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Direta ou indiretamente, o calçadão da Rua XV de Novembro é o caminho do ganha-pão de 140 mil curitibanos que passam diariamente pelos 808 metros de extensão do passeio, da Praça Osório à Rua Presidente Faria. Porém, para um grupo particular, a calçada de 16 mil metros quadrados – e que há exatos 117 anos recebeu o nome atual em homenagem à Proclamação da República – não é apenas um local de passagem. É o próprio ambiente de trabalho, a céu aberto.

Fora os artistas de rua, que sempre têm uma habilidade nova para mostrar no calçadão (além, é claro, dos famosos vendedores de loterias), os divulgadores de cardápios (como são conhecidos os sujeitos que esgoelam a voz em busca de clientes para os restaurantes da rua) formam a categoria que mais cresce no mercado informal da XV. Tanto que apenas na quadra entre a Monsenhor Celso e a Barão do Rio Branco, quatro disputam a atenção dos transeuntes.

Um deles é Domingos Costa, 47 anos, que há quatros anos reforça o salário de vigia noturno de R$ 1 mil fazendo bico de divulgador. O expediente na XV é na folga do trabalho de vigilância em São José dos Pinhais, que vai das 22 às 6 horas. Das 11 às 15 horas, Costa oferece os mais variados pratos quentes e frios ao módico preço de R$ 3,50. O extra que ganha na rua é de R$ 25 por dia, mais vale-transporte e alimentação, o que soma um total de cerca de R$ 500 no fim do mês.

No tempo em que está na XV, Costa já viu de tudo. "De briga de marido e mulher a assalto. Tudo o que você não viu na vida, vê aqui". Ele mesmo já foi envolvido em briga. A disputa por espaço entre os divulgadores, revela, é grande. Tanto que uma vez ele teve o rosto arranhado por um concorrente. "Só não reagi porque sou evangélico e não acredito em violência", afirma.

Já o voluntário da Igreja Assembléia de Deus João Pedro Cabral, 55 anos, tem na XV de Novembro o espaço para pregar a palavra divina. Após atuar em presídios e hospitais, Cabral escolheu a rua para evangelizar. E nessa escolha, não poderia haver local melhor do que o calçadão da XV. Mais especificamente dois pontos: a esquina com a Monsenhor Celso, às segundas-feiras, e em frente ao antigo Cine Ritz, às quartas e sábados."Aqui é um ponto estratégico, pois mais pessoas ouvem a palavra de Deus", salienta o voluntário, que utiliza nas pregações um megafone – comprado numa loja ali mesmo da XV – e um microfone modulado numa caixa de 65 decibéis.

Eletricista e encanador de ofício, Cabral reclama da falta de oportunidade a trabalhadores de sua idade. Hoje, ele vive de doação de empresas de proprietários evangélicos e de bicos que faz numa vidraçaria, onde recebe R$ 240 por mês.

Expediente na rua

Piauiense criado no Rio de Janeiro, o corretor de imóveis Luiz Nilson, 63 anos, mora há 32 anos em Curitiba. Nesse período, boa parte dos amigos que fez ele encontra todos os dias no Café da Boca, na Avenida Luiz Xavier – que, de tão pequena, é considerada a menor do mundo, na verdade um apêndice da XV de apenas uma quadra.

Nilson é um habitué tão freqüente do mais tradicional ponto de encontro da capital que o transformou em seu próprio escritório. É na rua, por recomendações de amigos da Boca ou muitas vezes por telefone celular, que ele fecha contratos de venda e locação. Por ser um grande conhecedor da região, a maior parte dos imóveis que negocia estão no próprio Centro.

Dessa forma, há dois anos o corretor entregou a sala onde mantinha o escritório no Edifício Tijucas, sobre o Café da Boca e que custava R$ 200 mensais o aluguel, e usa uma das cadeiras de engraxate do local como ponto de referência para ser encontrado. "Não adiantava eu ter a sala. As pessoas nunca me encontravam lá porque eu sempre estava aqui na Boca", revela ele, que, mesmo na rua, faz expediente comercial: das 9 às 18 horas, de segunda a sexta, e das 9 às 13 horas, aos sábados.

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