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A prioridade ao transporte coletivo é essencial para a sobrevivência das grandes cidades, cada vez mais preocupadas em atender aos automóveis e menos com a qualidade de vida do cidadão. O maior entrave para a mobilidade urbana está na opção por um modo individual de locomoção - o carro - em detrimento do sistema público de transporte. A avaliação é do secretário nacional de Transporte e da Mobilidade Urbana do Ministério das Cidades, José Carlos Xavier, que está percorrendo as capitais para discutir o anteprojeto de lei que pretende corrigir essas distorções. "O problema não é ter um automóvel, mas saber como usá-lo", diz.

Na opinião do secretário, o transporte coletivo brasileiro é muito caro para quem paga e muito barato para garantir a qualidade que se espera dele. Uma alternativa seria a subvenção do governo, sobretudo municipal, para garantir mais qualidade e assim, mais usuários.

Xavier observa que experiências no mundo todo indicam a necessidade de restrição de circulação dos automóveis para evitar o caos no trânsito. Para ele, quem optar pelo seu modo individual de transporte tem de pagar por isso.

O anteprojeto de Lei da Mobilidade Urbana foi discutido em Curitiba no último dia 8, depois de passar por Fortaleza (CE) e Vitória (ES) e antes de chegar a Goiânia (GO) e São Luís (MA). Depois de debater as propostas em todo o país, o Ministério das Cidades enviará o projeto ao Congresso Nacional. Veja a seguir os principais trechos da entrevista com o secretário José Carlos Xavier

Por que o governo decidiu agora fazer um projeto de lei para interferir no sistema de transporte coletivo no país?

Não existe no Brasil uma lei maior que trate do transporte público. Por isso, estamos discutindo esse ante-projeto do governo federal, partindo da visão de que a mobilidade e o meio de transporte não são um fim em si. O fim é o direito à cidade, sendo os meios de transporte um modo de o cidadão exercer seus direitos. O direito ao lazer, ao trabalho, à educação, à saúde, de visitar os familiares. O projeto de lei trata das questões da mobilidade envolvendo automóveis, ônibus, trens, com prioridade para o transporte coletivo e os meios não-motorizados. Nas regiões metropolitanas o cidadão está andando muito a pé e encontra dificuldade porque as cidades se preocupam muito com as pistas dos automóveis, com a fluidez do trânsito, e se preocupam menos com a segurança e a qualidade de vida do cidadão.

Qual o maior entrave para a mobilidade nas grandes cidades?

O maior entrave está na opção por um modo individual de transportes. Em praticamente todas as cidades, no orçamento há dinheiro para asfalto, para ampliação do sistema viário dos automóveis, mas poucas têm orçamento para o transporte coletivo. Priorizar o transporte coletivo é essencial para a vida das cidades.

Sob essa ótica, quem tem carro recebe mais investimento público indireto do que quem anda de ônibus. Isso não seria um incentivo ao aumento da frota de carros? Não teríamos, então, uma espécie de reação em cadeia alimentada por essa opção de transporte individual?

É exatamente o que acontece. Temos três conseqüências dessa opção, e que não podem ser imputadas simplesmente como ônus do progresso. Temos congestionamento, poluição e acidentes, que serão resolvidos não só pelas coisas implícitas ao trânsito (segurança, engenharia, educação), mas também pela construção de uma cidade adequada. Se fizermos uma opção pelo transporte coletivo com sistemas que atraiam as pessoas, vamos tirá-las dos congestionamentos. O ônibus cheio transporta mais gente do que 80 carros. Isso diminui a poluição e reduz o risco de acidente, já que o fluxo de veículos também cai.

Então o automóvel tornou-se um problema?

O problema não é ter um automóvel, o problema é saber como usá-lo. Ao não fazermos esse debate do uso do automóvel, estamos passando um sinal para as pessoas que todo mundo pode ter seu carro e colocá-lo num sistema viário que é limitado. A cidade não tem como expandir esse sistema indefinidamente. Nem em cidades de países com uma capacidade de investimento muito maior que o Brasil podem fazer isso. Os Estados Unidos estão revendo sua mobilidade porque se esgotam as possibilidades de mais viadutos, mais túneis, mais elevados ao longo das vias urbanas, deteriorando a vida da cidade a um custo altíssimo para dar sustentação ao automóvel.

