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Em Curitiba as placas de táxi são negociadas, o que fere a Constituição de 1988: saída seria a abertura de uma concorrência pública | Daniel Castellano/Gazeta do Povo
Em Curitiba as placas de táxi são negociadas, o que fere a Constituição de 1988: saída seria a abertura de uma concorrência pública| Foto: Daniel Castellano/Gazeta do Povo

Especialistas em licitação e direito público defendem a criação de uma lei municipal para regulamentar o serviço de táxis em Curitiba. Matéria publicada ontem pela Gazeta do Povo mostrou que a venda ilegal de placas é um negócio que pode movimentar até R$ 14 milhões por ano na capital, já que o valor médio de cada uma delas é de R$ 180 mil. Há 33 anos não há novas outorgas na cidade e as placas são passadas por meio de "doações" ou "transferências voluntárias".

O serviço de táxi em Curitiba é regido pela anacrônica Lei 3.812, de 9 de outubro de 1970, criada ainda sob os efeitos da Constituição de 1969 e do artigo 126 do Decreto-Lei 200, de 25 de fevereiro de 1967, que dispensava licitação para a contratação de concessionário de serviços públicos, figura equivalente ao permissionário. Assim, a lei curitibana ignora a previsão de licitação pública para a outorga de novas permissões. Contudo, o tema passou a ser regido pela Constituição de 1988 e mais tarde pela Lei 8.987, de 1995. Mas, em geral, os municípios têm ignorado que só podem legislar supletivamente, sem ferir uma lei maior.

O artigo 175 da Constituição "incumbe ao poder público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos". O parágrafo único dispõe sobre "o caráter especial de seu contrato e de sua prorrogação, bem como as condições de caducidade, fiscalização e rescisão da concessão ou permissão". Já o artigo 2 da Lei 8.987 trata do assunto como "a delegação, a título precário, mediante licitação, da prestação de serviços públicos, feita pelo poder concedente à pessoa física ou jurídica que demonstre capacidade para seu desempenho, por sua conta e risco".

Especialistas em licitações apontam as irregularidades causadas pelo anacronismo da lei curitibana. "No caso do sistema de táxis de Curitiba, as disposições que estão na legislação que rege a matéria não foram adaptadas às mudanças ocorridas na legislação constitucional e ao regulamento federal de licitações", diz o advogado Luciano Pereira, de Brasília. Já o conferencista e mestre em direito público Jorge Ulisses Jacoby Fernandes, também de Brasília, não usa meias palavras para definir o caso: "É uma gravíssima violação à ordem jurídica. No plano constitucional, no plano legislativo e nos princípios que regem a administração pública".

Transferência não é a mesma coisa que outorga, explica Jacoby. Por isso, o ato administrativo não tem valor legal. "Assim, as transferências são nulas por serem incompatíveis com a Constituição", diz. Segundo ele, quando se faz uma outorga, deve-se fazê-la de forma impessoal. Ao indicar para quem a permissão deve ser transferida, o permissionário está ditando as regras no serviço público e tomando o papel do estado ao, ele próprio, avaliar a qualificação técnica do seu substituto. O direcionamento dado pelo antigo permissionário denota, na mais branda das hipóteses, um favorecimento no setor público.

Os especialistas apontam a necessidade urgente de uma legislação local que corrija a distorção. Para Jacoby, essa correção deveria estabelecer, como fez a lei federal, um prazo para adaptação. O prazo de um ano seria bastante razoável, diz. "Depois, o poder público simplesmente retomaria todas as outorgas e faria um processo licitatório. Não é um processo fácil, primeiro porque é justo que se dê preferência ao motorista de táxi mais antigo, que tenha uma permissão antiga e que dirija o próprio carro. Não é justo que se dê preferência àqueles que comercializam uma coisa que é pública, e que acabam onerando a tarifa", pondera.

Para Jacoby, que já foi juiz do trabalho e conselheiro do Tribunal de Contas do Distrito Federal, a permissão deve ter prazo para terminar. Ela tem o nome jurídico de caráter precário exatamente porque o poder público pode retomá-la. "Podemos deixá-la sem prazo, com direito de retomar a qualquer tempo, ou estabelecer prazo. No caso do táxi, é preciso estabelecer um prazo para o fim da outorga; primeiro, para a renovação do mercado, para ter maior qualidade, e, segundo, as permissões feitas por prazo indefinido provocam uma acomodação do próprio poder público, que precisa renovar suas cláusulas", avalia.

"O fato é que hoje está irregular. E, claro, se está irregular fica sujeito inclusive a uma ação abrupta do poder público, que pode, por provocação do Ministério Público ou do Tribunal de Contas, tornar nula todas as permissões" diz Jacoby. Ele manda um aviso à Urbs e à Câmara de Vereadores: "É preciso que o legislador curitibano ocupe logo esse espaço, para que não venha a intranqüilidade de uma ação judicial".

Mas até no Decreto-Lei 200 as hipóteses de extinção da concessão/permissão estão previstas no artigo 35, entre elas constando inclusive a hipótese de extinção por morte do permissionário ou por sua incapacidade para o trabalho. "Em resumo, por todo lado que se olhe, a legislação municipal atenta contra a ordem constitucional legal e qualquer alteração do permissionário deve ser precedida de procedimento público de licitação", diz Luciano Pereira.

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