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Defesa do ex-ministro José Dirceu recorreu da proibição; o ministro (à dir.) Joaquim Barbosa seguiu a lei ao pé da letra. | Maurício Lima; Nelson Jr. / STF2
Defesa do ex-ministro José Dirceu recorreu da proibição; o ministro (à dir.) Joaquim Barbosa seguiu a lei ao pé da letra.| Foto: Maurício Lima; Nelson Jr. / STF2

A recente decisão do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Joaquim Barbosa, de revogar a autorização de trabalho fora da prisão a quatro presos pelo processo do mensalão divide a opinião de especialistas. As negativas foram dadas ao ex-ministro José Dirceu, ao ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares, ao ex-deputado Romeu Queiroz e ao advogado Rogério Tolentino. Nesses casos, Barbosa argumentou que eles ainda não completaram um sexto da pena e que, conforme a lei de execuções penais, só a partir desse período é que qualquer condenado pode trabalhar fora da prisão.

Apesar de Barbosa ter utilizado a letra da lei como argumentação, a decisão é conflituosa. O motivo é que, desde 1999, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) adota o entendimento de que a exigência do cumprimento de um sexto da pena só vale para presos do regime fechado, com pena superior a oito anos. Até mesmo o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, um dos responsáveis pela acusação dos réus no julgamento do mensalão, defendeu a concessão de trabalho externo para os presos do regime semiaberto – do qual fazem parte Delúbio, Queiroz, Tolentino e Dirceu. Para o advogado especialista em Direito Penal Samuel Rangel, porém, o rigor de tratamento de Barbosa sobre os condenados do mensalão é necessário. "Com esse rigor, há atendimento ao princípio da isonomia", diz. Já o presidente da Coordenação do Sistema Prisional Brasileiro da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Adilson Rocha, está preocupado com o impacto da nova interpretação da lei. "É uma decisão que não considerou a realidade brasileira", avalia.

Segundo cálculo da OAB, cerca de 20 mil detentos poderão ser atingidos pela interpretação de Barbosa. No Paraná, segundo informações da Secretaria da Justiça, 5 mil dos 18,2 mil presos do estado trabalham dentro e fora dos presídios.

Veja abaixo os argumentos apresentados pelos dois especialistas:

Entrevista

"Decisão não considerou a realidade brasileira"

Adilson Geraldo Rocha, presidente da Coordenação de Acompanhamento do Sistema Carcerário da OAB

Por que o senhor é contrário à decisão do ministro Joaquim Barbosa?

É uma decisão que não considerou a realidade brasileira e, por ter origem no Supremo Tribunal Federal, tem reflexo nacional. Mas a realidade dos estados não é a mesma da do Distrito Federal. Temos milhares de presos condenados no semiaberto trabalhando todos os dias. Os juízos das execuções penais dessas comarcas podem tomar a mesma atitude do ministro, ou seja, mandar recolher todo mundo. Isso vai ser altamente prejudicial para a execução penal no Brasil.

Já existia jurisprudência do STJ para que os condenados do semiaberto trabalhassem antes de cumprir um sexto da pena...

No Brasil, não há estabelecimentos prisionais adequados para o regime semiaberto e os condenados nesse regime acabavam cumprindo a pena no regime fechado. Então, após o cumprimento de um sexto da pena, eles acabavam passando direto para o regime aberto. Por decisões dos juízes das execuções penais confirmadas pelo STJ e pelo STF, nos estados onde não há estabelecimento prisional apropriado para o cumprimento da pena no regime no qual a pessoa foi condenada, ela não pode cumprir a pena no regime mais rigoroso. Nesses casos, se admitiu que os condenados do semiaberto saíssem para o trabalho.

Ou seja, não há uma preocupação sobre uma possível injustiça nesse caso em específico, mas sobre os efeitos da decisão?

Sim, pois isso pode gerar um efeito cascata. A sociedade civil e as entidades se mobilizam para dar trabalho aos presos porque é um grande fator de ressocialização. Essa decisão funcionou como um balde de água fria. Toda decisão judicial deveria facilitar o trabalho e não dificultar.

Mas havia uma jurisprudência para que o ministro apoiasse essa decisão?

Se havia, é bastante antiga porque a mais atual é no sentido de conceder o trabalho externo.

Entrevista

"Todos são iguais perante a lei e o seu rigor tem que ser aplicado"

Samuel Rangel, advogado, professor na Liga Acadêmica Jurídica do Paraná e coordenador do curso prático do Tribunal do Júri

Por que o senhor é a favor da decisão do ministro Joaquim Barbosa?Porque nesse processo percebe-se que há muita diferenciação. O tratamento que se dá aos réus mostra que eles estão sendo extremamente beneficiados, mas deveriam ter os mesmos direitos que os outros presos. Ou se melhora a condição dos demais presos, ou submete os outros a situação igual dos que já estavam lá. Entendo que diferenciar o tratamento porque se trata do [ex-ministro] José Dirceu é prevaricação.

Mas existe um entendimento antigo de que condenados do semiaberto poderiam sair da prisão para trabalhar sem cumprir um sexto da pena. O ministro não acabou atropelando essa jurisprudência?A interpretação da lei não é exata. Mas queria saber se, para os outros brasileiros presos, seria garantido o mesmo tratamento. Há certo rigor excessivo da parte do Barbosa. Mas entendo que, nesse rigor, há atendimento ao princípio da isonomia.

Então esse rigor é necessário? Creio que sim, porque senão chega a ser imoral. Com o trânsito político que essas pessoas têm, tudo ficaria mais fácil. Que o diga a visita da filha do José Dirceu [ao Presídio da Papuda] em carro oficial em contraponto ao tratamento das esposas de presos que são obrigadas a ficar nuas e fazer agachamento nas visitas.

Há uma preocupação de que essa decisão gere reflexos em outros casos. Isso é possível? Os precedentes são sempre perigosos. Mas, nessa situação, prefiro o rigor de um precedente. Mais preocupado do que com o precedente, fico preocupado com o desrespeito ao princípio da igualdade. Todos são iguais perante a lei. Então o rigor da lei também tem que ser aplicado para eles. Além disso, como juiz da causa, o ministro Joaquim Barbosa tem que ponderar todas as circunstâncias que envolvem o fato, inclusive as circunstâncias políticas do caso.

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