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Familiares e amigos cobram lista de passageiros no balcão da TAM no Salgado Filho | José Ernesto/Correio do Povo
Familiares e amigos cobram lista de passageiros no balcão da TAM no Salgado Filho| Foto: José Ernesto/Correio do Povo

Obras na pista onde ocorreu o acidente só ficariam prontas em setembro

A pista principal do Aeroporto Internacional de Congonhas, onde ocorreu o acidente com o Airbus 320 da TAM, que fazia o vôo JJ 3054, ainda não estava totalmente concluída. As obras começaram no dia 14 de maio e a pista ficou interditada por 45 dias. Foi reaberta no dia 29 de junho passado, com a conclusão da recuperação dos declives e da substituição das camadas gastas de asfalto. As ranhuras para escoamento de água, porém, não estavam prontas. O trabalho vinha sendo feito durante as madrugadas, segundo a Infraero, com conclusão prevista para o dia 27 de setembro.

Durante a primeira fase da obra, o número de pousos e decolagens por hora foi reduzido de 48 para 33 – alguns vôos foram suspensos e outros remanejados para o Aeroporto Internacional de Guarulhos. Durante o período de fechamento da pista principal, todas as operações de pousos e decolagens foram feitas pela pista auxiliar.

No dia 29 de junho, apesar das obras inacabadas, o tráfego praticamente voltou ao normal, com 44 pousos e decolagens por hora. De acordo com a Infraero, as obras que estavam em andamento eram de complementação dos trechos onde os aviões realizam manobras, nas alças de interligação das duas pistas e nas ranhuras para melhorar o escoamento de água.

Na primeira fase da obra foi efetuada a recuperação geométrica dos 1.939 metros de extensão da pista de pouso e decolagem, com 45 metros de largura, para correção das declividades transversais e longitudinais. Foram executadas a fresagem (retirada das camadas desgastadas de asfalto), a regularização geométrica com massa asfáltica, um novo balizamento (sinalização luminosa das pistas para auxílio do pouso das aeronaves) e a renovação de toda a sinalização horizontal (pintura das faixas na pista). O controle de qualidade da obra foi executado com o apoio do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT).

De acordo com a Infraero, o prazo estipulado para a execução dessa primeira fase foi cumprido, apesar de imprevistos como oito dias de chuvas, dez noites com temperatura restritiva ao lançamento da massa asfáltica e os problemas no controle do tráfego aéreo – que, ainda segundo a Infraero, prejudicaram o planejamento e a execução das obras no horário de paralisação do funcionamento do aeroporto, da meia-noite às 5h30.

Autoridades que investigam o acidente com o avião da TAM afirmaram ao site G1 que a aeronave, por algum motivo ainda não esclarecido, acelerou depois de já ter tocado com os pneus na pista de Congonhas durante o pouso. No avião estavam 186 pessoas, pelo menos três delas moravam ou nasceram no Paraná.

Essa primeira análise do acidente pelos órgãos de governo, ainda preliminar, foi feita após a coleta de imagens do aeroporto (com filmagens da pista principal), de informações de operadores da torre de controle e de dados fornecidos por pilotos de outras aeronaves.

Ao G1, fontes do governo disseram que o avião iniciou seu pouso de maneira correta, tocando no solo de Congonhas antes da marca 1.000 - uma pintura com duas faixas brancas paralelas na pista.

A marca fica a 1.000 pés (cerca de 330 metros) da cabeceira da pista. A pista tem 1.940 metros.

Se o avião tocar o solo antes ou em cima da marca, esse é um dos primeiros indícios para o piloto de que ele iniciou corretamente seu procedimento de pouso. Se o avião tocar o solo após a marca 1.000, pode ser recomendável que o piloto arremeta - tente acelerar e levantar vôo novamente.

Um outro fator que reforça a tese de um início de pouso normal é o fato de a torre de controle de Congonhas ter permitido a decolagem de outro avião segundos depois de o vôo da TAM ter tocado na pista.

As informações que as fontes do G1 obtiveram indicam que o avião voltou a acelerar em um momento em que ele já estava desacelerando, bem avançado na pista de Congonhas. Para eles, isso indica que o piloto tentou arremeter. Não está descartada, no entanto, alguma falha técnica que tenha feito o avião acelerar sem que fosse essa a vontade do piloto. Ou ainda que o piloto tenha tentado algum outro procedimento.

Mas, quando o piloto tentou essa manobra (ou a aeronave acelerou involuntariamente), o avião já estava avançado na pista de Congonhas - uma pista considerada curta, principalmente em dias chuvosos, em que se faz necessário um maior espaço para a frenagem completa da aeronave.

Teria sido, portanto, uma manobra arriscada - mas não necessariamente impossível. Ou uma falha no equipamento que levou a aeronave a acelerar inexplicavelmente.

O acidente

O acidente foi o mais grave da história da aviação brasileira. As equipes do Corpo de Bombeiros retiraram, até as 15h30 desta quarta-feira (18), 168 corpos de vítimas do acidente do vôo JJ 3054 da TAM, que se chocou com um prédio próximo ao Aeroporto de Congonhas na noite de terça-feira (17).

Com isso, sobe para 171 o número de mortos confirmados no desastre. Deste total, três pessoas morreram em hospitais, segundo o coronel Manoel Antonio da Silva Araújo, do Corpo de Bombeiros. O avião da TAM levava ao todo 186 pessoas. Mas o número de vítimas deve ser maior, já que a aeronave saiu da pista de Congonhas e atingiu um prédio da mesma empresa após atravessar a avenida Washington Luís, uma das mais movimentadas de São Paulo, no início da noite de terça-feira (17).

