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O caminho que um governo tomará é sempre imprevisível. Um exemplo: diz a lenda que Millôr Fernandes, certa vez, ganhou aplausos de amigos ao ler um belo discurso sobre os valores da democracia. Quando terminou, agradeceu os elogios e contou que se tratava do discurso de posse do general Emílio Gar­rastazu Médici, talvez o mais violento ditador que já governou o Brasil.

Nesse caso, obviamente, o que aconteceu foi uma farsa; Médici sabia como governaria, mas mentiu, para acobertar suas verdadeiras intenções. Há casos, porém, em que o governo toma um rumo inesperado não pela má-fé do governante, mas pelos fatos que lhe moldam. O marechal Hermes, que assumiu a Presidência há quase 101 anos, em 1910, provavelmente tinha outros planos para o início do seu governo. Logo nos primeiros dias, porém, uma revolta de marinheiros mudou o caminho das coisas e o presidente passaria boa parte de seu período com o país sob estado de sítio.

Dilma Rousseff não governará num sistema ditatorial, nem parece levar jeito para Médici. O país também não parece prestes a sofrer com nenhuma rebelião militar nem nada do gênero – nem Dilma poderia fazer os absurdos que o marechal Hermes fez na Revolta da Chibata ou no Contestado, só para citar dois exemplos de uso brutal da força do governo.

No entanto, seu governo não deixa de ser imprevisível. Até agora, o que se conhece dela como presidente são os discursos. E o que se sabe dela como gestora foi sempre visto sob as ordens de outros. Nos dois casos, Dilma saiu-se bem o suficiente. O que não quer dizer que, como presidente de fato, tomando as decisões nos momentos difíceis, saberá manter tudo como prevê hoje.

Nos discursos, depois de eleita, Dilma se mostrou ponderada e absolutamente devotada aos valores democráticos. Prometeu manter todas as liberdades essenciais do país e até mostrou avanços promissores em relação à administração de Lula – muito especialmente no que diz respeito à relação com o Irã.

Como gestora, Dilma mostrou-se eficiente tocando projetos e deu uma tranquilidade ao segundo mandato de Lula que parecia difícil de acontecer. Quando ela assumiu a Casa Civil, em 2005, o país saía do escândalo do mensalão e Lula era ameaçado até de impeachment. Com Dilma de braço direito, o segundo mandato tomou nova feição e os escândalos deram lugar a uma Presidência de popularidade quase insuperável.

Boa-fé, boas promessas e eficiência na gestão, no entanto, não são garantia de um bom governo. Ou, pelo menos, de um governo popular como foi o de Lula. Veja-se o caso atual dos Estados Unidos. Barack Obama tem uma inteligência muito acima da média, é carismático, tem boas ideias e, há dois anos do fim do mandato, fez boa parte do que havia prometido. Mesmo assim, pena para chegar aos 50% de popularidade e pode nem ser candidato pelo seu partido à reeleição.

Dilma, assim, chega à Pre­­sidência sem que se possa saber o que será seu governo. O que se pode é cobrar que ela cumpra as promessas de respeitar a tradição democrática; que seja a gestora eficiente que venderam ao país durante a campanha; e que melhore os números do país, que já vêm consistentemente melhorando nos últimos anos.

No discurso, estamos à beira de um governo que promete aumentar o crescimento, melhorar a infraestrutura e erradicar a miséria. Tomara. Caso contrário, alguém poderá, daqui a algumas décadas, ler o discurso de posse de Dilma como se fosse apenas uma piada de mau gosto.

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