Ilustração: Robson Villalba| Foto: /

Uma articulação entre vários partidos na Câmara dos Deputados tenta desfigurar o relatório aprovado por unanimidade na comissão especial que analisou as “Dez Medidas Contra a Corrupção”. A intenção é incluir uma emenda que, na prática, pode anistiar políticos que praticaram “caixa 2” no período anterior à aprovação do pacote.

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Veja uma análise do relatório de Onyx Lorenzoni (DEM-RS), aprovado na comissão

Sob muita pressão, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), adiou a votação das iniciativas para a próxima terça-feira (29). A tensão na quarta-feira (23) foi tanta que os deputados da comissão especial protelaram o quanto puderam a análise do relatório de Onyx Lorenzoni (DEM-RS), para evitar que o plenário da Câmara, ainda em sessão, analisasse o projeto de lei durante a madrugada.

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A pressa existe por causa da expectativa da homologação das delações dos executivos da Odebrecht, no âmbito da Operação Lava Jato. Especula-se que os delatores da empreiteira poderão envolver até 300 políticos, sobretudo em casos de “caixa 2”.

Editorial: os deputados tentaram agir nas sombras, mas a anistia ao caixa dois ainda não prosperou

Mas por que o “caixa 2” mexe tanto com os políticos brasileiros?

A primeira vez que o esquema de doações não contabilizadas ganhou destaque foi com as “sobras de campanha”, durante o governo de Fernando Collor, no início dos anos 90.

Essa prática chamou mais a atenção em 2005, durante o julgamento do Mensalão do PT, quando a defesa do partido alegou que havia praticado “caixa 2” eleitoral, para se esquivar da acusação de desvio de dinheiro público.

Em entrevista ao programa Fantástico, da TV Globo, Lula chegou a dizer que trata-se de uma prática sistemática.

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Com a Operação Lava Jato, uma melhor radiografia do “caixa 2” veio à tona, envolvendo desde bingos entre empreiteiras à rede de políticos que, caso confirme as suspeitas da delação da Odebrecht, envolve aproximadamente 300 nomes, entre governo e oposição.

Após tantos escândalos, uma nova medida surge visando aumentar a punição dos crimes de caixa dois. Entretanto, uma manobra pode fazer da punição uma anistia a políticos e empresários.

Mas afinal, o que leva à prática de “caixa 2”?

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O professor Wagner Pralon listou várias razões:

- Dissimular a relação, quando o doador não quer vincular o seu nome a um político ou porque a origem da doação é ilícita;

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- Evitar pagamento de impostos; superar os limites de doação que a legislação permite;

- Criar um fundo para pagamentos não permitidos, como: compra de apoio político (Mensalão), atender demandas que não dizem respeito ao papel político como: fornecer uma dentadura, ônibus para a igreja... etc.

Estas são razões que, no fundo, traduzem uma cultura política ancorada no individualismo, em detrimento de uma cultura centrada em programas ou ideologias partidárias.

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O professor Emerson Urizzi acredita que para entender o “caixa 2” deve-se olhar primeiro a legislação administrativa, pois não existe o caixa dois de campanha eleitoral sem antes haver o caixa dois empresarial.

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Toda a logística, desde contrato, prestação de serviço, pagamentos superfaturados, transações no exterior... até chegar aos cofres dos partidos, acontece sem fiscalização. Além disso, a Lava Jato tem revelado um esquema de abastecimento do caixa dois de partidos, por meio do superfaturamento de contratos legais.

A Lava Jato tem demonstrado que são três agentes em um esquema: o privado, prestador de serviço para o Estado, o político ligado à empresa ou governo e um burocrata, que garante o parecer técnico para aprovação de orçamentos. Sem o burocrata, não há corrupção. E isso também é uma questão de cultura política: o corporativismo do funcionalismo público.

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A professora de direito constitucional Eneida Desiree segue o mesmo raciocínio. Ressalta que a doação empresarial para campanhas eleitorais não ofende a Constituição e, com isso, estão deslocando uma falha da prática administrativa para o sistema eleitoral resolver.

A ideia constitucional de contratação pública visa garantir ampla igualdade na disputa, além de contemplar o concorrente mais eficiente, assegurando a isonomia contratual. O problema está quando as licitações não ocorrem nessas condições, resultando, muitas vezes, em superfaturamento para abastecer o caixa dois. O desaparecimento da figura da doação empresarial não vai resolver um problema de falta de isonomia nesses contratos.

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Fernando Vernalha, especialista na área de Direito Público, acredita que há certo “incentivo” ao crime de caixa dois. Pela teoria econômica do crime, diz ele, o crime de caixa dois acaba sendo relevante, pois gera uma vantagem competitiva entre os candidatos em uma eleição, mesmo considerando a probabilidade de ser flagrado, o agente conclui que a prática de caixa dois é vantajosa.

Há uma inteligência por trás do crime, uma estrutura muito sofisticada para ocultar o dinheiro. Estamos avançando no combate à corrupção, mas precisamos ampliar a capacidade do Estado de investigar e julgar esses crimes. A experiência da Lava Jato tem se mostrado rápida e eficaz, muito disso deve-se à dedicação de seus agentes, um modelo que até agora não tem sido repetido. Isso também expõe um problema do aparelhamento do Estado com combate do caixa dois e crimes de corrupção.

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