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“Acham que somos todos iguais e que não existe discriminação. Não posso tratar de forma igual quem viveu explorado por 500 anos.” Jaime Tadeu, militante da Associação Cultural de Negritude e Ação Popular | Rodolfo Bührer/Gazeta do Povo
“Acham que somos todos iguais e que não existe discriminação. Não posso tratar de forma igual quem viveu explorado por 500 anos.” Jaime Tadeu, militante da Associação Cultural de Negritude e Ação Popular| Foto: Rodolfo Bührer/Gazeta do Povo

Acesso à educação e à terra contra o preconceito

Para combater o racismo existente no Brasil, é preciso agir justamente nos dois pontos principais retirados do projeto: acesso à educação e à terra. Esta é a opinião do antropólogo José Jorge de Carvalho, Ph.D em Antropologia Social pela The Queen’s University Of Belfast e professor da Universidade de Brasília (UNB). Carvalho argumenta que a regularização fundiária das terras quilombolas é ponto central no combate à grilagem e caminha para o fim dos graves conflitos envolvendo latifundiários e remanescentes de quilombos. "Estudos comprovam que o que ocorreu no século 20 foi justamente a diminuição da extensão de terras dos afrodescendentes em função dos grileiros."

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"Vejo um mal-estar enorme nessa lei"

O Estatuto da Igualdade Racial propõe uma divisão racial da sociedade brasileira que não existe. É assim que a historiadora Mônica Grin, doutora em Ciência Política e professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), vê a legislação aprovada pela Câmara. "Vejo um mal-estar enorme nesta lei. Ela supõe que a sociedade se divide em duas raças, que a população se define assim, quando na verdade há muita diversidade de pensamento." Ela argumenta que as questões envolvendo o Estatuto são muito complexas e devem ser analisadas com muito rigor. "Em relação às comunidades quilombolas, por exemplo, como é o critério da autodeclaração? Então todos que se autodeclaram vão ter acesso à terra?"

Mônica argumenta que as reivindicações presentes no Estatuto já estão sendo implantadas no Brasil. "Usar o conceito de raça é como usar o próprio veneno como antídoto. É estabelecer que o sujeito de direitos é a raça e não o indivíduo." Para ela, querendo ou não, ao se dividir o Brasil em dois, promove-se o racismo. "O processo pelo qual nosso país passou é muito diferente do que ocorreu nos Estados Unidos e na África do Sul." A historiadora afirma que nesses locais havia uma raça que se autoproclamava suprema e que aqui essas questões foram diluídas pelos hábitos e pela estrutura social. "O que precisamos fazer é destruir esses conceitos e não incentivá-los."

O deputado federal paranaense Abelardo Lupion (DEM) foi um dos principais articuladores na Câmara para que os pontos de discórdia ficassem de fora do projeto. "A regularização fundiária já está prevista na Constituição Federal." Lupion argumenta que mudar esse marco e dar a posse de terras a pessoas que ocupam áreas hoje seria violar a propriedade privada. "Há um processo legal a ser seguido. Então qualquer um pode chegar em uma propriedade e dizer isto é meu?", questiona.

Lupion também é crítico das cotas raciais. "Há brancos, amarelos e índios que estão na pobreza. Por que cotas só para os negros?". (PC)

Ativistas do movimento negro afirmam que a aprovação do Estatuto da Igualdade Racial não traz mecanismos práticos para a redução das desigualdades no Brasil. O texto foi aprovado na Câmara dos Deputados na quarta-feira e sofreu diversas modificações desde o projeto inicial. A matéria tramita no Con­gresso há dez anos e a base governista teve de abrir mão dos pontos principais para tirá-la da gaveta. Ficaram de fora a criação de cotas nas universidades públicas e a regularização de terras quilombolas. A votação ocorreu em caráter conclusivo e o texto segue agora para o Senado.

O deputado Antônio Roberto (PV-MG), relator, queria ter aprovado o projeto em maio, mas suspendeu a votação para negociar com os líderes da oposição quatro pontos principais. O primeiro era a questão quilombola. Pelo texto inicial, descendentes de comunidades negras teriam assegurado o direito de regularização fundiária das terras ocupadas. O segundo ponto era a criação de cotas em todas as universidades públicas brasileiras de acordo com o porcentual de negros de cada estado. Em terceiro lugar estava a exigência de um porcentual mínimo de afrodescendentes nos meios de comunicação. E, por fim, o favorecimento de empresas com ações afirmativas (incentivo à contratação de afrobrasileiros, por exemplo) em licitações públicas. Todos os pontos de discórdia foram retirados.

