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Pacientes têm cigarros controlados na Clínica Quinta do Sol | Pedro Serápio/Gazeta do Povo
Pacientes têm cigarros controlados na Clínica Quinta do Sol| Foto: Pedro Serápio/Gazeta do Povo

Lei não impede hábito

Jennifer Koppe e Pollianna Milan

Não há dúvidas de que a nova lei antitabagista, sancionada pelo prefeito Beto Richa na última quarta-feira, contribuirá para proteger a saúde da população não-fumante de Curitiba. O mesmo, entretanto, não pode ser afirmado sobre o poder que a decisão terá sobre os fumantes. Enquanto muitos acreditam que a proibição seria o incentivo que faltava àqueles interessados em largar o vício, outros têm certeza de que em pouco tempo, a lei não será mais cumprida, principalmente se a fiscalização não for rigorosa.

Para o oncologista do laboratório Frischmann Eisengart, Selmo Minucelli, a lei será importante para conscientizar as futuras gerações. "A lei vai beneficiar não-fumantes e coibir novos adeptos. Mas não vai reduzir o número de fumantes que já existem. Eles vão continuar a fumar nas ruas, porque são dependentes", diz.

Na opinião do especialista, sem fiscalização pesada ou campanhas contínuas sobre os males do cigarro, a proibição não será respeitada por muito tempo. "O impacto causado pela aprovação da lei será esquecido se o trabalho não continuar. As campanhas não devem se limitar à mídia, precisam ser mais audaciosas, devem estar nas escolas, nas universidades e nas empresas."

A psiquiatra Ana Cecília Roselli Marques, da Universidade Federal de São Paulo, lembra que o processo de conscientização demora para ocorrer. "Mesmo nos países desenvolvidos, como França e Inglaterra, onde a lei já existe há muito tempo, a população só passou a respeitá-la um ano depois de entrar em vigor. E isso só ocorreu porque havia fiscalização e campanhas constantes que lembravam de que era proibido fumar em locais fechados", explica.

A proibição das propagandas de cigarro nos meios de comunicação e a contrapropaganda realizada pelo Ministério da Saúde nas últimas décadas contribuíram para diminuir o número de fu­­mantes no país. De acordo com um estudo realizado pela Vigi­lância de Fatores de Risco e Pro­teção para Doenças Crônicas Por Inquérito Telefônico (Vigitel) do ministério, o consumo de cigarros entre os jovens caiu mais de 50% nos últimos 20 anos. A pesquisa revela ainda que 10,8% de jovens de 18 a 24 anos já são ex-fumantes.

Para a psicóloga Tamara Marussig, especialista no tratamento de dependência química da Clínica Quinta do Sol, a aprovação das leis antifumo em várias cidades do país não pode ser considerada inesperada. "As ações realizadas pelo Programa Nacional de Controle do Tabagismo têm mudado a mentalidade dos brasileiros. É um movimento que vem avançando aos poucos."

Outras restrições

O psiquiatra do Hospital Bom Retiro, Laércio Lopes de Araújo, acredita que a única maneira de acabar com o tabagismo no país é diminuindo a oferta do produto no mercado. "Se existe oferta, sempre haverá demanda. En­­quanto as Nações Unidas recomendam que as áreas de plantio de fumo em todo o mundo sejam reduzidas, o Brasil tem feito justamente o contrário. É contraditório criar uma lei antitagismo e ao mesmo tempo estimular o mercado", argumenta.

Para o médico, a única forma de convencer o fumante a largar o vício é dificultando o seu acesso ao produto. "Leis que excluem uma parte da população não desestimulam, causam revolta. Muitos fumantes sabem do mal que o cigarro causa, mesmo assim, não conseguem parar. É preciso reduzir a produção, a comercialização e oferecer tratamento."

A partir de novembro, a lei antifumo vai restringir os espaços onde se pode fumar em Curitiba: nem bares, nem restaurantes, nem qualquer ambiente fechado de uso coletivo. Entre as poucas exceções previstas estão instituições de tratamento de saúde onde pacientes tenham sido autorizados a fumar pelos seus médicos – desde que em ambientes isolados e ventilados.