A melhor alternativa seria, então, reduzir a frota em circulação? Para isso não seriam necessárias medidas restritivas?

Experiências no mundo todo indicam a necessidade de restrição de automóvel. O governo federal não pode decidir sobre opções locais, de restrição, de racionalização. Mas pode, através de uma lei federal, abrigar iniciativas que os prefeitos eventualmente tomem nesse sentido. A lei prevê um mecanismo de bonificação ou penalização pela opção individual de uso de transporte que é oneroso para a cidade. Quem opta por usar seu carro em todas as circunstâncias, está contribuindo para agravar os problemas de trânsito. Então estamos propondo mecanismos na lei que garanta a eqüidade no uso da cidade ou no uso do espaço viário. E esses mecanismos permitem aos prefeitos tomarem decisões sobre racionalização.

Mas isso não fere os direitos do cidadão que possui carro?

Talvez choque aos proprietários a visão de que o uso do automóvel precisa ser taxado. Enfrentamos debates se isso não fere direito individual das pessoas. Ninguém questiona o direito de ir e vir, o direito de ter acesso às cidades. O que cabe aos prefeitos é escolher a melhor forma. O ideal seria que as cidades estruturassem o sistema de transporte para que todos pudessem andar de ônibus, ou de trem, e quem optasse pelo transporte individual arcasse com esse ônus. Em São Paulo usa-se o rodízio (a cada dia, dois finais de placa são proibidos de circular no centro), em Cingapura existe o pedágio urbano, em Londres também, Paris está usando outros mecanismos de restrição em determinadas áreas. Então cada cidade vai discutir e fazer sua opção.

Então, os donos de carro acabam contribuindo de alguma forma para a melhora do sistema do transporte coletivo.

Exatamente. Pode ser através de pagamento ou de forma indireta, com a diminuição do orçamento público para ampliação viária, construção de viadutos, túneis e outros serviços voltados mais para a classe média, maior detentora de veículos. Se diminuirmos essas imposições ao orçamento, teremos condições de destinar recursos para fortalecer o transporte coletivo. Então, não precisamos necessariamente taxar o automóvel. Esta é uma opção, mas não a única.

Já que o transporte coletivo não tem a qualidade desejada, pelo menos ele tem um preço justo? É caro ou barato?

O transporte coletivo brasileiro é caro para quem paga, especialmente para o usuário de baixa renda que depende das redes de transporte, e é barato para garantir a qualidade que teria de ter para atrair mais gente. Ele não se sustenta porque é financiado só pela tarifa paga pelo usuário. No mundo inteiro, onde temos transporte bom, como Paris, Cidade do México, Japão, Estados Unidos e a Europa toda, o transporte é subsidiado, ou pelo governo federal ou por estados e municípios. O estado vai aceitar pagar parte da conta?

Hoje o governo federal está debatendo com prefeitos e governadores uma forma de subvencionar o sistema de transportes, mas subvencionar de forma que reduza a tarifa para o usuário pagar e que financie a melhoria do sistema de transporte. O custo não pode ficar só para o usuário.

Há algum estudo do Ministério das Cidades que aponta modelo de uma cidade que possa ser usado em outras?

Temos um diagnóstico onde há soluções adequadas. Um sistema integrado, onde modos de maior capacidade de transporte se articulam com modos menores, racionaliza a rede, reduz os custos. Nesse sentido, o modelo de Curitiba é bastante adequado. Dependendo da cidade, pode-se ter veículos menores, como vans, alimentando redes massivas, mas não se pode admitir que o transporte seja regulado pelo mercado. Em cidades brasileiras onde a informalidade é grande, milhares de autônomos estão numa guerra dos centavos, provocando caos, acidentes, sem resolver o problema de transporte da população.

E como se dá o gerenciamento desses sistemas? É satisfatório?

Do ponto de vista institucional, temos um problema. Em regiões metropolitanas há uma superposição entre gestões estaduais e municipais. Em várias capitais temos redes de transporte que se superpõem, estaduais e municipais. E temos duas experiências muito boas, uma de Recife, em que um consórcio metropolitano entre o estado e os municípios de Recife, Olinda, Jaboatão, Camaragibe estão se articulando para fazerem a gestão do transporte coletivo. Outra cidade que pode servir de exemplo é Goiânia, onde também há uma gestão metropolitana.

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