Para os militantes, houve a supressão das principais ações que poderiam trazer mudanças imediatas para a população negra. Foram aprovadas questões relativas à saúde dos afrodescendentes, discriminação na internet e liberdade religiosa. "Foi uma derrota muito grave. O governo abriu mão da negociação. É uma lei para inglês ver", afirma Reginaldo Bispo, coordenador nacional de organização do Movimento Negro Unificado, um dos principais movimentos sociais do Brasil em prol das ações afirmativas. Para ele, o Estatuto será inoperante e uma armadilha eleitoreira para 2010.

Um dos principais argumentos de quem era contrário à aprovação desses pontos na nova legislação é que esse seria um marco divisor do Brasil em raças. Já os críticos desse pensamento afirmam que o país sempre foi dividido entre negros e brancos. "Há 500 anos é assim. Até hoje, as classes populares tiveram poucos ganhos", argumenta Bispo. "A aprovação reflete a desigualdade social. O Estado continua a beneficiar uma elite branca."

No Paraná, a Associação Cul­tural de Negritude e Ação Popular (ACNAP) também lamentou a aprovação do Estatuto sem os pontos considerados principais. "A questão das cotas é primordial. Aqui na Universidade Federal do Paraná, por exemplo, conseguimos colocar 2 mil negros no ensino superior em cinco anos. Imagine esse processo em todo o país?", diz o militante Jaime Ta­­deu. Ele argumenta que há relutância de determinados setores da sociedade em reconhecer a desigualdade. "Acham que somos todos iguais e que não existe discriminação. Não posso tratar de forma igual quem viveu explorado por 500 anos." Para Tadeu, somente a possibilidade de incentivos fiscais e recomendação de mais investimentos – e não uma lei determinando isso – não farão grande diferença no cotidiano dos negros.

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Principais pontos

Confira como ficou o Estatuto da Igualdade Racial:

O QUE FOI APROVADO

Política

Partidos serão obrigados a ter 10% de negros, e não 30% como era previsto anteriormente, entre os candidatos nas eleições proporcionais.

Saúde

O Sistema Único de Saúde (SUS) terá de se especializar em doenças mais comuns na população afrobrasileira, como a anemia falciforme. Também cria as diretrizes da Política Nacional de Saúde Integral da População Negra.

Educação

Inclui no currículo obrigatório disciplinas que estudem a História da África e do negro no Brasil.

Esportes

A capoeira foi reconhecida como esporte de criação nacional e o Estado deve garantir recursos para manutenção e proteção da prática.

Empregos

O poder público poderá dar incen­ti­vos fiscais para empresas que tive­rem mais de 20 empregados ou que contratarem pelo menos 20% de negros.

Discriminação

A proposta acrescenta ao crime de racismo a prática deste ato pelo meio virtual. A pena varia de um a três anos.

Recursos

O Estado deverá prever recursos para ações afirmativas nos planos plurianuais e nos orçamentos anuais.

Liberdade religiosa

Assegura o livre culto às religiões afrodescendentes e a possibilidade de denúncia ao Ministério Público em casos de intolerância religiosa.

Acesso à terra

O Estado expandirá o financiamento agrícola para desenvolver as atividades da população afrobrasileira no campo.

O QUE FICOU DE FORA

Saúde

A identificação da raça/cor em documentos do SUS, que serviria de base para traçar políticas públicas específicas.

Educação

Criação de cotas em todas as universidades públicas brasileiras e nos contratos do Fies.

Quilombolas

Remanescentes de quilombos te­riam a propriedade definitiva das terras ocupadas.

Mercado de trabalho

O Estado poderia realizar a contra­­ta­­ção preferencial de afro-brasi­­lei­­ros no setor público e incentivar medi­­das semelhantes nas empresas privadas.

Em uma licitação, o critério de desempate poderia ser o fato de empresas terem ou não ações afirmativas.

Meios de comunicação

Filmes, peças publicitárias e programas de tevê teriam no mínimo 20% de afrobrasileiros.

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Interatividade

A aprovação do Estatuto da Igualdade Racial trouxe avanços no combate à discriminação?

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As cartas selecionadas serão publicadas na Coluna do Leitor.

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