupava como se estivesse brincando de saltar degraus. Do alto de seus 77 anos. No dia em que a reportagem da Gazeta do Povo fez o caminho, em companhia do advogado, ele adiantou o expediente, chegando feito um cisco ao topo do trecho escolhido. Lá de cima, aproveitou o eco para enviar palavras de ânimo aos que penavam para escalar alguns dos ângulos mais infernais da Serra do Mar.

Todos venceram o programa da expedição, mas, para Vita, as quatros horas e meia de caminhada previstas renderam um flagrante de exploração de palmito, ligações para a Polícia Militar, anotações no inseparável bloquinho e um saco de plástico cheio de embalagens de bolachas e barras de cereal consumidas pela pequena comitiva. Como bem di-zia a vovozinha, palavras comovem, exemplos arrastam. Tem sido assim nos últimos 60 anos, tempo em que se tornou uma peça de resistência da Serra do Mar e, por tabela, do Itupava. Tanto que sua identidade de homem do Direito é quase desconhecida. O doutor Henrique Schmidlin que existe de fato é um ambientalista, com uma vasta folha de serviços prestados ao meio ambiente e à história do estado, além de um habitué da mata.

Uma de suas primeiras grandes contribuições de vulto foi a demarcação do Caminho das Tropas, ainda na década de 80, o que lhe atiçou a vontade de fazer o mesmo com as demais trilhas do Paraná Tradicional. A partir de 1992, passou a trabalhar no resgate da Estrada da Graciosa, do Arraial – que levava da Colônia Muricy à Lapa – e no Itupava, preparando terreno para o projeto que seria realizado pelo programa Pró-Atlântica. Acabou, por essas e outras, se tornando curador do Patrimônio Ambiental do governo, mas sem deixar de repetir a aventura que um dia fez o garoto de 15 anos. Daí a impressão de que conhece cada pedra do meio do caminho, o que fez dele fonte primeira do restauro.

As informações que passa são precisas e recheadas de episódios envolvendo tropeiros e personagens do passado, como Afonso Botelho, espécie de urbanizador da trilha, no século 18. Schmidlin, por exemplo, é capaz de apontar boa parte dos 30 sítios arqueológicos em que havia engenhos de erva-mate às margens do Itupava e até o ponto em que se cobrava um pedágio. "Levava-se dois ou três dias para chegar a Borda do Campo, onde os jesuítas tinham uma fazenda. Muitos carregadores levavam pianos nas costas", ilustra. Discorre, na seqüência, sobre a fúrias dos rios São João e Taquaral, dois dos que costumam pegar visitantes desavisados ao provocar dilúvios em pouco mais de uma hora. "Havia riscos, como tentar atravessar sem levar em conta a força das águas. Ou desviar pela linha do trem", explica.

Além de ser uma versão moderna de viajantes como Langsdorff, Spix e Martius, Vita é o tipo de homem que não manda recados. Ele é crítico da dificuldade que a nova geração de montanhistas enfrenta com o aumento das passagens de trem, o que fez diminuir o número de rapazes e moças que se iniciavam na preservação da natureza subindo o Anhangava, o Marumbi e trilhando a Graciosa e o Itupava – ainda que em condições muitas vezes deploráveis. Ocupar, para o veterano, é a melhor maneira de preservar. Para quem tiver dúvidas se vale a pena, ele com certeza vai mandar ecos lá de cima. (JCF)

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