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Alimentos convencionais: após a instituição da reavaliação dos defensivos químicos, em 2003, quatro agentes ativos foram banidos e 19 tiveram o uso restringido | Jonathan Campos/Gazeta do Povo
Alimentos convencionais: após a instituição da reavaliação dos defensivos químicos, em 2003, quatro agentes ativos foram banidos e 19 tiveram o uso restringido| Foto: Jonathan Campos/Gazeta do Povo

Produção

No futuro, nem convencional, nem orgânico

Não há como manter o modelo de produção agrícola atual sem o uso de agrotóxicos, de acordo com o coordenador-geral de Agrotóxicos do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), Luís Rangel. "O que posso dizer, no entanto, é que nos últimos 20 anos houve uma melhoria desses produtos e que eles estão menos tóxicos. Acredito, portanto, que em mais 20 anos, teremos duas visões no cenário da agricultura brasileira: um sistema orgânico mais forte, usando de defensivos químicos de alta tecnologia e inofensivos, e um sistema convencional que abraça cada vez mais as soluções biológicas dos orgânicos em larga escala", avalia Rangel. O manejo integrado, como é chamado pelos agrônomos e técnicos da área, já é uma realidade nas lavouras, de acordo com a professora do departamento de Fitotecnia e Fitossanitarismo da UFPR, Cristina Gonçalves de Mendonça. "Toda lavoura que tem o apoio de um profissional está buscando uma produção cada vez mais sustentável, com o uso racional tanto de defensivos químicos quanto biológicos. Acredito que o que precisamos fazer é melhorar cada vez mais esse apoio técnico aos agricultores."

Certificações mais confiáveis aos orgânicos

A exemplo do que já existe com a madeira, com selos como o FSC Brasil (Conselho Brasileiro de Manejo Florestal), os alimentos cultivados organicamente por cerca de 90 mil produtores brasileiros – de acordo com dados do Censo Agropecuário de 2006, di­­vulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) no ano passado – também estão ganhando certificações, ou seja, verificações que atestam se um determinado agricultor usa, realmente, apenas técnicas orgânicas para o controle de pragas e o desenvolvimento de sua lavoura.

Ming Liu, gestor do projeto OrganicsBrasil, uma parceria entre a Agência de Promoção das Exportações e Investimentos do Brasil (Apex) e o Instituto Promo­­ção do Desenvolvimento (IPD), afirma que, hoje, o consumidor precisa verificar os selos de conformidade com as certificadoras. "Mas, a partir de janeiro de 2011, o Ministério da Agricultura, Pe­­cuária e Abastecimento (Mapa) instituiu que todos os produtos devem ter o selo nacional na sua embalagem. Este selo, sim, irá garantir que o produto é orgânico, pois somente empresas cadastradas e certificadoras acreditadas pelo ministério poderão emitir e utilizar os selos." Segundo informações da Agência Brasil, divulgadas nesta semana, o Mapa deve credenciar cerca de 15 certificadoras para o selo até o fim deste ano.

De acordo com o coordenador estadual de olericultura do Ema­­ter, Iniberto Hamer Schmidt, a credibilidade de produtores locais também será testada a partir do ano que vem. "O selo poderá ser dispensado quando o agricultor vender o produto no mesmo município onde o produz, basta que ele esteja inscrito em uma cooperativa ou associação que ateste a autenticidade de sua produção."

Fiscalização é a solução para os não autorizados

Embora as pesquisas e os especialistas não indiquem níveis preocupantes de agrotóxicos na alimentação, a conscientização dos agricultores no uso correto dos produtos para que nenhuma falha aconteça ainda é um desafio. O engenheiro agrônomo Iniberto Hamer Schmidt, do Emater, conta que os cursos do órgão têm reunido muitos produtores, mas que faltam técnicos para fazer um trabalho mais ativo. "Hoje temos cerca de 1,2 mil técnicos e temos uma abrangência de atendimento de 160 mil agricultores/ano, mais ou menos, mas se tivéssemos mais 500 técnicos poderíamos fazer um trabalho de contato mais intenso, de fiscalização e orientação na lavoura", analisa.

