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Senhor prefeito,

Nos próximos dias, deve chegar à sua mesa um projeto de lei aprovado pelos vereadores de Curitiba. Como o senhor certamente já sabe, a Câmara Municipal resolveu permitir que proprietários de imóveis em ruas sem saída coloquem cancelas na entrada. Dizem que a ideia é aumentar a segurança. Quem não fosse morador, amigo ou convidado, segundo os defensores da proposta, não teria nada que estar fazendo por ali. Portanto, nada mais justo que ficasse do lado de fora.

Senhor prefeito, venho aqui tomar seu tempo – e prometo ser breve, porque sei que o senhor é um homem ocupado – para pedir uma gentileza: que o senhor vete essa proposta.

É claro que os vereadores vão reclamar. E alguns moradores de ruas nessas condições também não gostarão. Es­­pecial­­mente aqueles que se anteciparam à lei e transformaram vias públicas em verdadeiros condomínios privados (aliás, coisa para se ver no futuro próximo, não é, senhor prefeito?). Mas, apesar da resistência, o senhor estará fazendo a coisa certa.

Antes de mais nada, prefeito, porque o projeto é, obviamente, inconstitucional. Nossa lei diz que todos temos o direito de ir e vir livremente. Os moradores das ruas sem saída são meramente isso: moradores. Não são donos da rua. Mesmo porque ninguém pode ser dono de uma rua. Se ela pudesse ser comprada, deixaria de ser rua. Mas, graças a Deus, não pode. E, por isso mesmo, é de todos.

É claro que todos nós ficamos incomodados com a falta de segurança. E a vontade é de colocar grade, portão e alarme onde for possível. Enquanto estamos em nossa casa, tudo bem: podemos resolver nos encaixotar e ninguém tem o direito de reclamar. Mas fechar a rua interfere no direito alheio. E aí a história é outra.

Senhor prefeito, eu próprio moro em uma rua sem saída. O pessoal que trabalha na rua de cima não tem onde estacionar os carros. Muitas vezes, deixam na nossa rua. Será que eu deveria pedir crachá de identificação cada vez que um deles fizer isso? E se o filho de um vizinho da outra rua quiser usar a ladeira para aprender a andar de bicicleta – eu teria o direito de impedir?

Temos a sorte de viver numa democracia, senhor prefeito. Lutamos para isso. E um dos princípios básicos de uma sociedade democrática é que ninguém pode passar por cima do direito alheio para conseguir o que quer. Nossos vereadores, infelizmente, ainda não conseguiram entender isso. Por estranho que pareça, o Departamento Jurídico da Câmara também ignorou os erros do projeto.

Restou o senhor, prefeito, para devolver as coisas ao seu devido lugar. E não é nem só pela legalidade (que é importante, já que é o que nos separa da barbárie). É também pelo espírito que todos queremos para a nossa cidade. Será que o que desejamos é uma cidade de guetos, em que só quem entra é quem tem a carteirinha desejada, quem tem o dinheiro suficiente para comprar um imóvel? Será que o caminho para sermos melhores vizinhos, melhores cidadãos, é nos isolarmos uns dos outros. Claro que não...

O próximo passo seria criarmos quadras exclusivas. Depois, vilas. Finalmente bairros. Até que teríamos várias cidades, e não uma só. E vários tipos de cidadãos, não um só. Seríamos mais felizes? Seríamos ainda uma cidade?

É por isso que tomo seu tempo, brevemente, senhor prefeito, para, em nome da justiça, da boa vizinhança e, principalmente, da generosidade, pedir que o senhor não deixe essa lei prosperar. Que o senhor mantenha a cidade unida e livre, como sempre deve ser.

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