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São Mateus conta que, depois de um pouco de oração no Monte das Oliveiras, antes de ser preso e condenado à morte, Jesus encontrou os apóstolos Pedro, Tiago e João dormindo e lhes passou uma santa bronca: "não pudestes velar uma hora comigo?" Quase 2 mil anos depois, oito mulheres fizeram de tudo na noite curitibana para não merecer a mesma repreensão de Cristo – dessa vez presente na hóstia consagrada. Elas foram o 15.º grupo a participar da adoração noturna no Cenáculo Arquidiocesano do Santíssimo Sacramento, no Largo da Ordem, entre quinta e sexta-feira.

Integrantes da Legião de Maria, as oito mulheres, a mais nova delas com 49 anos, mostraram uma disposição de dar inveja a qualquer baladeiro de plantão e sem precisar de música bate-estaca como estimulante – em vez disso, mergulharam no silêncio assim que os sinos da catedral basílica marcaram meia-noite. E, se os apóstolos ousassem dizer a Cristo "mas, Senhor, não tínhamos café nem energético", o Messias lhes lembraria que Rosane, Elsa, Yeda, Zilda, Donemari, Lúcia, Maria José e Olindina – gente que caiu do céu por descuido, como gosta de dizer o monsenhor Luiz de Gonzaga Gonçalves, reitor da Igreja da Ordem e fundador do Cenáculo – não tomaram uma gota sequer na madrugada (água não conta).

O silêncio, no entanto, veio como uma surpresa para algumas das adoradoras. "Só fui saber quando o monsenhor Luiz nos falou", conta Rosane Guimarães, que já virou a noite em adoração à Eucaristia várias vezes na paróquia Senhor Bom Jesus dos Perdões, em São José dos Pinhais. "Mas lá é sempre em voz alta, tem orações e cantos, conduzidos pelo padre. Aqui de vez em quando bate o sono, mas é de leve", comentava pouco antes de ir para o quarto, lá por 1h30. "Agora não estou com sono, mas não quero estar bocejando na hora da missa", justificou.

Rosane já podia dormir: tinha feito a sua parte entre meia-noite e 1 hora. No café que antecedeu o início da adoração e que nenhuma experimentou, Luís Antônio Nascimento, ministro extraordinário da comunhão e funcionário do Cenáculo, ajudou as mulheres a organizar os turnos: até a meia-noite, todas juntas, com licença para cantar e rezar em voz alta; depois das badaladas, elas virariam carmelitas. Quatro duplas, cada uma com uma hora diante do ostensório. Das 4 horas em diante, todas juntas novamente.

À meia-noite, no entanto, as adoradoras subverteram o programa. "Ah, não quero nem saber, vou ficar", era o que mais se ouviu. Das seis que podiam ir para os quartos dormir e esperar sua vez, apenas uma optou pelo descanso. "Até parece que vou ficar lá só no horário que me deram. Isso aqui é o reino de Deus no meio da gente. Nem preciso morrer", entusiasma-se Donemari Radtke, da paróquia Santa Quitéria, em Curitiba, adoradora noturna de primeira viagem.

Mas Jesus bem que havia advertido os apóstolos que a carne era fraca. Enquanto Yeda Thomazmattei, a que havia preferido o descanso à meia-noite, reaparecia cheia de energia no meio da madrugada, outras tiravam um providencial cochilo depois de cumprir o turno. A professora aposentada, da Paróquia São Francisco de Paula, em Curitiba, havia trazido livros do padre Inácio Larrañaga, fundador das Oficinas de Oração e Vida, para ajudar na meditação. Terços e bíblia também acompanharam as mulheres. Mas Donemari e Lúcia Schefer, colegas de turno, optaram pela "adoração livre": sem livro, sem terço, sem nada, no melhor estilo "eu olho para Ele e Ele olha para mim", como o camponês que não tirava os olhos do sacrário respondeu a São João Maria Vianney.

E, para isso, o silêncio ajuda muito, admitem as mulheres. "No silêncio a gente escuta Jesus melhor", diz Donemari, 64 anos, 48 deles na Legião de Maria. A economista aposentada Maria José Gama acreditava que, para se manter acordada, seria preciso ter muita gente em volta rezando em voz alta. Estava tão enganada que foi a única a virar a noite sem pregar o olho. Sua lógica era bem simples: "no começo da adoração me encantei com uma oração que pedia ‘ficai comigo, Senhor’. Bom, se eu estou pedindo para Ele ficar comigo, o mínimo que eu devia fazer era ficar com Ele também, não é?"

Maria José ainda poderia dormir no ônibus para Ponta Grossa, para onde ela viajou na manhã de anteontem. Já Elsa Basso saiu direto da adoração para o trabalho – teve de sair no meio da missa, por causa do horário. Mesmo assim, a idéia de uma noite mal-dormida (ou não-dormida) não intimida essas mulheres. "Venho de novo. E vou trazer mais gente", promete Olindina Ávila, da Paróquia São Pedro e São Paulo, em Curitiba. Se depender dessas oito adoradoras, os apóstolos podem continuar dormindo. O Senhor não vai deixar de ter companhia.

Serviço: A adoração noturna no Cenáculo Arquidiocesano do Santíssimo Sacramento é reservada para grupos de no máximo 22 pessoas e pode ser feita em qualquer dia da semana. É possível agendar a adoração nos telefones (41) 3339-5255 e 9671-0348, com Vanda Hansen.

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