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O casal Jessi e Antônio Milton Pinto lutam para provar que o filho Cléber não tentou atirar em policiais | Albari Rosa/Gazeta do Povo
O casal Jessi e Antônio Milton Pinto lutam para provar que o filho Cléber não tentou atirar em policiais| Foto: Albari Rosa/Gazeta do Povo

Relato

É mais fácil matar do que prender

Oficial da PM, que prefere não ser identificado

"Sou policial há 12 anos. Há seis anos me envolvi em um confronto armado, no qual um suspeito foi morto e outro preso. O ato de prender exige muito mais capacidade que o de matar, sem dúvida. Fui muito criticado pelos companheiros por não ter matado o segundo suspeito, que se entregou logo após seu comparsa ser baleado. Antes disso já tinha em mente que uma grande parte dos "confrontos" entre a polícia e marginais eram, na verdade, execuções sumárias em que indivíduos eram mortos após serem dominados. E pior, com a chancela dos oficiais nas ruas e "esquentando" inquérito policial militar.

Um importante freio para essas ações foi interrompido. Era o serviço de monitoramento das viaturas, uma tecnologia embarcada, o AVL (Localização Automática de Veículos, em inglês). Por ele, pode se verificar o rastro deixado pelas mortes em terrenos baldios ou prestação de socorro pelo caminho mais longo até a morte do "bandido". Existem exceções, claro, mas via de regra, o soldado infelizmente não tem treinamento suficiente de tiro e tática de confronto (não existe dinheiro para comida nos quartéis, imagine para munição). Isso obriga muitos a atirar antes por medo de morrer, quando não padecem em confrontos verdadeiros. Com isso, ocorrem erros, inocentes são mortos e estórias são criadas para maquiar as ocorrências – cidadãos são transformados em bandidos, portando armas e drogas.

Ao final, pela falta de controle e pela porta aberta pelos próprios superiores e até mesmo pelo discurso do "livrar a sociedade dos criminosos", policiais/bandidos habituados a matar também o fazem para o tráfico de drogas, ganhando dinheiro para "limpeza de área", durante o próprio turno de serviço. Esse ciclo vicioso de violação das leis e impunidade acaba por contaminar aqueles recém-chegados na corporação."

Transparência

Gazeta pediu, mas não recebeu informações

A Gazeta do Povo pede dados sobre mortes em confronto com a polícia, via Lei de Acesso à Informação, desde janeiro deste ano. A única resposta foi de que os números estariam disponíveis no anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, uma entidade que faz uma pesquisa anual na área. Depois da divulgação das estatísticas durante a semana que passou, mais uma vez a reportagem pediu os dados. A assessoria de imprensa da PM declarou que não teve tempo hábil para providenciar as informações e que, na sequên­cia, poderia repassar os dados e indicar algum representante da corporação para comentar o andamento dos processos para apurar e, eventualmente, punir abusos.

Caso Edenilson

A família do caseiro Edenilson Murillo Rodrigues, de 25 anos, tenta desde maio saber onde ele está. Ele teria desaparecido depois de uma abordagem policial em Piraquara, numa situação semelhante a que aconteceu com o pedreiro Amarildo de Souza, no Rio de Janeiro. Os parentes mantêm a esperança de encontrá-lo com vida e que Edenilson não se some a estatística de casos de violência policial.

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A cada dois dias, uma pessoa morreu em confronto com a polícia no Paraná em 2012. No Brasil, são cinco mortes por dia, três vezes mais que nos Estados Unidos. Os números foram divulgados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública e revelam a face mais violenta dos agentes de segurança pública.

INFOGRÁFICO: No Brasil, cinco pessoas morrem por dia em confronto com as polícias

A chave para diminuir a violência policial passa por uma reformulação das estruturas de segurança pública e pelo avanço da transparência, segundo especialistas ouvidos pela reportagem. "Os números são muito preocupantes e revelam um desvio no preparo das tropas. Esses dados devem chamar atenção dos órgãos de segurança pública para uma revisão imediata da formação dos soldados e uma revisão da finalidade para qual a Polícia Militar está voltada", afirmou o presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB-PR, José Carlos Cal Garcia Filho.

