Manifestação em São Paulo: briga entre militantes partidários e manifestantes para que não fossem exibidas bandeiras de legendas durante passeatas| Foto: Marcos Bezerra/Futura Press/Folhapress

Entrevista

"O que mais espanta é que o tom dominante foi o antipartido" Rio de Janeiro

Jairo Nicolau, cientista político.

Agência O Globo

O cientista político Jairo Nicolau acredita que os partidos políticos enfrentam consequências de um longo processo de decadência, desde os anos 1980, e estão sendo surpreendidos. Quando o quadro era de descrédito partidário, o surgimento do PT surpreendeu a elite política tradicional. Mas seu afastamento das ruas, tanto pela nova legislação dos partidos, quanto pela tomada do poder, influencia a atual imagem das legendas nacionais. Agora, avalia o cientista político, são os políticos, inclusive os do PT, que estão surpresos. Embora seja perigoso generalizar ou tirar conclusões neste momento, Nicolau afirma que ecos do movimento das ruas podem surgir nas eleições de 2014, nem que seja no formato de votos nulos ou abstenções.

É possível explicar como funciona esse novo tipo de militância?

Quanto mais ampla a manifestação, mais ela atinge jovens ou pessoas que não são militantes. Acho que pegou todos de surpresa. Não pelo fato de haver manifestação, já assistimos a muitas com mil, 2 mil pessoas. A questão é: por que dessa vez encaixou? Ganhou adesão tão forte? Serão levantadas várias hipóteses. Minha sobrinha relatou que ficou chateada porque havia bandeira do PSTU, quando o combinado era que não haveria. É o relato dela e lemos isso nos jornais. O que mais espanta é que o tom dominante foi o sentimento antipartido. Sou de uma geração que cresceu convencida de que não há política sem partido.

E como o senhor enxerga os jovens que lotaram ruas de capitais, são politizados ou não?

Generalizações são perigosas quando falamos de uma geração, temos que ter cuidado. Em geral, não é que eles não se interessem pela política. Eles se interessam, mas acompanhar a vida partidária não é um componente dessa geração. São indignações genéricas, contra obras da Copa, custo de vida, temas importantíssimos, mas não são coisas específicas.

O senhor vê consequências para as eleições de 2014?

Esse sentimento de recusa pode crescer e, em 2014, ser traduzido de diversas maneiras. Pode aparecer uma campanha pelo voto nulo, não comparecimento ou até algum candidato capturar isso. Mas ele não pode ter uma feição muito vinculada ao mundo da política tradicional.

Políticos têm revelado, perto e longe dos microfones, que estão surpresos...

Claro que estão surpresos, todos estão. Eu também estou com a potência. Fico pensando o que os dirigentes do PT, que estão no poder, tentam entender disso. Porque eles surpreenderam a elite política tradicional pelo menos duas vezes, na fundação e nos movimentos da década de 1960. Não sabemos qual será o desdobramento, eu não apostaria em nada.

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Cristovam Buarque, senador

A expressiva rejeição aos partidos políticos nos protestos que tomam conta do país reacendeu com força no Congresso a ideia de promover uma Assembleia Constituinte exclusiva para promover a reforma política. E já começam a surgir propostas que até há pouco tempo eram impensáveis para a classe política. Em discurso ontem, o senador Cristovam Buarque (PDT-DF) defendeu a extinção dos partidos políticos no Brasil para que eles ressurjam reformulados em um novo formato. Também propôs a possibilidade de a legislação permitir que pessoas possam se candidatar nas eleições sem estar filiadas a legendas.

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"Talvez eu radicalize agora. Mas acho que, para atender o que eles querem, nós precisaríamos de uma lei com 32 letras: ‘Estão abolidos os partidos, estão abolidos todos os partidos’. Isso sensibilizaria a população lá fora", disse Buarque. "Hoje, nada unifica mais todos os militantes e manifestantes do que a ojeriza, a desconfiança, a crítica aos partidos políticos."

O senador disse que será necessário colocar "outra coisa" no lugar das atuais legendas – sem dizer o que seria isso. "Nossos partidos não refletem mais o que o povo precisa com seus representantes, nem do ponto de vista do conteúdo, nem do ponto de vista da forma."

Para reorganizar os agentes políticos brasileiros e a maneira de fazer política, ele defendeu a realização de uma Assembleia Constituinte exclusiva para discutir reforma política, com prazo máximo de um ano para a conclusão dos trabalhos. A reforma, na opinião de Buarque, deve incluir permissão para o chamado "voto avulso", em candidatos independentes, não filiados a nenhum partido.

"Creio que essa é uma proposta que poderia levar à revolução. Não há manifestação de um milhão de pessoas em um dia que não exija uma revolução", prosseguiu Buarque. Na opinião do senador, os milhares de manifestantes não vão aceitar nada menos que uma "revolução" no país, começando pela reforma política.

Apoios e críticas

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Os senadores Pedro Taques (PDT-MT) e Pedro Simon (PMDB-RS) também defenderam a convocação de uma Constituinte para discutir exclusivamente a reforma política. "Quando o senador Cristovam fala em convocar uma Assembleia Nacional Constituinte, eu entendo o porquê. É porque ele, como toda a sociedade, não acredita no Congresso Nacional, duvida que nós façamos alguma emenda positiva a favor do povo brasileiro", disse Simon.

Em movimento contrário, o ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho, criticou ontem a rejeição do movimento de rua aos partidos. Para ele, o país corre o risco de virar uma ditadura sem siglas políticas que representem a sociedade.

"Quando se grita ‘Sem partido’ [nas manifestações], nós vemos aí um grande pedido. E não há democracia sem partido. Não há democracia sem uma forma mínima de instituição. Sem partido, no fundo, é ditadura. Temos de ficar muito atentos a isso", afirmou Carvalho.

Legislativo

Congresso prepara agenda positiva para responder apelo das ruas

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Folhapress

Em tentativa de responder às manifestações de rua em todo o país, o Congresso Nacional planeja tirar da gaveta projetos que atendam à agenda dos protestos, que cercaram duas vezes na semana a sede do Legislativo. Os presidentes da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), e do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), encomendaram às assessorias levantamento de medidas em tramitação nas duas Casas que contemplem a "pauta das ruas". A ideia é resgatar propostas para as áreas de segurança, saúde, educação e transporte público.

Um dos alvos da onda de manifestações, o projeto que limita o poder de investigação do Ministério Público deve ser colocado em votação no dia 3 de julho, antes do recesso, segundo Alves.

Originalmente, a votação da PEC 37 ocorreria na próxima quarta-feira. Mas, a pedido de representantes do Ministério Público e das polícias, foi postergada.

Também para evitar novos desgastes, aliados da presidente Dilma Rousseff prometem mudar de estratégia para aprovação do projeto que inibe novos partidos. O texto afeta Marina Silva, que reúne assinaturas para fundar sua "Rede da Sustentabilidade". A orientação é empurrar a votação da proposta até outubro, prazo final da legislação eleitoral. As dúvidas sobre a viabilidade jurídica das novas siglas dificultariam a migração de governistas.

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