Sem política
O país, por meio da Capes e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), tem aumentado substancialmente o número de bolsas concedidas elas cresceram mais de cinco vezes desde 1994. O aumento dos valores das bolsas, no entanto, depende dos orçamentos anuais e não há uma política que fixe reajuste. O presidente substituto da Capes, Livio Amaral, defende que as bolsas "não devem ser consideradas como salários, mas sim como investimento público."
Um pesquisador brasileiro de mestrado e doutorado recebe hoje uma bolsa que não chega nem à metade, em valores corrigidos, dos montantes pagos em 1994, ano em que o Plano Real foi lançado. Em valores nominais, os benefícios dos pesquisadores até que tiveram aumento, mas a diferença vem à tona quando a inflação do período é descontada.
O cálculo foi realizado pela Associação de Pós-graduandos de Engenharia Elétrica da Universidade de Campinas (Unicamp), a Apogeeu. Pelos gráficos criados pela associação, as bolsas de doutorado em 1994, por exemplo, tinham um valor equivalente a R$ 4,4 mil. No mestrado, esse valor seria de R$ 2,9 mil. Hoje, as bolsas de mestrado e doutorado dos órgãos federais de fomento estão fixadas bem abaixo disso: em R$ 1.350 e R$ 2 mil, respectivamente. A diferença é de cerca de 55%
O reajuste dessas bolsas nunca foi sistemático. Entre 1994 e 2003, os valores ficaram estagnados. Aumentos foram registrados em 2004, 2006 e 2008. Após quatro anos congeladas, as bolsas receberam um novo reajuste neste meio de ano.
As bolsas são essenciais para os pesquisadores, que não podem e dependendo da pesquisa, nem sequer conseguiriam trabalhar além da pesquisa. Além disso, é ela que garante que estudantes permaneçam na pesquisa e não sigam para o mercado. "Se eu fosse trabalhar, o salário base na minha área é de 8,5 salários mínimos (R$ 5.280)", diz o doutorando Alan Godoy Souza Mello, de 27 anos, diretor da Apogeeu.
Prioridades
"O país está com dificuldade de preencher o número adequado de engenheiros para garantir o desenvolvimento. Não tem nem para o ensino superior, quanto mais para garantir a inovação. Um dos fatores é o valor das bolsas", diz Mello, que realiza sua pesquisa na Unicamp na área de inteligência artificial.
O Brasil formou 47 mil mestres e doutores em 2009, totalizando 176 mil titulados no país. Isso corresponde a 0,07% da população brasileira. Para alcançar as proporções dos países desenvolvidos seria necessário, no mínimo, multiplicar esse número por cinco, segundo a própria Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).
Na área de engenharia, a situação é ainda mais complexa. Calcula-se que o Brasil tenha um déficit de no mínimo 20 mil engenheiros. O número de matriculados em cursos de pós-graduação em engenharia não passa de 15%.
O presidente substituto da Capes, Livio Amaral, diz que existem estudos que mostram o quanto é crítica a dependência das áreas de engenharia e tecnologia para manter o crescimento econômico, mas ressalta que não há planos específicos. "No momento não existem planos de aumento diferenciado nos valor das bolsas."
Por filhas, pesquisador troca mestrado por emprego
O valor defasado da bolsa tirou o cientista da computação Marcone Chardosin Magnus, de 27 anos, do mestrado. O país ficou com um mestre a menos e Magnus teve de se contentar em perder um ano e meio de pesquisa e ficar com uma lacuna no currículo.
Formado pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) em 2010, Magnus havia iniciado o mestrado na mesma instituição no início do ano passado, com pesquisa na área de telemedicina, em ferramentas virtuais que garantem laudos médicos a distância. Mesmo vivendo apertado com o dinheiro, seguia firme até que a mulher deu à luz as gêmeas Alicia e Natalia. "Faltava só um ano para acabar, tinha feito todas as matérias. Elas nasceram em outubro, eu ainda fiquei até o fim do ano. Mas depois não deu mais."
Para sustentar a família, Magnus abandonou o mestrado e foi trabalhar numa empresa privada. A necessidade por um salário maior foi decisiva. Trocou até de área de atuação, o que não estava nos seus planos: de telemedicina para agricultura de precisão.
Manifestação
Para pressionar o governo a melhorar as condições de pagamento de bolsas da Capes e do CNPq, a Associação Nacional dos Pós-graduandos (ANPG) realiza na quarta-feira uma manifestação em Brasília. A entidade organiza uma caravana até a capital federal de pesquisadores de todo o Brasil.
A direção da ANPG espera se encontrar com os presidentes da Capes e CNPq, Jorge Guimarães e Glaucius Oliva, respectivamente. Além disso, pede um encontro com o ministro da Educação, Aloizio Mercadante, e com a presidente Dilma Rousseff.
Segundo o diretor da ANPG, Flávio Silveira, a campanha foi decidida em maio durante congresso dos pós-graduandos. Ele afirma que há a necessidade de um projeto de lei que torne o reajuste constante. "O esforço com a formação tem de virar política de Estado, e não de governo."
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