A turma da Rua Humberto Ciccarino e as plaquinhas agora famosas: vizinhos mais unidos| Foto: Daniel Castellano/Gazeta do Povo

Estudo de caso

Por que a "Humberto Ciccarino"?

A Rua Humberto Ciccarino era até pouco tempo uma daquelas ruas que maioria adoraria chamar de sua. Típica via de bairro, tinha a seu favor, além da tranquilidade, as relações de vizinhança sedimentadas há décadas. O "todo mundo se conhece" compensava a acanhada iluminação pública e o histórico sentimento de abandono que – brincadeira ou não – fez daquelas divisas a única zona separatista da capital. Muitos ainda lembram do movimento "O Boqueirão é meu país".

Na última década, depois de muito se virar sozinho, o Boqueirão se firmou como encrave da classe média. Nessa reviravolta, a pacata "Ciccarino" viu os carros ocuparem o lugar dos meninos soltando pipas. Sair das garagens exige paciência tibetana: a rua é meio caminho andado para chegar à hoje estratégica Avenida Santa Bernadete, via de ligação com shoppings, supermercados e com o Centro.

Nenhum vizinho reclama do progresso, mas salta os olhos que a nova vizinhança e o atual status da via favoreceu o comércio de furtos e roubos. A "Ciccarino" perdeu a intimidade das calçadas. O gatilho de que algo estava errado foi disparado quando um assaltante entrou numa garagem com um carro igual ao da família e fez "serviço completo". Ninguém se deu conta. Outras histórias se sucedem. "Também fui visitado. Não sobrou quase nada lá dentro", lembra o morador Vanderlei Matheus.

Por essas e outras, no dia em que Gilmar Chiarelo da luz bateu de porta em porta, sugerindo o "Vizinhos em Alerta", foi recebido com bolo e cafezinho. A adesão foi quase total. Mais do que medo de bandido, os adeptos do projeto diziam ter medo da indiferença de quem mora ao lado. Agora, não mais.

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Faça você mesmo

Criar um "vizinhança solidária" pode ser simples

1 Deixe claro para os vizinhos que o sistema é coletivo. Exige ter o número do fone dos associados na porta da geladeira. E saber que os membros são colaboradores da polícia e não "a polícia".

2 Pode-se instalar um alarme de poste a cada três casas, em ambos os lados da rua, de forma intercalada, numa distância de 200 metros. O sistema atinge seis moradias por vez.

"Vocês vão ter de se virar". A frase foi dita há um ano, por um PM, durante uma reunião comunitária no Boqueirão, em Curitiba. Discutia-se segurança pública. A declaração, claro, causou uma ponta de revolta. "Pois não é que a gente se virou?", ri o autônomo Luiz Osmar Hauer, 58 anos. Ele foi um dos que saíram do encontro ressentidos com o policial, mas matutando o que poderia fazer para reduzir o índice de assaltos a residências na região.

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A resposta estava numa rua próxima, na qual funciona um sistema de proteção administrado pelos próprios moradores. Não tem segredos. As famílias do quarteirão se cotizam, compram alarmes e controles remotos – investimento que oscila entre R$ 100 e R$ 500. Depois fazem um pacto de cavalheiros – o de que um vai ajudar o outro a cuidar das casas. Por fim, botam na frente da moradia uma plaquinha, com a logomarca do projeto.

Os nomes variam. Vão de "Vizinho Solidário" a "Vizinhos de Olho" ou "Vizi­­nhos em Alerta", esse escolhido por Hauer e outros moradores da Rua Humberto Ciccarino, no Boqueirão. Não há um levantamento oficial de quantas propostas semelhantes funcionam na cidade, desde 2005, quando começaram – inclusive com variações para o tema, a exemplo da versão "Mães da Praça de Maio", aquela que vem acompanhada de panelaços.

Todas as classes

As "vizinhanças" são, sobretudo, iniciativas cidadãs. Pode-se afirmar que 13 dos 75 bairros da capital contam com pelo menos uma organização semelhante, do graúdo Jardim Social ao Tatuquara. O Boqueirão concorre a campeão – com seis ruas. Não há manual de instruções: trata-se de uma proposta em formação. Ninguém a teorizou. Tampouco se mediu sua eficiência.

No entender dos consultados, as vizinhanças" devem ser entendidas como uma espécie de rede social. O Facebook é seu parente próximo. A associação das moradores, seu irmão. Para funcionar, é preciso que os filiados morem muito perto. Não basta que tenham endereço na mesma rua, precisam estar no mesmo quarteirão.

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Detalhe: se alguém pensa estar implantando um alarme para o seu quintal, apenas, "aquele abraço". A natureza do projeto é coletiva. Mais: se alguém acha que a PM virá correndo assim que soem as "trombetas", ledo engano. O som não passa de 110 decibéis, de acordo com a lei ambiental, e o sinal funciona como "sistema de pânico" – como se alguém perguntasse: "Vizinho, está acontecendo alguma coisa?"

"É um sistema de alerta. Inibe, mas sem envolvimento, não adianta", explica o eletrônico Vanderlei Matheus, 56, um dos membros da rede da Rua Humberto Ciccarino, formada por 29 associados. Só quem ouve o barulho são os mais próximos, a quem cabe ligar para a casa sob suspeita, averiguar se está tudo bem. Em seguida, telefonar para a polícia. "E nada de botar o peito no portão, se achando valente", avisa o líder do movimento, o comerciante Gilmar Chiarelo da Luz, 47.

Gilmar é um entusiasta da ideia. "O maior ganho é que agora sei o nome dos meus vizinhos. Sabem que podem bater palmas aqui e dizer ‘vou descer para a praia. Você olha o meu cachorro?’. Alguns deles eram muito reservados."

Em um ano, o alarme da soou uma única vez – e por engano – mas ninguém pensa em desligá-lo. Policialesco no princípio, o "Vizinhos em Alerta" acabou por mostrar que o maior problema da segurança é a falta de vínculo entre pessoas que vivem próximas.

Não ter alguém para molhar a samambaia quando se viaja é termômetro de que as relações de vizinhança vão mal, o que agrava a sensação de insegurança. "Quando vê a plaquinha na porta, a ‘gatarada’ vai toda embora", brinca o aposentado Nestor Claman, 70. A turma da rua do lado já veio perguntar como funciona. Mas é cedo para dizer que virou onda. O cachorro permanece o sistema de alerta mais empregado – para desespero dos carteiros.

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