Era a Polícia Militar que estava presente na grande maioria das 167 mortes em confronto com a polícia. Houve um aumento de 12% no número de casos entre 2011 e 2012. Comparando com a quantidade de homicídios registrados no Paraná, é possível dizer que a cada vinte pessoas que foram assassinadas no estado, uma foi morta pela polícia.

"É preciso repensar a polícia. Ela é atualmente incompatível com a sociedade democrática", ressalta o sociólogo da PUCPR, Cézar Bueno. Segundo ele, a formação do policial, aliada a cultura criada dentro das corporações militares, coloca o suspeito como um inimigo, tal qual em uma guerra. "A polícia precisa estar preparada para prevenção, na resolução sem violência. Aliás, o uso da violência deve ser a última alternativa", pondera. Bueno duvida que em todas as situações foi necessário o uso da "bala".

Clima de guerra

Bueno lembra que os casos de morte em confronto tendem a ficar sem solução. "A questão corporativa protege os policiais. Falta transparência. É preciso democratizar as polícias", defende. O sociólogo ressalta que a impunidade gera um ciclo perverso. "Polícia violenta traz insegurança e não segurança", analisa. Garcia Filho também lembra que a falta de transparência colabora para o desconhecimento das causas dessa violência policial. "Política de segurança pública não pode se confundir com violência estatal", observa.

Para o coronel da reserva da PM do Paraná, Renato Jorge da Silveira, o aumento da violência por parte dos criminosos gerou uma polícia mais firme e preparada para revidar. "Há 20 anos tínhamos mais respeito. Os suspeitos se entregavam", conta. Ele acredita também que os ataques de uma facção criminosa em São Paulo em 2006 propagaram a coragem entres os bandidos pelo país. "Em alguns lugares, eles conseguiram até estar mais aparelhados que a própria polícia", afirma. Na avaliação dele, o medo de morrer é outro fator que colabora para o revide policial.

Pais contratam perícia para provar que cena da morte do filho foi forjada

Inconformados com a versão de que o filho teria reagido a uma abordagem, os pais do advogado curitibano Cléber Guiomar Pinto contrataram um perito para provar que a cena da morte foi montada. "A perícia apontou todos os erros. Consta no laudo que meu filho foi morto de joelhos. A bala entrou no peito e se alojou na lombar. Ele é canhoto, mas a arma estava próxima da mão direita dele. O que aconteceu é uma vergonha, uma covardia", afirma Antônio Milton Pinto.

Os pais alegam que Cléber, de 24 anos, foi executado pela Polícia Militar, em Guaraniaçu, Oeste do Paraná, em janeiro deste ano. Na época, foi noticiado que policiais militares do serviço reservado trocaram tiros com dois homens às margens da BR-277. Cléber estaria acompanhando o primo Ademilson de Lima Damásio, 23 anos, numa ida ao fórum da cidade. Os relatos policiais dão conta de que eles teriam atirado ao serem abordados em um carro Golf. Um revólver e uma pistola estariam com os rapazes. Ademilson tinha passagem pela polícia.

A Gazeta do Povo obteve os pareceres da delegacia de Guaraniaçu e da Polícia Militar, que pedem que os dois policiais suspeitos (um deles já faleceu) não sejam indiciados. "Todas as provas produzidas nestes autos (...) dão conta da existência de um confronto armado não provocado pelos policiais", afirma o texto do relatório da Polícia Civil sobre o caso.

Com base nas informações apresentadas pela perícia contratada pela família, a promotoria de Guaraniaçu reabriu o inquérito, pedindo novas diligências. Depois de ser entrevistado em um programa de televisão sobre o caso, segundo Milton, um dos policiais abordou a esposa dele. "Ele disse para ela que eu gostava muito de dar entrevista e que seria a última", conta.

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