• Carregando...
Fernando Machado lê carta enviada por detento no programa Hip Hop Roots: “Isso ajuda a enfrentar a barra lá dentro” | André Rodrigues/ Gazeta do Povo
Fernando Machado lê carta enviada por detento no programa Hip Hop Roots: “Isso ajuda a enfrentar a barra lá dentro”| Foto: André Rodrigues/ Gazeta do Povo

FM 98,3

Na Rádio Comunitária Cidade Industrial FM, a mais ouvida da Vila Verde, ainda trabalham mais sete pessoas. Entre elas Mônica Felippe, programadora e esposa de Fernandinho; Freddy Pinheiro, "repórter de rua" e vencedor do Prêmio Sangue Novo de Jornalismo, do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Paraná, no ano de 2009, com o programa Raízes do Rap; e Ney Lopes, vice-presidente da rádio e fã do Hip Hop Roots. "A interação com as famílias é o melhor", diz Ney. Provando que nada é por acaso, o slogan da rádio é "Primeiro Lugar no Coração da Cidade".

  • Fernandinho e a galera da rádio: donos do pedaço na Vila Verde
  • Por semana, cerca de 20 cartas chegam à rádio

Com a grande corrente de ouro balançando no pescoço, ele sai da Rádio Comunitária Cidade Industrial, passa rapidamente em frente à UPS da Vila Verde e logo é descoberto: "Fernandinho! Manda um salve pra mim!", grita uma moça que carrega seu bebê e anda com calma pela Rua Beato Pedro Donders, na Cidade Industrial de Curitiba. Ali, Fernandinho do Morro é o cara. Reconhecido e admirado por toda a gente, porém, ele é tão ou mais lembrado por quem está momentaneamente invisível, atrás das grades.

VÍDEO: Conheça a Rádio Cidade Industrial por dentro e ouça uma música do grupo de rap de Fernandinho do Morro

Fernando Machado, 34 anos, é apresentador do programa Hip Hop Roots, que há três anos é capaz de parar o mundo na CIC entre as 21 horas e a meia-noite de sábado. Além de promover o rap nacional e local, Fernandinho tem uma importante e – muitas vezes emocionante – missão semanal. É que, entre um salve e outro, ele atende telefonemas de parentes de encarcerados. Mães que não veem os filhos, filhos que estão longe dos pais e irmãos que querem matar a saudade e, dessa forma, encurtar o tempo até a próxima visita. "O telefone ‘bomba’ direto. O mais difícil é quando você ouve uma criança falando do pai que ela nunca viu. Emociona demais." Fernandinho chora pela primeira vez.

A frequência 98,3 FM provavelmente é a mais conhecida nas penitenciárias do Paraná. Os presidiários ouvem seus familiares por meio de um rádio colocado no corredor, no meio das celas. "Isso ajuda a enfrentar toda a situação lá dentro", garante Fernandinho, nascido no "morro" do Sabará.

Com o sucesso do programa, o caminho de volta começou a acontecer. Cartas escritas pelos presos, que passam primeiramente pela censura das penitenciárias, são enviadas até a rádio por meio do projeto Carta Social, dos Correios. Cerca de 20 chegam por semana até as mãos de Fernandinho. Ele lê uma por uma. "Começou lá no 11.º Distrito [Policial], em 2009. A gente fez uma caixinha e os presos colocaram suas cartas. Isso com certeza ajuda no comportamento do preso lá dentro", diz esse paranaense de Campo Mourão, que é ex-detento, mas não gosta muito de falar da experiência atrás das grades. "Não paro de chorar, vou usar os óculos agora", justifica. Ele não ganha por seu programa na rádio e trabalha carregando e descarregando caminhões.

É só uma fase

As cartas que chegam quase sempre começam com um "salve". Os nomes dos presos viram apelidos como Bola, Shampoo, "Pexe", Leno e Paulista. Nas mensagens, brincadeiras com os companheiros de celas, menções à família, clamorosos pedidos por advogados e por CDs de grupos de rap. No final de algumas cartas, há frases em letras estilizadas que de certa forma resumem a permanência naquele mundo, como "O tempo ruim vai passar, é só uma fase", "Quem inventou as grades não sabe a dor da saudade", e "Sobrevivendo no inferno".

"Quando cortam o rádio é porque algum problema está piando"

O filho de Renato Régio, 53 anos, ficou detido na Casa de Custódia de Curitiba por pouco mais de quatro anos. O programa de Fernandinho do Morro foi descoberto logo depois que o filho, então com 21 anos, deu entrada no presídio. "É a maneira que tínhamos de nos comunicar com ele, que vivia ansioso por causa do andamento do processo", conta Renato. Hoje ele não liga mais para Fernandinho, já que o filho saiu da penitenciária. Mas lembra com detalhes daquele tempo.

"Eu ligava e o Fernandinho atendia. Ele colocava uma música doida, mas isso nem importava. Eu queria era falar com meu filho e saber que ele estava ouvindo." Fernandinho do Morro recebe ligações de várias regiões de Curitiba – "até do Batel", diz –, de cidades do interior e também de outros estados.

A comunicação através do rádio e das cartas também serve de termômetro sobre a quantas anda a situação no presídio. Quando o filho não recebia a carta na semana seguinte comentando sobre o seu telefonema, lembra Renato, algo estava errado. "Se estão ouvindo o rádio, é sinal de que está tudo bem. Quando cortam, é porque algum problema está piando".

(function(d, s, id) { var js, fjs = d.getElementsByTagName(s)[0]; if (d.getElementById(id)) {return;} js = d.createElement(s); js.id = id; js.src = "//connect.facebook.net/pt_BR/all.js#appId=254792324559375&xfbml=1"; fjs.parentNode.insertBefore(js, fjs); }(document, 'script', 'facebook-jssdk'));

Vida e Cidadania | 3:53

Por meio de um programa na rádio comunitária da CIC, Fernando Machado, o Fernandinho do Morro, promove o contato entre familiares e aqueles que estão atrás das grades. Os presos enviam cartas; os parentes mandam mensagens ao vivo por telefone.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]