• Carregando...
Veja o perfil do solteiro da terceira idade |
Veja o perfil do solteiro da terceira idade| Foto:

A.T. ficou sozinha por 17 anos. Separada aos 42, ainda tentou com um namorado por dois anos, mas desistiu de relacionamentos amorosos até chegar na terceira idade. Uma opção que ela considerava definitiva. "Não queria mais saber de homem. Mas, com o passar dos anos, achei que estava na hora de procurar um senhor distinto para ser meu companheiro. Afinal, ainda tenho muita vida pela frente para ficar sentada sozinha no sofá", diz a comerciante aposentada, que completa 71 anos no sábado. A. usou um recurso moderno para quem foi criada em uma época em que os namoros eram vigiados pela família: procurou uma agência de relacionamentos. "Onde eu ia encontrar namorado? Na feira, na igreja e no supermercado é que não era", diz. A empreitada deu certo. Ao mesmo tempo, o corretor imobiliário J.P., de 65 anos, também buscava uma nova companheira, após sair de um casamento de 40 anos. Um empurrãozinho da dona da agência fez com que o casal finalmente engrenasse. "J. saiu com pelo menos cinco mulheres antes de conhecer a A. Mas o perfil dos dois era muito compatível. Insisti para que se encontrassem", conta Sheila Chamecki Rigler, da Par Ideal. Em janeiro, o casal completa quatro anos de namoro. Por enquanto, cada um mora na sua casa – ela no Batel; ele, no Alto Boqueirão –, com encontros às quartas-feiras e nos fins de semana. Passeiam na feira, jantam fora, viajam, vão ao cinema, namoram. As festas de família são particularmente animadas. A. tem três filhas e quatro netos; J. já é bisavô, também com quatro netos e três filhos, e até o ex-marido dela já os recepcionou em casa. Os planos de morarem juntos estão longe, segundo A. "Quando adoecermos ou precisarmos de cuidados mais específicos, vamos juntos para uma casa de repouso. Mas temos a certeza de quem vai cuidar do outro, para o resto da vida", diz. O arranjo afetivo corresponde à expectativa da maior parte das mulheres com idade acima de 60 anos cadastradas na agência. Elas querem só namorar. Casamento é um desejo masculino. Além da diferença na expectativa quanto ao relacionamento amoroso, o contingente também é desproporcional. Há mais mulheres acima de 60 anos do que homens da mesma idade em busca de parceiros. A conta é reflexo de uma condição demográfica descrita em estatísticas, e batizada de pirâmide da solidão pela demógrafa Elza Berquó, da Universidade Estadual de Campinas (SP), em 1986. A longevidade da mulher a condena a uma velhice solitária: seu parceiro morre antes e um novo relacionamento fica mais difícil, ao passo que os homens que chegam à maturidade buscam por parceiras mais jovens. Na Pesquisa Nacional por Amostra Domiciliar (Pnad) de 2009, divulgada na semana passada, há até quatro vezes mais viúvas acima de 60 anos do que viúvos da mesma idade. E a taxa de nupcialidade entre os homens dessa faixa etária é de 76%, contra 52% entre mulheres. Na rotina da agência, o movimento se repete. "Os homens, de qualquer idade, preferem as mais novas. Descartam as candidatas por causa da faixa etária, apesar de terem boa aparência e estabilidade financeira", diz Sheila. Por isso é mais difícil encontrar o parceiro para as senhoras. Tanto que o prazo mínimo do contrato para as mulheres idosas é de 24 meses. O normal é de 12 meses, inclusive para os mais velhos. Além da idade, o descolamento das expectativas no relacionamento também interfere no alinhamento dos parceiros, seja dentro da agência ou fora dela. "O homem não acompanhou a evolução social e comportamental da mulher nos últimos 60 anos. Mais independentes, o casamento não é mais a única forma de convívio social para elas. Ao mesmo tempo, eles querem resgatar a figura da parceira mais dedicada ao companheiro e ao lar", explica a psicóloga Letícia Silvério Netto. A mudança do perfil afetivo da mulher madura é reflexo do movimento da sociedade contemporânea. As idosas não precisam necessariamente vivenciar as transformações sociais para aplicá-las à sua própria vida. Repetem a rotina que observam nas filhas e netas, e avaliam essas conquistas. É certo que valores pessoais, educação e questões culturais também afetam a sexualidade e podem alterar as condutas nos relacionamentos. Na terceira idade, todo esse conjunto pode ser revisto e reavaliado, apontando para novos comportamentos e descobertas. "A maturidade dá essa condição. A viuvez, o divórcio ou o abandono vão influenciar escolhas futuras. Ela pode optar por testar novos modelos de relacionamento, ao ver as mais jovens satisfeitas com esse arranjo. Ou decidir por manter o padrão antigo, se for feliz dessa forma", diz Letícia. A tendência, porém, é não abrir mão da independência e autonomia. "Já criaram os filhos e netos. Elas querem companhia para curtir as coisas boas da vida." Por outro lado, os homens fazem um movimento contrário, com tendência à estabilidade e comodismo. "Parece um retorno para casa, um resgate de um modelo que ele negligenciou na juventude, seja qual for o motivo."

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]