Em fevereiro deste ano, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento publicou uma instrução normativa que instituiu um trabalho de pesquisa e recomendação de defensivos para culturas órfãs de qualquer indicação. "É nessas culturas que, geralmente, ocorre o uso errado. O produtor não tem nenhum defensivo indicado oficialmente para o seu tipo de plantação e vai procurar em outro um produto que atenda sua necessidade de controle de pragas. É nessa troca que são detectados, mais tarde, resíduos não autorizados em determinados alimentos", explica o coordenador-geral de Agrotóxicos do ministério, Luís Rangel. A ideia é analisar algumas dessas culturas e indicar o produto certo para cada necessidade. O trabalho, segundo Rangel, vai ser comandado pela Embrapa.

Orgânico ou convencional? Independentemente da sua resposta, a maioria da população consome o que a maior parte do Paraná e o Brasil produzem: o con­­vencional. Segundo dados do Instituto Paranaense de As­­sis­­tência Técnica e Extensão Rural (Emater), apenas 1,5% (4,7 mil) das 374 mil propriedades produtoras existentes no estado cultivam pelo sistema orgânico. Produzidos com o emprego de agrotóxicos e defensivos agrícolas de origem química, os alimentos convencionais têm ficado com cara de vilão em uma época em que os orgânicos viraram moda e sinônimo de boa alimentação.

Segundo técnicos e especialistas das áreas de Agronomia e Ciências Médicas consultados pela Gazeta do Povo, no entanto, o uso por si só de defensivos químicos não traz riscos à saúde da população. O perigo, segundo eles, está na má aplicação dos produtos, que possibilita que resíduos de pesticidas e outros defensivos permaneçam nos alimentos depois da colheita. "Isso acontece, geralmente, com a troca do produto – o agricultor aplica o defensivo que é para o feijão em uma hortaliça – e com o desrespeito do período de carência, o intervalo entre pulverização e colheita, permitindo que o alimento fique com um residual do produto que, se acima dos limites aceitáveis, é prejudicial à saúde", explica o engenheiro agrônomo e coordenador estadual de olericultura (área da horticultura que abrange hortaliças e culturas folhosas, raízes, bulbos, tubérculos, frutos diversos e partes comestíveis de plantas) do Ema­­ter, Iniberto Hamer Schmidt.

O Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Ali­­mentos (Para), feito anualmente desde 2001 pela Agência Nacio­­nal de Vigilância Sanitária (An­­visa), indica, porém, que erros assim, embora aconteçam, são minoria na produção brasileira. Na última pesquisa divulgada na semana passada, das 3.130 amostras de alimentos escolhidas com base na cesta básica do brasileiro e compradas em supermercados das capitais, entre elas Curitiba, 29%, ou 907, foram consideradas "insatisfatórias" pela Anvisa, ou por terem resíduos de agrotóxicos não autorizados para aquela cultura (23,8%) ou por terem restos acima do limite máximo permitido (2,8%). "Mesmo não sendo autorizados para aquele alimento, boa parte dos agentes é encontrada em quantidade mínima e que não traz riscos para a população. A forma como essa informação é divulgada pela Anvisa causa uma preocupação falsa", alerta o coordenador de Saúde Ambiental do Departa­mento de Medicina Preventiva e Social da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Esta­­dual de Campinas (Unicamp), Angelo Zanaga Trapé, que trabalha há 30 anos com a relação entre a alimentação e os agrotóxicos. Pelo relatório, 75 amostras tinham agrotóxicos não autorizados e acima do limite. Os alimentos mais problemáticos foram o pimentão (com 80% das amostras insatisfatórias), uva (56,4%) e pepino (54,8%).