O que levaria um médico a permitir o fumo? Quem defende a prática aponta para casos em que se considera que a interrupção brusca do vício possa causar consequências piores ao paciente. Por outro lado, há médicos convencidos de que a permissão de fumar em clínicas e hospitais não passa de uma distorção cultural, sem embasamento científico, e que desperdiça um momento propício para o fumante abandonar o vício.

Prós

A cláusula de exceção foi copiada textualmente da lei recentemente aprovada em São Paulo. Para o médico sanitarista João Alberto Lopes Rodrigues, coordenador do programa de controle do tabagismo da Secretaria Municipal de Saúde, a liberação é uma questão de redução de danos em tratamentos de pacientes psiquiátricos, para evitar um agravamento do quadro ou um surto.

"São pacientes que têm alta dependência do tabaco e baixa motivação. Cabe ao médico que compreende toda a situação verificar quando será indicado o corte do cigarro", diz. E alude à liberdade de escolha. "A parada com o cigarro parte de um princípio básico: a motivação do fumante. A lei só estabelece uma regra universal de proteção à saúde. O indivíduo continua tendo o direito de fumar, mas em local adequado."

Nessa tendência, médicos têm optado pela redução gradual do hábito de fumar, de modo a diminuir a crise de abstinência, que pode causar irritação e agressividade. A liberação do tabaco serve não apenas a pacientes com quadros como esquizofrenia ou bipolaridade, mas também ao tratar de dependentes de mais de uma substância química. O psiquiatra Dagoberto Requião, diretor do Hospital Nossa Senhora da Luz, se diz satisfeito com os termos da lei e justifica: "O paciente não aguenta num tranco só ficar livre de duas drogas que causam efeito cerebral nele." Por isso, defende que se combata a dependência mais danosa do ponto de vista imediato, para só depois iniciar o tratamento contra o tabagismo.

Contras

Outra linha de pensamento, segundo a qual o momento da internação é ideal para interromper o vício, é defendida pelo presidente da Sociedade Paranaense de Psiquiatria (SPP), Marco Antonio Bessa. "Uma das grandes dificuldades de parar de fumar é o hábito arraigado. Quando a pessoa está isolada no hospital, não tem a possibilidade de sair para comprar cigarro nem exposição a ambientes onde há fumantes, fica mais fácil iniciar o tratamento."

Conselheiro responsável pela Câmara Técnica Antitabagismo do Conselho Regional de Medicina, Bessa faz um alerta: "O tabagismo é uma dependência grave, das mais difíceis de ser tratadas, e favorece a recaída de outras drogas."

O psiquiatra argumenta que a fase de abstinência é uma etapa do tratamento de desintoxicação que não deve ser adiada. "Hoje temos recursos terapêuticos com reposição de nicotina por emplastros ou gomas de mascar", diz.

Especialista em ansiedade, o psiquiatra André Astete, do Instituto de Psiquiatria do Paraná, encara o argumento de evitar a abstinência como um mito. A estrutura médica da instituição de saúde, em que o paciente se vê cercado de especialistas, é, na sua opinião, "o melhor lugar do mundo para ajudar uma pessoa ansiosa a não sofrer de abstinência".

A lei deveria ser corrigida neste ponto, na opinião dos dois. Para Bessa, a "má fundamentação técnica" seria a responsável pela permissão "sem embasamento". Astete acrescenta uma certa "distorção cultural". "A permissão de fumar em ambientes como esse se deve mais à inércia do que a uma justificativa técnica, pois, historicamente, hospitais psiquiátricos sempre foram mais instituições de tutela onde não havia a proibição. O diretor, para abolir o cigarro, enfrenta oposição dos tabagistas", diz.

Na Clínica Quinta do Sol, a psicóloga Tamara Marussig coordena um programa de auxílio-atendimento ao fumante. A iniciativa tenta reduzir o número por paciente – em geral, dependente de álcool, maconha, cocaína ou crack. "90% são tabagistas", diz Tamara.

A psicóloga reconhece a contradição de um estabelecimento de saúde liberar o tabaco. "Gos­­ta­­ríamos de proibir o cigarro, mas a gente lida com uma situação muito frágil", diz, em referência a pacientes com casos graves de transtorno mental.

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