Os bombeiros estimam que cerca de 200 pessoas morreram nessa tragédia. Até então o maior acidente da aviação brasileira havia ocorrido em setembro do ano passado, com 154 mortos numa colisão entre dois aviões em pleno ar, nos céus da Amazônia.

Relatório oficial

A Aeronáutica iniciou já no dia do acidente uma investigação sobre suas causas. O prazo legal para o primeiro relatório conclusivo é de 90 dias, mas na prática as autoridades costumam pedir alongamento do prazo.

Será esse relatório que vai confirmar ou desmentir as hipóteses estudadas pelas autoridades brasileiras e citadas nesta reportagem.

"O Cenipa vai analisar a caixa-preta e os dados técnicos disponíveis e montar esse quebra-cabeça", disse ao G1 o comandante Ronaldo Jenkins, representante do Sindicato Nacional das Empresas Aeroviárias no grupo de especialistas que vai investigar o caso.

Ele não quis levantar hipóteses sobre o que pode ter ocorrido no vôo JJ 3054. E ressaltou que é preciso verificar se houve danos nas caixas-pretas. "Se elas sofreram danos com o impacto da aeronave, terão de ser remetidas à fábrica para a degravação."

Possíveis causas

Três mecanismos principais são os responsáveis pela diminuição segura da velocidade do avião ao longo do procedimento de aterrissagem.

O primeiro deles envolve os chamados flapes, extensões das asas que ficam unidas a elas por articulações e ajudam a aumentar a resistência do ar ao avião. Com isso, a aeronave começa a voar progressivamente mais devagar e mais baixo.

A segunda medida adotada para reduzir a velocidade é o uso do reverso - a força do motor do avião é redirecionada no sentido contrário ao do movimento original, como se a aeronave, ao se deslocar para a frente, tivesse sido presa a um elástico que a puxa para trás. Esse procedimento é adotado após o avião tocar o chão com as rodas.

Finalmente, há a frenagem propriamente dita, também acionada depois que o avião toca o solo. Nessa fase é que entra a ação do "grooving", as ranhuras no asfalto da pista. Elas aumentam o atrito entre as rodas do avião e o solo, diminuindo o risco de aquaplanagem, e também ajudam no escoamento da água para fora da pista em situações de chuva.

Ranhuras no asfalto

Após o acidente, especialistas em aviação levantaram a hipótese de a falta de ranhuras na pista de Congonhas (recém-reformada) ter contribuído para o acidente - já que chovia no momento do pouso do avião da TAM.

Mas analistas disseram ao G1 que só a falta de ranhuras dificilmente teria causado um acidente destas proporções. De acordo com o cronograma de obras, o governo federal deve instalar os "groovings" nas próximas semanas.

Água na pista

A real condição da pista de Congonhas também levantou dúvidas junto aos especialistas. O freqüente fechamento de Congonhas por causa de lâminas de água na pista e o deslizamento de um avião na segunda-feira, apenas um dia antes do acidente com a TAM, foram apontados como sinal de que a reforma do aeroporto foi entregue incompleta.

Fontes do governo federal, no entanto, argumentam que não choveu tanto em São Paulo na terça-feira. E que o nível da água na pista não passou do limite permitido - de 3 milímetros.

Curva à esquerda

Outro fato que intriga os investigadores é a curva que o avião fez para a esquerda, após percorrer centenas de metros na pista reta de Congonhas. Ao G1, um piloto que trabalha diariamente em Congonhas disse acreditar que o comandante do vôo da TAM tentou dar um cavalo-de-pau para reduzir a velocidade da aeronave e minimizar o impacto - e teria, com isso, escorregado para a esquerda.

O governador de São Paulo, José Serra, disse ontem que a última frase ouvida na cabine dos pilotos do vôo JJ 3054 da TAM para a torre de controle foi "vira, vira, vira".

Para investigadores ligados à Aeronáutica, a possível manobra do piloto pode ter sido motivada pela visão que ele teve de prédios ao final da pista de Congonhas. Ou então porque ele verificou algum travamento no reverso ou no freio motor hidráulico.

Questão estrutural

Para Moacyr Duarte, pesquisador da Coppe (instituto de engenharia da UFRJ) e ligado a um grupo que estuda acidentes e controle de emergências, não se pode restringir a análise do acidente da TAM às suas causas imediatas.

"O fato é que o acidente jamais teria sido tão grave se não tivesse acontecido numa área de grande densidade demográfica", declarou ele ao G1.

"A questão é saber se Congonhas pode receber esse volume de tráfego aéreo. Um aeroporto num contexto parecido, como o de Orly, na França, há muito tempo não recebe tantos vôos", diz Duarte.

Para ele, uma pista de pouso mais longa, localizada em uma área longe da cidade, ofereceria menos riscos tanto para as pessoas que estavam nos arredores do acidente quanto para os próprios passageiros e tripulantes do avião.

"O avião não teria prédios a abater. Se a pista tivesse o comprimento da de Guarulhos (com 3,7 km) ou a do Galeão, no Rio (com 4 km), o piloto no máximo escorregaria da cabeceira da pista e sairia com velocidade muito menor", avalia Duarte.

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