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Manhã de domingo, lembro bem do sol entrando na sala de jantar pelas cortinas de renda feitas com tanto esmero pela minha mãe. Junto à mesa – poucas vezes usadas para jantares –, estava meu pai que sagradamente se sentava ali para ler o jornal. Esta é a primeira lembrança que tenho da Gazeta do Povo, quando meu pai se aquietava por uma ou duas horas de sua agitada vida de trabalho e com o semblante sério folheava todos os cadernos do jornal.

Até meus 11 ou 13 anos essa é a lembrança serena que eu tenho da Gazeta. Pois existe a lembrança repressora em que o jornal também era usado. Coisa de pai experiente nos caminhos da educação doméstica quando nos dava uns safanões pelas costas com o jornal bem enrolado.

Foi também com esta idade que numa manhã de domingo, meu pai falou: "Filho, agora a Gazeta tem um jornal para você também!". Era o lançamento da Gazetinha. Me debrucei sobre o tapete mesmo e passei a folhear o jornal com um ar bem sério, tal qual meu pai fazia.

Dentre todos os assuntos, um concurso de desenho me chamou a atenção. Desde a mais tenra idade demonstrei possuir um dom natural para o desenho, tanto que hoje faço dessa habilidade minha profissão. Por isso, tinha de ganhar o concurso.

Feito o desenho pedi para que meu pai enviasse para a Gazeta do Povo e passei o resto da semana com muita ansiedade, refletindo várias vezes se havia cometido algum deslize.

Qual não foi a minha surpresa quando, no domingo seguinte, vi impresso na capa da Gazetinha o meu desenho. Tinha conquistado o primeiro lugar e, para a retirada do prêmio, coloquei a minha melhor camisa, lustrei o sapato e lembro que minhas mãos suavam muito no trajeto até a Praça Carlos Gomes. Bastava olhar para minha mãe e saber o quanto ela estava orgulhosa com o meu feito. Recebi um jogo de tintas tipo guache de fabricação holandesa num estojo metálico que se abria em três camadas, algo caríssimo, de uso profissional, que usei até alguns anos atrás.

E não parou por aí. No domingo seguinte, estampado internamente na Gazetinha, estava minha foto recebendo o prêmio. Após ganhar cumprimentos de toda a família, foi a vez de encarar os colegas do Colégio Militar. Fui empurrado, prensado e xingado de coisas que meu curto vocabulário de palavrões não alcançava. Mais tarde soube que minhas atitudes não condiziam com o universo masculino estudantil de um pré-adolescente da época. O fato marcou, mas não me abalou, e eu fui amadurecendo de acordo com a minha faixa etária, sem me importar com que os outros pensavam.

Hoje observo meus filhos com a mesma idade. Vivem absortos em celulares, computadores e videogames e me pergunto se realmente os tempos mudaram, se a inocência segue o padrão da educação recebida no meu lar ou se o meio estudantil ou a televisão continuam impondo padrões a serem seguidos. Tento direcioná-los pelo melhor caminho e guardo com muitas saudades aqueles saborosos momentos de glória que vivi junto à Gazeta do Povo.

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