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 | Felipe de Lima
| Foto: Felipe de Lima

A lembrança veio em um domingo quente, termômetro na marca dos 30 e poucos graus, sensação térmica por volta dos 40. Um calor senegalês e ele largadão no sofá, olhando para as falhas da pintura no teto da sala. Foi ao se levantar para buscar o ventilador na despensa que ela veio à memória. Lembrou-se de que o eletrodoméstico já não estava mais no apartamento. Na partilha dos bens, o ventilador ficou com ela.

Do pouco que construíram juntos, constava a máquina de fazer vento, que agora a refrescava em um novo lar. A ele, restou o aquecedor elétrico. Divisão até certo ponto justa, levando-se em conta que ela sempre se disse mais calorenta do que ele.

O porém é que a primeira estação a chegar logo após a separação foi justamente o verão. E mesmo para ele, que não era muito dado a reclamar da estação mais quente do ano, a coisa estava difícil.

Domingo de tarde, um calor tremendo e ele sozinho no apartamento. Ninguém para conversar, para dar uma volta, beber um chopinho, tomar um sorvete ou assistir televisão. Com­­pletamente desesperado, ligou para ela:

– Alô.

– Oi, tudo bem?

– Nossa! Você?

– Pois é... Tudo bem?

– Tudo.

– Que bom. Desculpa ligar assim, meio fora de hora, sem avisar, mas queria conversar com você.

– Sobre o quê?

– Bom, não sei bem por onde começar...

– Tente começar pelo começo – ela, seca.

– Ok, ok. Sabe, tenho pensado em você, lembrado de umas coisas...

– É mesmo?

– Sim. Pensado muito, a toda hora. Principalmente nesses últimos dias.

– Nossa! A toda hora!

– Pois é, uma sensação estranha. Tem uma coisa me incomodando e que tenho que resolver com você.

– E o que é?

– Não sei se você tem essa sensação, mas parece que a gente acabou nossa relação rápido demais, sem conversar direito, sem uma postura mais adulta, discutindo nossas diferenças.

– Depois de dois meses separados você me liga numa tarde de domingo pra discutir isso?! Você não tem mais o que fazer não?!

– Tá, tá, sei que você tá cha­teada comigo. Aliás, você tem motivo mesmo pra isso. Mas, sei lá, hoje me deu uma vontade tão grande de te ligar e tentar resolver essa coisa que vem me dando essa angústia...

– Sei...

– É sério! Tô falando sério!

– Você nunca fala sério...

– Por favor me escuta. Só peço isso, me escuta.

– Certo, vamos lá.

– Eu sei que pisei na bola com você, que não fui muito legal e que realmente fiz bobagem. Mas, olha, eu tô desesperado. Tem uma coisa mal-resolvida entre nós e que se eu não conseguir tirar essa dúvida agora não vou conseguir dormir.

– Você tá falando sério mesmo? – ela já se enchendo de esperanças.

– Nunca falei tão sério na minha vida!

– Então diz o que está mal-resolvido entre a gente – o coração dela pulsando forte.

– É essa questão do ventilador ter ficado com você. Quem foi que disse que você é mais calorenta do que eu?

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