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Para o historiador Carlos Roberto Antunes dos Santos, o barreado na verdade surgiu na região entre Antonina e Morretes | Valterci Santos/Gazeta do Povo
Para o historiador Carlos Roberto Antunes dos Santos, o barreado na verdade surgiu na região entre Antonina e Morretes| Foto: Valterci Santos/Gazeta do Povo

História

Criação é atribuída aos portugueses

Segundo o professor Carlos Roberto Antunes dos Santos, do Departamento de História e coordenador do Grupo de Estudos em História e Cultura da Alimentação da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Maria da Glória tem razão. "Não há estudos ou documentos que indiquem uma das cidades, mas a origem é na região entre uma e outra", explica.

A chegada do prato ao estado é atribuída aos portugueses que vieram ao Litoral do Paraná no século 18 e é vinculado ao fandango e ao período de carnaval. "A dança [fandango] foi trazida pelos açorianos, que, no carnaval, comiam o prato para ter energia para dançar", explica o professor.

Registros de que o barreado seria da ilha de Guaraqueçaba ou de Paranaguá também não são verdadeiros, de acordo com Antunes. "O barreado não é filho de Paranaguá. A cidade também tem o prato, mas foi incorporado depois de Morretes e Antonina", aponta. O professor reitera que a rixa entre as cidades se dá por conta da influência da culinária no desenvolvimento turístico.

Anny Snoiejer concorda que os vizinhos souberam explorar melhor o prato comercialmente. "O povo daqui [Antonina] bobeou e deixou passar. Já o morretiano viu o potencial e fizeram um ponto gastronômico conhecido." (IR)

  • Para Maria da Glória Alpendre, o barreado é das duas cidades
  • A origem Anny Snoeijer não garante, já o preparo original sim

Poucos quilômetros separam Antonina de Morretes e ambas têm características que quase se confundem: são conhecidas pela riqueza histórica, ficam aos pés da Serra do Mar e exploram o barreado como prato principal. Este último elemento, porém, é motivo de discórdia entre os municípios, já que há anos morretianos e antoninenses brigam, mesmo que de forma velada, pelo título de berço do prato mais típico do Paraná.

"Sempre falo que é um prato do Litoral para não criar confusão. Mas acho que o nascimento foi em Antonina, só que não posso assinar embaixo", diz a proprietária do Restaurante Buganvil, Anny Snoeijer, 68 anos, cujo barreado tem até versão congelada. A holandesa, que foi parar em Antonina em 1965, abriu o Buganvil em 1986 e sua receita segue os passos tradicionais: a carne é cozida em panela de barro por quase 24 horas junto com uma mistura de alho, cebola, louro, cominho, coentro e pimenta-do-reino.

O cozimento lento deve ser no fogão à lenha, com uma camada de toucinho para forrar o fundo da panela e uma espécie de lacre na tampa feito com farinha de mandioca e água, que "fura" conforme o tempo de cozimento. Segundo Anny, é esta combinação que dá o rosado natural à carne. "Tem gente que põe tomate e até colorau para dar cor, mas é errado", salienta Anny.

A morretiana Maria da Glória Alpendre Silveira, 84 anos, proprietária do Hotel e Restaurante Nhundiaquara, concorda. "O verdadeiro é somente com a carne e o tempero, escaldado com a farinha de mandioca e acompanhado por arroz e banana da terra. Também não pode faltar uma cachacinha", enfatiza.

Desfiar a carne antes, geralmente o músculo traseiro do boi, jamais. De tão macia, ela desfia naturalmente no prato. As duas cozinheiras também abominam a panela de pressão e o fogão a gás. "Poucos fazem direito, essa é a verdade", diz com propriedade Maria da Glória, que forneceu barreado para o Palácio Iguaçu por mais de três décadas. A cozinheira foi convidada a preparar o prato em Curitiba para todos os governadores de Ney Braga (1961-1965) a Jaime Lerner (1995-2002).

Com 26 anos, ela assumiu o posto da mãe, Amália Martinha Alpendre, que lhe passou a receita. O casarão que abriga o restaurante fica às margens no Rio Nhundiaquara e é a construção mais antiga de Morretes. Antes de ser comprado pelo pai de Maria da Glória, Antonio Alpendre, em 1944, o local abrigou um cassino, uma fábrica de meias e a repartição geral dos Telégrafos. "Ele tirou um cochilo no lugar abandonado, viu que não tinha muitos mosquitos e comprou", conta Maria da Glória.

Até hoje, a filha mais velha toca os negócios da família e não prevê aposentadoria. "Vou firme até onde der. Faço questão de preparar o barreado, apesar de hoje já precisar de ajuda", admite.

E nada irrita mais Maria da Glória do que um enxerido abrindo a tampa da panela antes da hora. Assim como não gosta de tomar partido da disputa da origem do prato. "Nesta briga não me intrometo. O barreado é das duas cidades", conclui.

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