• Carregando...

Chegar ao conjunto Sambaqui saindo do Centro de Curitiba leva cerca de 30 minutos. Basta pegar a Isaac Ferreira da Cruz, depois a Tijucas do Sul. Passando a trincheira do ônibus, é só virar a primeira à direita. Na estrada de chão, é preciso andar alguns metros para encontrar as primeiras casas. Para 50 famílias que moram lá, no entanto, o caminho do Centro ao Sul da cidade foi bem mais longo e tumultuado. No total, exigiu dois anos de esforços, cerco de policiais e centenas de noites dormidas em lugares improvisados.

A história começa em 2003, quando um grupo de pessoas entrou em um prédio do antigo Banestado, na Rua Marechal Deodoro – um dos endereços mais caros da cidade. O edifício estava vazio. As pessoas estavam sem teto. Comandadas pelo pessoal do Movimento Nacional de Luta pela Moradia, tomaram conta do lugar. Durante 56 dias e 56 noites, resistiram à pressão externa e moraram nas salas acarpetadas e vazias, repentinamente transformadas em acampamentos.

A manifestação dos sem-teto já teria entrado para a história da cidade pelo seu tamanho e duração. Nada do gênero havia sido visto no Centro da cidade até então, nem houve nada parecido depois. Mas o mais importante, para os invasores, não foi a manifestação. Foi o resultado prático. Hoje, todas as famílias que participaram da ocupação estão assentadas no Sambaqui. Vão pagar pelas casas em que moram. Pagarão o terreno. Mas não se importam. Afinal, eles nunca disseram que queriam nada de graça. Queriam era a oportunidade.

"Ainda não começamos a pagar porque a Cohab está resolvendo a situação legal da área", explica Maria da Graça Silva de Souza, uma das líderes da ocupação. Quando chegar a hora, cada família pagará as prestações de acordo com o que ganha. O teto é de 20% da renda da família. Assim, quem ganha R$ 350 pagará no máximo R$ 70 por mês.

Jornada

As pessoas que entraram porta adentro do Banestado em 7 de junho de 2003 vinham de várias partes da cidade. Haviam sido avisadas da ocupação. Desesperadas por não ter como pagar aluguel, aceitaram a parada. Preencheram o cadastro do MNLM e esperaram o dia certo. Nem todos foram avisados do destino. "Para mim, disseram que era para pegar as coisas que íamos dar um passeio", conta dona Zilda Guenze da Silva, que na época se apertava para pagar um aluguel no Campo Comprido. Zilda desconfiou que o tal "passeio" ia ser longo por um único motivo. "Disseram que era bom levar um colchão", conta, rindo.

Anselmo Schwertner era o nome do principal organizador da ocupação. Com uma boina à la Che Guevara na cabeça, era ele quem atendia à imprensa nos primeiros dias de ocupação, quando toda a cidade queria saber o que estava acontecendo dentro do prédio. Mais tarde, Anselmo seria o motivo de uma divisão no movimento. No fim da história, foi uma dissidência do MNLM que conseguiu os terrenos no Sambaqui para as 50 famílias.

Em 2 de agosto de 2003, as famílias tiveram de sair do prédio, cumprindo uma ordem judicial. Havia 40 policiais do lado de fora vigiando a desocupação, que foi pacífica. Os policiais já cercavam o prédio havia alguns dias. E quem saía, não podia mais entrar. Do Banestado, os sem-teto rumaram para o Sindipetro, que emprestou sua sede por pouco mais de um mês. Depois, o grupo ainda rumaria para o Diretório Central dos Estudantes da UFPR. Mais seis meses de espera.

"Muita gente foi desistindo pelo caminho", conta Maria da Graça. O trecho mais difícil da jornada ainda estava por vir. Depois do DCE, o grupo foi acomodado temporariamente em um galpão no Sítio Cercado. Já havia a promessa de uma área definitiva. Mas foi preciso passar quase um ano dormindo de maneira precária no chão para esperar pela casa. O principal problema, além da falta de espaço, era a ausência de divisórias dignas do nome para separar uma família da outra. "Não tinha privacidade. Uma mãe saía de casa e deixava a filha adolescente. Do lado, tinha três meninos. Aí, já viu o que dava", lembra Maria, que diversas vezes saiu de outros lugares às pressas para o barracão, onde ajudava a apartar as brigas causadas pelo incômodo do lugar.

Casa própria

A recompensa veio em 2005, quando finalmente as 50 famílias foram contempladas com lotes no Sambaqui. O chão era de terra e as casas eram pouco mais do que choupanas de madeira. Mas era muito melhor do que onde todos estavam antes. Hoje, então, com dois anos de melhorias, as casas se parecem com o que os sem-teto sonhavam alcançar. "Agora a gente não joga mais dinheiro fora", diz Rosicléia Martins, a Rose, uma das moradoras do conjunto. "Antes, pagava um aluguel caro. Agora, pelo menos a casa é nossa", diz ela.

Hoje, os antigos sem-teto são moradores comuns do Sambaqui, uma área que já tem mais de 520 famílias e que em breve deverá ser pavimentada pela prefeitura. Se têm alguma diferença para os vizinhos, talvez seja apenas a politização que todo o processo trouxe. De resto, vão pagar R$ 10 mil pelas casas e pouco mais de R$ 6 mil pelo terreno. Assim como todos os outros habitantes do local.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]