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Depois da suspeita de cinco casos de extorsão e depois que a polícia paulista desperdiçou cinco oportunidades de prender o Juan Carlos Ramirez Abadía, um dos traficantes de drogas mais procurados do mundo, onde estava ele? Uma gravação do circuito interno de TV revela que o traficante estava passeando num shopping de Curitiba. As imagens, exibidas neste domingo (7)pelo "Fantástico", são de outubro do ano passado e mostram o colombiano disfarçado, com óculos e bigode. Pouco depois, Abadía encontra os comparsas Patcho, Vítor Verano, o piloto de avião André Barcelos, e Aline Nunes. Com exceção de Patcho, que está foragido, todos foram presos em agosto deste ano pela equipe do delegado federal Fernando Francischini.

Desde a primeira suspeita de extorsão em São Paulo, até a prisão do megatraficante, um ano e três meses se passaram. Nesse período, Abadía levou vida de rei no Brasil. Enriqueceu ainda mais com o tráfico. E lá na Colômbia acabou com muitas famílias. Os computadores dele mostram que em apenas um ano o traficante mandou matar mais de 100 pessoas.

- Não existe em nenhum lugar do mundo crime organizado sem a participação do Estado. O que impressiona é a corrupção policial, é o envolvimento de agente do Estado em receber propina de perigosos traficantes, que há muito já deveriam ter sido presos e continuam em liberdade - afirma o procurador-geral de Justiça do Estado de São Paulo, Rodrigo César Rebello Pinho.

Total controle sobre o cartel

Juízes, homens do Exército e policiais na folha de encomendas de assassinatos, ampliação das rotas do tráfico, gastos milionários com propinas. Computadores de Abadía, apreendidos na Colômbia, revelam que o traficante não veio ao Brasil apenas para se esconder. Ele sabia e tinha total controle sobre as atividades do cartel de cocaína do Vale do Norte. No sábado, oito policiais de São Paulo foram afastados , depois de serem acusados extorquir a quadrilha do traficante.

Documentos conseguidos com exclusividade pelo "Fantástico" mostram que, de São Paulo, Ramírez Abadía administrava nos mínimos detalhes os negócios ilegais na Colômbia. Do estoque de drogas à liberação de dinheiro para subornar dezenas de autoridades. Ainda de acordo com as investigações, toda semana homens de confiança do cartel vinham a São Paulo prestar conta ao traficante. Muitas reuniões aconteciam em suítes de hotéis cinco estrelas.

O resultado dessas conversas ficavam registrados em computador. Nos arquivos, dados estarrecedores. Durante os três anos de esconderijo no Brasil, Abadía arrecadou US$ 70 milhões por mês, faturamento maior qure o de muitas empresas.

De uma única rota, em um único mês, o traficante embolsou quase US$ 38 milhões com transporte de cocaína. No Brasil, Abadia controlou a venda de 122 mil quilos da droga.

- Acho que tudo isso tem de ser provado, mas o que mostra é que de fato existia um controle, que a operação continuava funcionando normalmente - diz Sérgio Alambert, advogado de Abadia.

As provas já existem. Depois da análise dos computadores, foram apreendidos US$ 90 milhões na Colômbia. E a Justiça colombiana confiscou 322 propriedades de Abadía. As investigações agora se concentram em uma relação de assassinatos. As planilhas listam muitas mortes sob encomenda, com indicação do valor pago aos assassinos.

Mapas de navegação também estavam no computador. Eles mostram os caminhos do tráfico da Colômbia para os países vizinhos e os Estados Unidos. Havia registro de posições de fragatas americanas, para que barcos cheios de cocaína passassem longe da fiscalização. Segredos comprados pela corrupção: US$ 70 mil para deslocar uma patrulha de uma das rotas marítimas da cocaína; US$ 10 mil para interromper um processo judicial, outros US$ 10 mil para um investigador de polícia.

Corrupção no Brasil

As investigações mostram que Abadía também comprou muita gente no Brasil para não ser incomodado. Em depoimento a promotores no prédio da Justiça Federal, em São Paulo, o traficante contou que ele e seus principais colaboradores sofreram cinco extorsões de policiais civis. Nessas anotações, feitas pelo próprio traficante, estão valores, apelidos e nomes de alguns dos acusados de cobrança de propina.

"Barco, delegado da Fazendária, R$ 400 mil à vista". A corrupção se refere ao iate do traficante, avaliado em quase R$ 2 milhões. O barco foi registrado em nome de Daniel Maróstica, testa de ferro de Abadía que também está preso. Daniel não tinha como justificar a compra. Abadia afirma que resolveu o problema dando dinheiro a policiais.

- Eles fizeram um cálculo de qual seria a multa se isso viesse à tona, chegaram a um valor de R$ 400 mil. E aí ele pagou o valor correspondente, que seria, entre aspas, a multa - conta Sergio Alambert.

"Denarc, Alemão, outros". Este depoimento de Daniel dá os detalhes da extorsão. Daniel conta que em maio do ano passado testemunhou o seqüestro do comparsa Henry Edwal Lagos, o Patcho, que está foragido. Três homens armados, que se identificaram como policiais, levaram Patcho de uma pista de kart perto de São Paulo. Um deles, era um certo Alemão. Ainda na versão de Daniel, pouco depois os supostos policiais telefonaram exigindo US$ 280 mil de resgaste. O dinheiro deveria ser entregue no Denarc, o departamento de combate às drogas da polícia de São Paulo.

Com medo de ir até lá, Daniel deixou os dólares dentro de um carro, no estacionamento de uma farmácia, perto do Denarc. Patcho foi libertado na estrada e contou para Daniel que apanhou muito dos policiais.

Abadía escreve: "Denarc, gordão de bigode". Ele se refere ao delegado Pedro Pórrio. Em depoimento, Daniel diz suspeitar que esse delegado, na época no Denarc, comandou o seqüestro de Patcho. Segundo o comparsa de Abadía, o delegado Pórrio também apareceu no dia em que Ana Maria Stein, mulher de Daniel, foi levada ao Denarc para averiguação.

Um grupo de policiais pressionou para ficar com o carro de Daniel e Ana, mas a documentação estava com problemas. Daniel conta que alguns dias depois foi procurado pelo policial do Detran, Severino Amâncio da Silva, para regularizar a situação do veículo, que foi vendido para saldar a dívida da extorsão. Daniel deu a Severino R$ 50 mil em cheques de terceiros. E uma moto, que segundo ainda o sócio de Abadía, foi usada para pagar outra extorsão para outros policiais.

E Patcho foi vítima de mais um seqüestro, revelou Abadia. O traficante disse que negociou a libertação do parceiro de crime.

- Advogado do Abadia: Ele foi pagar pessoalmente, valor de US$ 800 mil.

- Fantástico: E entregou nas mãos de quem?

- Advogado do Abadia: Entregou na mão de pessoas que ele não conhece, que pra ele, se intitulavam como policiais. Ele disse inclusive que em um dos momentos chegaram a oferecer pra ele a possibilidade que ele pagasse em mercadoria.

- Fantástico: Em mercadoria, quer dizer, em cocaína?

- Advogado do Abadia: Em cocaína.

O delegado Pedro Porrio negou as acusações. Ele, outros dois delegados e mais cinco investigadores, num total de oito policiais civis, foram afastados por ordem do secretário de Segurança Pública.

- O estado jamais pode se igualar ao marginal. Nem o estado nem seus agentes. Portanto caso essas denúncias sejam comprovadas, sem dúvida nenhuma, quem assim a praticou será tratado como criminoso - afirma o secretário de Segurança, Ronaldo Marzagão.

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