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Pode o Tribunal de Justiça – ou melhor, um (a) de­­sembargador (a) – cassar prerrogativas cons­­ti­­tucionais do Tribunal de Con­­tas? Esta é a grande questão que emerge das contraditórias decisões tomadas pelos dois tribunais anteontem e ontem a respeito da licitação liderada pela prefeitura de Curitiba para a implantação do Sipar, a usina de industrialização do lixo da capital e 18 outros municípios curitibanos.

Anteontem, a desembargadora Regina Afonso Portes desarquivou um mandado de segurança negado anteriormente por dois outros juízes e determinou que fosse concluída a licitação e anunciado imediatamente o nome do vencedor. E ainda estipulou multa de R$ 10 mil por dia para a presidente da comissão de licitação caso sua ordem fosse descumprida.

A decisão de Regina Portes foi proferida um dia antes da já anunciada sessão plenária do Tribunal de Contas, de cuja pauta constava, exatamente, a apresentação de votação de relatório do corregedor-geral Caio Soares sobre a regularidade dos procedimentos adotados pela comissão de licitação.

Pois bem: o Tribunal de Contas, em votação unânime, aprovou integralmente, sem ressalvas, o relatório do corregedor que descreveu, pormenorizadamente inúmeras irregularidades técnicas e legais havidas em todas as fases anteriores da licitação. Uma das conclusões mais importantes foi a de recomendar a desclassificação de duas das empresas que participam da licitação. A elas foram atribuídas pontuações exageradas, apesar de suas propostas técnicas não estarem em conformidade com inúmeras exigências do edital de concorrência, segundo constatou o TC.

Uma delas é exatamente o consórcio Recipar, controlado pelos empresários paranaenses Silvio Name e Salomão Soifer, proclamado ontem, apenas minutos antes da sessão do Tribunal de Contas, como vencedor da bilionária licitação!

"Corrida maluca" pode causar mais complicação

Foi, portanto, uma espécie de "corrida maluca" a promovida pela prefeitura de Curitiba. Certamente prevendo que o Tribunal de Contas reprovaria procedimentos da licitação – ou até mesmo consciente de que havia irregularidades – apressou-se em divulgar o resultado na tentativa de criar um fato consumado.

No fundo, parece ter se caracterizado uma situação em que, propositadamente, valendo-se de uma decisão liminar e ainda discutível de uma desembargadora, a prefeitura cometeu um ato de desrespeito ao Tribunal de Contas. Desrespeito que não está escrito nos manuais de etiqueta social e de boas maneiras – mas na legislação que define as prerrogativas dos tribunais de contas, como lembrou ontem, em declaração de voto, o conselheiro Fernando Guima­­­rães. Vasta jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) confirma a precedência que, neste caso, teria o Tribunal de Contas.

Os precipitados acontecimentos desses dois dias, em vez de darem por resolvida a velha e confusa pendenga da licitação do lixo, podem ter gerado ainda mais complicação. Em primeiro lugar, o corpo jurídico da prefeitura de Curitiba terá de provar que a decisão do Tribunal de Contas não é válida. Em segundo lugar, lembre-se que há ainda pendentes antigas decisões de mérito a serem tomadas pelo Judiciário. E, em terceiro, outros participantes da licitação, julgando-se prejudicados, encontrarão no relatório do TC argumentos suficientes para fundamentar novas ações judiciais.

A prefeitura já anunciou ontem que não se obriga a obedecer o prazo de 15 dias que o Tribunal de Contas lhe concedeu para corrigir as irregularidades apontadas. Considera-se suficientemente amparada pelo despacho da desembargadora Regina Portes. Também já decidiu não obedecer a ordem de embargo baixada pelo Instituto Ambiental do Paraná (IAP) que, anteontem, mandou paralisar as obras de reconformação do aterro da Caximba.

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