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 | Benett
| Foto: Benett

Difícil ser humano com maior sensação de liberdade do que o marido que fica em casa enquanto a família passa férias na praia. Por mais que esse período seja curto, por mais que esses dias sejam contados, esse cara sabe que deve aproveitar cada milionésimo de segundo desse tempo livre. Afinal, liberdade é produto perecível na prateleira de um pai de família: se não consumir de uma vez, azeda.

A vida caminhava exatamente neste ritmo naquela semana. Esposa e filha pequena na praia, sossego e liberdade em casa. Sentia-se tão bem que nem o fato de ficar trabalhando na cidade, suando Cataratas do Iguaçu de tanto calor, o tirava do sério. Não fosse justamente o expediente no escritório, de que forma desfrutaria de toda aquela independência? Que viessem o terno e a gravata, porque a brisa da liberdade soprava a seu favor!

Já no primeiro dia daquela semana ele provou desse tempero. Foi ao futebol da segunda-feira – uma das poucas heranças que conseguira guardar dos tempos de solteiro – sem se preocupar com horário de voltar para casa. Após a pelada, ainda se arriscou em algumas partidinhas de truco, jogou uma boa conversa fora com a rapaziada e foi-se embora – sabe-se lá a que horas...

Chegasse às 9 da noite ou às 9 da manhã, não faria diferença. Ninguém o esperaria acordado para perguntar se aquilo eram horas ou se poderia preparar a mamadeira da criança que não conseguia dormir.

Melhor, muito melhor: não acordaria com a maldita dor nas costas que sempre o acompanha no dia seguinte a cada discussão com a patroa, quando é obrigado a dormir no sofá.

Nos outros dias, mais diversão. Na terça, chopinho com os colegas da firma. Na quarta, mãozinha de pôquer na casa do vizinho – que por sinal também estava com a família na praia. Na quinta, churrasco na casa do melhor amigo. Na sexta, bate-papo no balcão do boteco. No sábado... Bom, no sábado ele voltava à realidade. Depois do expediente no escritório no período da manhã, era hora de descer a serra pra rever mulher e filha.

Com o carro já na estrada, ainda lhe restava um último lampejo de liberdade. No aparelho de som, nada de músicas infantis. Só canções da preferência dele.

Mas ao buscar o estojo de CDs para trocar de música, reparou que a filha havia esquecido no carro o brinquedo de que mais gostava, presente da própria esposa no primeiro aniversário da criança. Só então se deu conta de que os últimos dias foram pura ilusão. E de que na realidade nunca mais teria liberdade: estava definitivamente preso e amarrado pelos laços de carinho e afeto às duas mulheres de sua vida.

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