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Desmond Tutu, o bispo que combateu o apartheid na África do Sul, conta que uma vez estava num avião, já depois da chegada da democracia racial naquele país, quando soube que havia problemas no voo. Naquele momento, ele diz que se pegou pensando algo estranho. Desejou que houvesse um branco no comando do avião. Claro que não fazia o menor sentido ele, como líder negro que havia recebido o Nobel por combater a discriminação, pensasse isso. Mas acontece. Às vezes nos oprimem tanto, dizendo que não somos capazes de nada, que acabamos acreditando.

Meus pais se casaram no governo Médici (1969-1974). Nasci no governo Geisel (1974-1979). Aprendi a escrever no início do mandato de Figueiredo (1979-1985). Vivi o início da minha adolescência com Sarney na Presidência (1985-1990). E aí aconteceu: lembro do meu espanto quando soube. Os brasileiros iriam votar e escolher quem seria o próximo presidente. A ficha não caía. Como era possível? Caberia às pessoas comuns decidir isso? Aquilo, para mim, não era só novidade. Era inesperado. Era bom demais para ser verdade. E lembro de ter medo: será que estaríamos preparados para aquela responsabilidade?

Era o medo do bispo Tutu. A minha geração não sabia mais que poderia ter esse poder e essa responsabilidade nas mãos. Veio a primeira eleição. Depois mais uma. E outra. E elas continuaram acontecendo. Graças a Deus, se tornaram parte do nosso cotidiano. E os meus medos não se concretizaram. Pelo contrário: o país, meio aos trancos e barrancos, é verdade, começou a melhorar.

Não sei se as gerações que entram na vida adulta hoje conseguem compreender isso. Mas eu, depois de votar várias vezes para presidente, ainda sinto uma empolgação tremenda quando chega a hora. Me sinto como uma criança em dia de ir ao parque de diversões. Dá vontade de falar para todo mundo como aquilo é bom, e importante, e perguntar se eles entendem o quanto nós somos felizes por poder votar.

A humanidade levou milênios sem isso. No Brasil, durante 400 anos, não tivemos esse direito. Mesmo na República, poucas vezes houve democracia real. Até 1930, nossas eleições eram uma farsa. Depois, Getúlio Vargas virou ditador (1930-1945). Em 1964, nova ditadura. Só nossos avós puderam realmente escolher presidentes, entre 46 e 64. E agora, desde 1989, nós temos esse poder. Cabe a você e a mim fazer a escolha de quem vai comandar a oitava economia do mundo. Quem vai mudar o destino de 200 milhões de pessoas.

Fico aflito quando começa a campanha. Vejo muita gente, anestesiada provavelmente pelos erros cotidianos dos maus políticos, dando de ombros para a eleição. Minha timidez me impede: mas minha vontade é sempre a de começar a falar e tentar convencer de que aquele simples fato de poder ir à urna livremente nos define como sociedade. Isso é o que somos. Um país livre, independente, formado por cidadãos que têm o direito de escolher quem os governa e decidir o seu destino.

Tenho vontade de sair dizendo a todo mundo: informe-se, escolha o melhor, aproveite essa chance única de melhorar o lugar em que você vive. Hoje é o dia de fazer isso. De dizer a você que está lendo esse jornal: não esqueça, por favor, que esse domingo é o dia que vai decidir boa parte do seu futuro, do futuro de seus filhos.

Não temos o direito de errar. Nem de menosprezar a maravilha que é sermos livres e cidadãos.

Vote de maneira consciente. Boa eleição a todos!

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