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Dolores Diedrichs Araújo, de 88 anos, cultiva a convivência entre filhos, netos e bisnetos e superou a solidão | Albari Rosa/Gazeta do Povo
Dolores Diedrichs Araújo, de 88 anos, cultiva a convivência entre filhos, netos e bisnetos e superou a solidão| Foto: Albari Rosa/Gazeta do Povo

Remédio caseiro

Aconchego e carinho são tudo que o idoso precisa para sentir-se incluído na rotina familiar. Atitudes simples tornam a convivência muito mais prazerosa para todos.

Gesto

> Ações corriqueiras fazem a diferença para quem se sente sozinho. Um cumprimento com carinho e natu­­ralidade, uma xícara de chá quen­­tinho. "O im­por­tante é o gesto. A inclusão deve ser amorosa e ver­­da­­deira", diz a tera­peu­ta Elza Cordeiro. O toque físico é tão fundamental quanto o gestual: beije, abrace e faça carinho no seu velhinho.

Convivência

> Estimule a participação do idoso em redes de convivência. A atividade em grupo elimina muitos sintomas, o que gera economia de recursos em planos de saúde e siste ma de atenção mé­dica, tanto do SUS como particulares. Dias de internamento hospitalar para diagnósticos complexos são facil­­mente substituídos por tardes de pro­­gramação agradável entre amigos.

Limites

> Nem proteja, nem exija demais. O risco de isolar o idoso por temer sua fragilidade física, comprometendo a sua autonomia, também leva ao isolamento. Também é preciso respeitar seus limites e adequar programas e passeios em que ele não fique esgotado e acabe evitando a companhia com medo de não acompanhar o ritmo.

Laços

> Investir na consolidação de laços afetivos e vínculos familiares. Valo­­rizar a história do idoso e sua par­­ti­­cipação na vida de cada um. "Acompanhá-lo ao médico, ouvir suas queixas, procurar escutá-lo. Esse cuidado aproxima pais e avós de filhos e netos. Demonstra preo­­cupação com sua saúde e bem-estar", diz o neurologista Giorgio Fabiani.

Parece até invenção de moda: todo mês, o idoso dá o ar da graça no consultório médico. Animado com a conversa na sala de espera, nem se incomoda com o atraso na consulta. Puxa papo com a secretária, com outros pacientes, até chegar sua vez. Dentro do consultório, relata dezenas de sintomas que se encaixam em diferentes doenças: tonturas, dores no corpo, formigamento em braços e pernas. O médico precisa estar atento para perceber se esse paciente sofre de vários males ou de apenas um: solidão. Muitos promovem um verdadeiro shopping médico, em diversos especialistas. A peregrinação vai além da busca por um diagnóstico correto. O remédio que ele quer é atenção. "Ele não está fingindo. Os sintomas são reais. O paciente somatiza seu abandono em dores e tonturas", alerta o neurologista Giorgio Fabiani, do Hospital das Nações, de Curitiba.

Solidão adoece e pode até matar. Estudos científicos comprovam que tristeza prolongada enfraquece o sistema imunológico do indivíduo e abre caminho para doenças como câncer e cardiopatias. No caso de idosos, a falta de atenção e cuidado de amigos, familiares e da sociedade em geral leva a um isolamento perigoso, que coloca em risco a saúde mental e até a vida. Há 20 dias, a notícia da descoberta de um idoso de 70 anos, morto há três anos dentro de um apartamento no subúrbio de Paris, deu um sinal de alerta. "O velho corre o risco da invisibilidade social, dentro e fora de casa, seja por preconceito ou por excesso de proteção. Quando não o consideram muito velho para acompanhar os programas da família, querem poupá-lo do excesso de atividades e lhe tiram a autonomia. Ele passa a ser excluído da rotina dos familiares e fica recluso", aponta a terapeuta familiar Elza Cordeiro. No exemplo francês, o cadáver só foi descoberto quando o síndico do edifício entrou na justiça para cobrar o condomínio atrasado. O irmão da vítima acionou a polícia, que invadiu o apartamento e encontrou o idoso morto. A caixa postal lotada e a ausência dele no bairro não causaram estranheza na vizinhança. "É um caso clássico de individualismo. Cada um cuida da própria vida, sem prestar atenção nas necessidades do outro", observa Fabiani.

Longe de situações extremas como essa, o isolamento social e familiar também pode ser nocivo. Sem convivência e participação na rotina da casa e a perda de uma função social dentro do núcleo familiar, o idoso sente-se só. E sofre com isso. O comportamento muda. "O humor se altera com facilidade, há episódios de choro aparentemente sem razão. Há mudanças no apetite e nos hábitos de sono. Muitas vezes, a família não percebe esses sinais. E o idoso se retrai diante dessa postura, piorando ainda mais o quadro", observa Elza.

Para o neurologista, além da família, o profissional de saúde que acompanha o idoso também precisa prestar atenção no histórico do paciente. Caso contrário, corre-se o risco de tentar curar a doença errada ou piorar uma condição de saúde já fragilizada. O uso desnecessário de medicamentos é um dos maiores problemas, como antidepressivos sem indicação ou remédios para tonturas que levam ao desenvolvimento do mal de Parkinson. "Ainda há o risco de interações medicamentosas com doenças pré-existentes, complicando ainda mais o quadro clínico. É preciso saber ouvir o idoso, dar voz a ele", diz Fabiani.

Mudanças bruscas na rotina, como uma viuvez, também podem desencadear sintomas relacionados aos efeitos da solidão. A dona de casa Hida Dolores Diedrichs Araújo, de 88 anos, sofreu muito com a perda do marido, há 17 anos. Ele morreu cinco meses antes de completarem 50 anos de casados. O baque foi tão forte que Dolores desenvolveu problemas de coração. "Estava muito triste e deprimida. Fiquei muito abatida", diz. Após a cirurgia cardíaca, seguiu a recomendação médica de fazer exercícios físicos. Também recebeu suporte familiar. "O acolhimento é fundamental para tirar o idoso do isolamento. Ele precisa sentir-se aconchegado, pertencente ao núcleo familiar", explica Elza.

Atentos à condição de Dolores, filhos e netos (na época, somente os 12 netos. Hoje ela soma à trupe seis bisnetos) a cercaram de cuidados e companhia. Ela mesma também se ajudou: nunca mais abandonou a hidroginástica, modalidade que pratica três vezes por semana. Também teve a iniciativa de viajar. Primeiro com a família, em réveillons inesquecíveis em diversas partes do mundo, depois com um grupo de idosos organizado por uma agência de turismo de Santa Catarina. Rodou o planeta. "Conheci e vi muita coisa bonita mundo afora. Agora quero descansar", brinca. As viagens devem ser mais curtas, mas a movimentação em casa não deve diminuir tão cedo. Netos e bisnetos são presença garantida. "Sempre tem um almoçando comigo aqui", conta a avó, que já adaptou um parquinho infantil para os menores. "No Natal, fiz um jantar para eles. Foi uma festa", diz.

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