O próprio coordenador-geral de Agrotóxicos do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abas­tecimento (Mapa), Luís Rangel, reconhece que a interpretação dos dados da pesquisa precisa de aprimoramento. "Nós geramos a informação, mas ainda não conseguimos ter uma interpretação adequada. A pesquisa como um todo é um investimento bastante grande, não só de custos de tecnologia laboratorial, mas de técnicos capacitados para fa­­zer a coleta correta das amostras, de aplicação de metodologias e validação de padrões. É um processo em aprimoramento."

Reavaliação

Embora pequenos, os indícios trazidos por pesquisas como essa da Anvisa são importantes para um trabalho posterior no campo, com os produtores, e também de reavaliação de produtos, que podem resultar em mudanças na orientação de uso do agente ativo ou mesmo no banimento do mesmo no mercado nacional. Nesse último relatório, 842 amostras (26,9%) foram rastreadas até o produtor/associação de produtores, 163 (5,2%) até o embalador e 2.032 (64,9%) até o distribuidor. Somente 93 (3%) amostras não tiveram qualquer rastreabilidade.

A reavaliação a qualquer tempo é uma conquista de 2003, da Lei 7.802/1989. De lá para cá, quatro agentes ativos usados na formulação de agrotóxicos foram banidos e outros 19 tiveram o uso severamente restringidos. Ainda este ano, segundo informações da Agência Brasil, outros 14 agentes que começaram a ser reavaliados em 2008 terão seu processo concluído. "Qualquer indício de que este produto seja tóxico para homens ou animais, seja a população em geral ou o agricultor, diretamente, é motivo para fazermos a reavaliação", explica Rangel.

Mesmo na aprovação para fabricação e comercialização de novos agrotóxicos, o processo é considerado bastante rígido, podendo levar até dez anos para sair. Cada novo defensivo agrícola passa por uma avaliação de três ministérios (Agricultura, Saúde e Meio Ambiente). Os testes sobre os efeitos na saúde do homem são comandados pela Anvisa. "Uma parte dessa pesquisa é feita com animais de diferentes espécies para ver o nível de toxicidade, em diferentes aspectos, desse produto no organismo. É com base nesses testes que é determinada uma ingestão diária aceitável e, posteriomente, definidos os limites máximos de resíduos", explica a professora doutora Cristina Gonçalves de Mendonça, do departamento de Fitotecnia e Fitossanitarismo da Universi­­dade Federal do Paraná (UFPR). Substâncias cancerígenas ou mutagênicas (que podem causar mutação), por exemplo, nem passam nos testes.

Segundo Trapé, os índices de limite máximo são bastante seguros. "Você imagina que o limite sai de uma margem bastante grande. No caso das crianças, por exemplo, mais sensíveis, o índice é ainda multiplicado por mil, aumentando ainda mais a margem de segurança. É claro que isso (a pesquisa para aprovação) é experimental e pode ser que lá na frente, assim como ocorre com alguns medicamentos, algum efeito inesperado aconteça, mas é raro", lembra Trapé. Para ele, um dos melhores indicadores de que tudo melhorou e que comer o que é produzido no Brasil é seguro está no fato de que nos últimos dois anos e meio não atendeu nenhum caso de intoxicação ocupacional (no trabalho) aguda por agrotóxicos no Hospital das Clínicas de Campinas, que é referência na área para toda a região de grande produção agrícola. "Muito menos de intoxicação por resíduo na alimentação", frisa.

Consumidores

O conselho da Anvisa para evitar alimentos com resíduos é procurar comprar aqueles da época e com origem identificada ou mesmo os com algum tipo de certificação, como aquelas para alimentos orgânicos, já que garantem um controle maior de produção. O órgão lembra também que os procedimentos de lavagem e retirada de cascas e folhas externas de verduras podem contribuir para a redução dos resíduos de agrotóxicos presentes apenas na superfície dos alimentos.

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